Descrição de chapéu Tóquio 2020

Tóquio enfrenta rejeição nas ruas e expõe falhas de 'bolha' anti-Covid da Olimpíada

População não demonstra euforia com evento esportivo, e cidade lida com aumento de casos

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Tóquio

Em um mercadinho da região de Shinjuku, em Tóquio, um pote de shoyu se destaca em uma gôndola por um detalhe raro no comércio local: o logotipo da Olimpíada estampado em uma embalagem.

Por enquanto, são escassas as referências ao evento nas ruas de Tóquio a poucos dias do começo das competições, que envolvem 33 esportes e 11 mil atletas de 200 países.

Algumas bandeirolas “Tóquio 2020” estão penduradas nas ruas para celebrar uma Olimpíada rejeitada, segundo pesquisas recentes, por grande parte dos japoneses, temerosos com o aumento de casos de Covid-19.

Um episódio de mau gosto envolvendo um hotel local retratou durante a semana o ambiente na cidade para o evento que começa oficialmente no dia 23.

Ao estabelecer que “somente estrangeiros” e “somente japoneses” utilizassem elevadores distintos, o Akasaka Excel protagonizou uma crise, recuou da medida, pediu desculpas e alegou que apenas tentou seguir protocolos das autoridades locais em relação aos Jogos.

O hotel rasgou a fantasia de algo que assusta os japoneses, incluindo as autoridades, conforme mostrou a Folha: o risco de que a entrada no país do público internacional para o evento esportivo seja uma via de transmissão da Covid-19, sobretudo de novas variantes, como a delta.

O episódio do hotel é só um sintoma de um problema muito maior. A Olimpíada nem começou e a imprensa japonesa começa a apontar falhas na "bolha" montada para tentar controlar o contato dos participantes dos Jogos com os moradores locais.

A Vila Olímpica, por exemplo, já registrou seu primeiro caso de Covid-19. A informação oficial diz que uma pessoa ligada aos Jogos, não sendo atleta, testou positivo e entrou em um período de quarentena de 14 dias. O local, palco tradicional de intercâmbio cultural entre as delegações virou uma bolha, com restrições de circulação e acesso maiores que as habituais.

Enquanto isso, cresce a aglomeração em aeroportos, hotéis estão com dificuldade em monitorar os hóspedes e há lacunas no controle da circulação de estrangeiros pelas ruas da anfitriã olímpica.

Na última quarta-feira (14), o número de casos diários da doença em Tóquio ultrapassou, pela primeira vez em dois meses, o patamar de 1.000, justamente na semana em que a cidade entrou no seu quarto estado de emergência.

Ao mesmo tempo, a população japonesa dá sinais de fadiga em relação a medidas de restrições impostas pelo governo. As ruas continuam cheias, o comércio aberto normalmente e os restaurantes com limite de funcionamento até às 20h. Como mostrou a Folha, muitos estabelecimentos, já atingidos pela crise das restrições da pandemia, estão ignorando as determinações das autoridades. O uso de máscaras na rua é maioria, embora muitos não a utilizem da maneira adequada.

Ao jornal local The Asahi Shimbun, Mitsuru Fukua, professor de gerenciamento de crises da Universidade de Nihon, reconhece que a população local está menos receptiva às medidas de controle do vírus na véspera de realizar o maior evento esportivo do planeta.

“As pessoas estão estressadas, insatisfeitas, passando do limite. Uma vez que isso ocorre, elas ficam distantes de um retorno ao período anterior de restrições”, disse.

O Japão já registrou 831 mil casos de Covid e cerca de 15 mil mortes por Covid-19. O calendário de vacinação começa a acelerar depois de patinar no primeiro semestre. Os últimos dados apontam que, até o fim da semana, 32% tomaram a primeira dose e 20% completaram a segunda etapa do processo.

A identificação da variante delta tem aumentado. Na última semana de junho, representou 14,7% dos diagnósticos, segundo dados do governo de Tóquio. Na semana seguinte, o percentual subiu para 18,7%.

Nem a decisão recente de vetar a presença de espectadores locais nas competições (estrangeiros já estavam proibidos) aliviou o cenário de pressão sob o primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, que bateu o pé para a realização da Olimpíada na pandemia.

Inclusive líderes de peso do partido de Suga, o Liberal Democrático (PLD), demonstram sinais de insatisfação com as medidas.

“Na perspectiva da população, o governo pode não ter dado explicações suficientes sobre os Jogos e as medidas de combate ao coronavírus”, declarou Hakubun Shimomura, um dos nomes fortes do partido e que atuou na organização da Olimpíada nos últimos anos.

Tóquio iniciou no último dia 12 seu quarto estado de emergência, com prazo para ser encerrado somente em 22 de agosto, 14 dias após a Olimpíada, a primeira a ser adiada na história.

O primeiro-ministro teve de recuar e pedir desculpas (novamente) à população depois de o governo pedir para que as associações de empresas de bebidas alcoólicas rompam com estabelecimentos que não estejam cooperando com as medidas de restrições.

Os atletas que desembarcam em Tóquio levarão, além do clima de apreensão e protocolos, poucas lembranças do país que visitam.

Nos primeiros 14 dias de visita à cidade, os credenciados de outros países, como jornalistas, não podem ter contato com os japoneses –inclusive são proibidos de usar transporte público, tendo disponíveis veículos oficiais do evento. Fora uma rotina constante de testes de Covid.

A ausência de chefes de Estado na cerimônia de abertura, programada para às 8h (de Brasília) de sexta (23) no Estádio Olímpico, é um sinal político do cenário em que se encontra o governo japonês, que, ao lado do Comitê Olímpico Internacional (COI), bancou a realização da Olimpíada em meio a uma pandemia.

A primeira-dama dos Estados Unidos, Jill Biden, tem sido celebrada com uma das principais presenças na festa de abertura. Segundo a Casa Branca, o presidente Joe Biden, que decidiu não se deslocar ao Japão, “apoia a Olimpíada de Tóquio e as medidas necessárias para proteger atletas, delegações e espectadores”.

Outra presença aguardada é a do presidente francês, Emanuel Macron, que ficaria numa saia-justa se faltasse, já que Paris é o próximo anfitrião olímpico, em 2024.

O governo brasileiro, anfitrião dos últimos jogos no Rio-2016, por exemplo, decidiu enviar apenas seu ministro da Cidadania, João Roma, e Marcelo Magalhães, secretário especial de Esporte.

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