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William Douglas de Almeida

A descoberta do olimpismo além dos Jogos

Questões sociais sempre fizeram parte do movimento olímpico, mas sofreram processo de apagamento

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William Douglas de Almeida

Jornalista, doutor pela EEFE-USP, integra o Grupo de Estudos Olímpicos da USP

Antes mesmo de começar, os Jogos Olímpicos de Tóquio entraram para a história pela quebra do ciclo quadrienal, o que desfigura a história e nos faz questionar se o que ocorre no Japão é mesmo uma edição olímpica, ou uma série de disputas esportivas. A realidade de um mundo pandêmico se impôs àqueles que insistiram em cumprir contratos comerciais e mais de 11 mil atletas se deslocaram de todos os lados do mundo rumo ao Japão. Lá, corpos habilidosos mostram mais que habilidades atléticas. Escancaram questões que retratam como é o mundo em 2021.

Questões sociais sempre permearam o movimento olímpico. Tal como alguém que acorda e olha diretamente para o sol, grande parte das pessoas tinha a visão ofuscada pelo brilho dos atletas e não conseguia enxergar o entorno, vendo apenas as disputas.

As arquibancadas vazias e as máscaras presentes em todos os lugares deixam claro que há um inimigo invisível e mortal, que não poupa nem mesmo aqueles que têm o melhor histórico de atleta possível. Ao mesmo tempo, o negacionismo daqueles que se recusaram a se vacinarem antes de se juntarem a pessoas de todos os cantos do mundo também se faz presente.

Naomi Osaka e Simone Billes, humanas, trouxeram à tona a humanidade dos atletas e a saúde mental. Novidade em uma edição olímpica? Não para quem já teve contato com o relato aterrorizante de uma atleta sobre noites em claro pensando em suicídio dentro da Vila Olímpica, após sucumbir na disputa pelo pódio.

Em um mundo com mais de 80 milhões de pessoas vivendo fora de seus países de nascimento, a delegação de refugiados é vista como um alerta para uma condição provisória que se consolida como permanente. Uma inovação introduzida em 2016? Na década de 1960, os remadores Francisco Todesco e Edgard Gijsen, que vieram para o Brasil fugindo da Segunda Guerra, representaram o Brasil em Jogos Olímpicos, tal qual Victor Mirshawka e Radvilas Gorauskas, no basquete. “Deslocados de guerra”, eles receberam a nacionalidade brasileira, mas não deixaram de ser refugiados no maior evento esportivo do planeta.

As palavras emocionantes em meio às lágrimas de Daiane dos Santos, negra, periférica e vitoriosa, que exaltam Rebeca Andrade lembram que o esporte brasileiro negligenciou espaços e conquistas a mulheres, principalmente negras. Mas Melânia Luz, Irenice Rodrigues, Edilene Andrade e tantas outras não se conformaram e, por meio de suas habilidades, desafiaram o sistema, tornando-se olímpicas.

Ainda sobre a presença feminina, no “país do futebol” a modalidade ainda é clara sobre as diferenças entre os gêneros. Os recentes e modestos avanços conquistados fora de campo pelo futebol feminino vieram após muito esforço de atletas como Maravilha, Sissi e Márcia Taffarel. Sucedidas pela geração de Marta e Cristiane, que desbravou o pódio com duas pratas. Os elos entre essas equipes? A onipresente Formiga e as cobranças desproporcionais ao acompanhamento que o futebol feminino recebe fora do período olímpico.

Pelo encanto de uma fada, autoridades brasileiras devem ter descoberto que o skate não é sinônimo de marginalidade, tal qual Adhemar Ferreira da Silva ensinou a Jânio Quadros que o atletismo não era “coisa de vagabundos”. A “Olimpíada da Diversidade” descobre a presença de atletas gays. É preciso lembrar, porém, que outros atletas homossexuais já mostraram seus talentos esportivos, mas foram ameaçados até de morte, por companheiros de equipe, caso falassem sobre a própria sexualidade.

A tentativa do Comitê Olímpico Internacional em não divulgar os protestos de atletas do futebol feminino no primeiro dia caiu por terra graças à pressão pública. E as imagens, antes ocultadas, em um breve futuro serão lembradas ao lado dos punhos cerrados de Tommie Smith e John Carlos no pódio na Cidade do México.

Os Jogos Olímpicos ainda podem deixar muitos temas em evidência. Quem sabe, com o passar dos dias, não consigamos enxergar que “descobrir” um talento é algo absolutamente improvável. Ao invés de descobertas, medalhas se tornarão mais frequentes com um trabalho consistente e uma política esportiva eficiente, que forme atletas e cidadãos.

Acompanhe o Grupo de Estudos Olímpicos nas redes sociais: facebook.com/estudosolimpicos e twitter.com/geofeusp

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