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Neilton Ferreira Junior

Avanço do debate sobre profissionalização de atletas adolescentes amplia acesso ao esporte

Negação de direitos impede que crianças como Rayssa recebam formação adequada

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Neilton Ferreira Junior

Doutorando pela EEFE-USP, é membro do Grupo de Estudos Olímpicos e da Academia Olímpica Brasileira

Embora a formação esportiva nas categorias de base se distingua —pedagógica e juridicamente— do esporte profissional, um breve exame sobre a realidade do esporte infanto-juvenil nos fará trafegar por um terreno de suspeitas, repleto de armadilhas.

O tema não é novo. Remonta às discussões inauguradas pelo Movimento Olímpico Moderno, que de modo mais organizado elencou razões, potências e limites da prática esportiva entre adolescentes.

Rayssa Leal apresenta manobra com seu skate durante competição de street em Tóquio
Rayssa Leal apresenta manobra com seu skate durante competição de street em Tóquio - 26.jul.2021Li Ga/Xinhua

Durante a primeira metade do século 20, seus fundadores defendiam um amadorismo generalizado. Mais do que uma forma de regular possíveis desvantagens entre adversários, o princípio compreendia uma questão de ordem moral relacionado a um sentido mais genuíno de experiência esportiva.

Em que pese a sua instrumentalização classista, esse princípio visava estabelecer limites importantes à lógica capitalista, que orbitava o movimento olímpico desde o seu nascimento. Lógica que não demorou a se apoderar do fenômeno, produzindo os mais diferentes desdobramentos éticos para a cultura esportiva.

Muitos dos atletas que estão em Tóquio hoje talvez cheguem à conclusão de que a atividade que desempenharam durante a adolescência também era trabalho. É possível que cheguemos à mesma conclusão, pois a atividade física e intelectual que desempenham transforma a natureza de seus corpos, permitindo com que produzam o elemento principal do espetáculo esportivo, a performance.

No início dos anos 2000, a comunidade acadêmica promovia discussão acalorada sobre o que se convencionou chamar de Especialização Esportiva Precoce (EEP). Aparentemente, o debate arrefeceu. Entretanto, o tema retorna sob a forma de denúncia de abusos que marcam a trajetória de jovens atletas, mas não a ponto de promover mudanças estruturais. Movimento que demanda esforços coletivos.

Em todo o caso, sabemos que a lei e o conhecimento científico até aqui produzidos orientam para que a prática esportiva de adolescentes não se configure numa exploração de força de trabalho, mas tenha por finalidade a "formação". E eis o nosso ponto. A palavra sublinhada guarda um conjunto de questões, dilemas e implicações para as quais ainda precisamos oferecer respostas.

Os herdeiros das ideias da força tendem a olhar para os problemas complexos de modo fragmentado, linear e binário, não raro apoiados em preconcepções e interesses nefastos, à exemplo da defesa do trabalho infantil. Mais recentemente, essa ideia voltou à baila quando um parlamentar fez uso da conquista da adolescente Rayssa Leal para defender a “revisão” do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), dando a entender que a atividade da skatista se compararia a atividades laborais convencionais, para as quais os adolescentes estariam aptos a desempenhar.

Essa opinião segue na contramão de uma necessidade mais urgente de aplicação integral do ECA.

Vale ressaltar que o esporte é um direito, cuja garantia cabe ao poder público (Art. 4º; Art. 16, 71). Como também é de direito dos adolescentes a remuneração e a proteção no trabalho —proibido a menores de 14 anos, salvo as atividades dedicadas à formação (Cap. V). Estes sem dúvida são