Descrição de chapéu Tóquio 2020 paralimpíadas

Atletas 'recém-chegados' percorrem caminhos diversos até Paralimpíadas

Brasil tem destaques descobertos há pouco tempo e que reforçam importância do acesso ao esporte

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São Paulo

Jogadora da seleção brasileira de vôlei sentado nas Paralimpíadas de Tóquio, Luiza Fiorese, 24, sonhava em representar o Brasil como atleta de handebol.

Aos 15 anos, o diagnóstico de um câncer no fêmur esquerdo interrompeu a trajetória da adolescente natural de Venda Nova do Imigrante (pequena cidade do Espírito Santo) no esporte que amava. Luiza passou por cinco cirurgias e substituiu parte dos ossos da perna esquerda por uma endoprótese, o que comprometeu seus movimentos.

Voltar para o handebol não era uma possibilidade. A jovem, então, decidiu que tentaria uma carreira no jornalismo esportivo e foi estudar em Belo Horizonte.

Jogadora sentada toca com as duas mãos na bola de vôlei em frente à rede
Luiza Fiorese, atleta do vôlei sentado, treina com a seleção na preparação para os Jogos Paralímpicos de Tóquio - Ale Cabral - 12.ago.21/CPB

No fim de 2018, convidada a participar do “Encontro com Fátima Bernardes”, na Globo, para contar como viveu a experiência com o osteossarcoma, Luiza chamou a atenção de Gizele Maria da Costa Dias. Líbero da seleção de vôlei sentado, ela assistia ao programa na televisão e imaginou que aquela entrevistada de 1,77 m de altura poderia ser uma boa adição para a equipe brasileira. Partiu de Gizele o convite para que Luiza conhecesse o esporte, algo que ela nem sequer imaginava ser possível.

“Eu achava que só podia ser atleta paralímpico se você não tivesse uma perna, um braço, andasse em cadeira de rodas ou não enxergasse. Essa é a visão de muita gente ainda e era a minha no passado, quando me tornei uma pessoa com deficiência. Eu tinha uma endoprótese, então achava que não conseguia me enquadrar nem no esporte olímpico nem no paralímpico”, conta.

A falta de informação sobre o acesso ao esporte adaptado ainda é uma barreira para o desenvolvimento de várias modalidades. Na delegação brasileira em Tóquio, cerca de 37% dos 234 atletas com deficiência estão na sua primeira edição dos Jogos. Entre os novatos, há vários casos de pessoas que só recentemente descobriram a possibilidade de participar do esporte paralímpico.

Luiza, por exemplo, ficou seis anos sem saber que poderia voltar a ser atleta. Depois do convite de Gizele, ela passou a praticar o vôlei sentado em abril de 2019. No fim daquele ano, foi convocada pela primeira vez para a seleção brasileira.

Achava que seria só um teste, mas as coisas caminharam rapidamente. Ela se mudou para a Goiania (base da equipe nacional), evoluiu na modalidade e agarrou a chance de ir a Tóquio.

“Para mim, foi instantâneo. Quando cheguei ao esporte paralímpico e conheci a modalidade, eu já me senti em casa de novo. Era aqui que eu queria ficar. Então foi muito tranquilo já me enxergar no movimento paralímpico, assim que cheguei já me envolvi muito com a causa”, diz.

Com três medalhas conquistadas até agora em Tóquio, o nadador Gabriel Bandeira, 21, tem tudo para se transformar em um fenômeno da natação paralímpica, embora tenha uma trajetória ainda mais recente no esporte adaptado.

O paulista de Indaiatuba, que competia na natação convencional desde os 11 anos, teve deficiência intelectual constatada no fim de 2019 e migrou para o paradesporto no começo de 2020. “Eu resisti por muitas vezes a fazer os exames necessários, mas em 2019 aceitei. E quando o resultado saiu [comprovando a deficiência], resolvi investir na carreira, mudei de cidade, de clube, e deu muito certo”, relata.

Ele, que treina no Praia Clube, em Uberlândia (MG), estreou em competições paralímpicas em fevereiro do ano passado, num evento em Brasília. Conquistou seis medalhas de ouro, com quatro quebras de recordes brasileiros. Em junho de 2021, disputou o Campeonato Europeu, em Portugal, sua primeira competição internacional, e venceu seis provas com recordes continentais.

“Eu me senti abraçado pelo esporte paralímpico. Foi tudo muito tranquilo e leve, senti que eu poderia ser eu mesmo. Os técnicos sempre comentaram sobre os meus tempos e o quanto eles equivalem no paralímpico. Eu sabia do meu potencial, mas realmente foi tudo muito rápido”, constata.

Também novata e revelação da natação paralímpica aos 36 anos, a pernambucana Carol Santiago começou a nadar na infância e permaneceu no esporte até os 18, quando deixou de enxergar. Totalmente afastada da natação por nove anos, ela voltou a praticar como lazer. Sua transição para o alto rendimento paralímpico levaria mais seis anos. Quando aconteceu, logo resultou em conquistas e recordes mundiais.

"Ser uma atleta profissional era um sonho. Quando eu vi que não iria dar, nunca imaginei que lá na frente poderia voltar a competir num nível tão alto. Voltei a nadar por saúde, porque era a coisa que eu mais gostava de fazer e porque era o que eu conseguia fazer sem precisar de ninguém", disse em 2019.

Carol Santiago, de agasalho amarelo, sorri e mostra medalha de bronze
A nadadora Carol Santiago com a medalha de bronze nos 100 m costas classe S12 das Paralimpíadas de Tóquio-2020 - Miriam Jeske/CPB

Kátia Silva, atleta do goalball —criado especialmente para pessoas com deficiência visual—, descobriu o esporte em 2015, quando se mudou de Unaí (MG) para Brasília. “Conheci uma menina que teve passagem pela seleção. Ela me falou do lado profissional, das bolsas, e eu pensei: ‘essa menina está de sacanagem com a minha cara que um cego joga bola’. Ela falou ‘vamos conhecer, sem compromisso’. Foi amor à primeira pancada, como a gente brinca."

Aos poucos, Katia se estabeleceu na modalidade, mas, sem perspectivas maiores, no fim de 2019 pensou seriamente em largar o esporte, fazer vestibular e mudar de vida. Uma convocação para a seleção alterou totalmente seus planos e agora a levou não apenas à sua estreia em Paralimpíadas.

“É tudo pela primeira vez. Primeira vez representando a seleção, primeira viagem internacional, primeiro jogo internacional. Palavras não descrevem sentimentos. É muito mais do que uma felicidade estar aqui”, afirma.

Atleta com camisa verde, calça escura e olhos vendados faz o movimento de lançamento da bola de goalball
Kátia Silva, atleta da seleção brasileira de goalball nas Paralimpíadas de Tóquio - Ale Cabral/CPB

A aproximação de pessoas com deficiência do esporte paralímpico acontece de maneiras muito variadas. Um caso clássico é o do maior medalhista do país nos Jogos, Daniel Dias, que investiu na carreira de nadador inspirado pelos feitos de Clodoaldo Silva em Atenas-2004, a que assistiu pela TV. Na edição seguinte dos Jogos, em Pequim-2008, Daniel já iniciava sua trajetória rumo às 27 medalhas que possui hoje.

Para não ficar refém do acaso e correr o risco de nunca encontrar as “Luizas perdidas por aí”, como cita a jogadora de vôlei sentado, o CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro) defende que o acesso ao esporte precisa evoluir em muitos aspectos.

Alberto Martins, diretor técnico da entidade, destaca a importância dos hospitais para apresentar a atividade esportiva como ferramenta de reabilitação não apenas física, mas também emocional de pessoas com deficiências adquiridas.

A capacitação de profissionais para trabalhar com esporte adaptado nas escolas também é apontada como fundamental para não deixar crianças com deficiência à margem das atividades nem alimentar estigmas.

Outra ferramenta poderosa para difundir mensagens de inclusão são as conquistas de grande visibilidade, como ocorre nas Paralimpíadas. Gabriel Bandeira, por exemplo, tem aproveitado os Jogos de Tóquio para isso.

“Eu quero ser um grande nome, dentro e fora das piscinas. Quero que a natação me ajude a levar mais informações sobre a deficiência intelectual para as pessoas. Acho que ainda pensam muito em limitações, e nós podemos muitas coisas. Tudo, na verdade.”

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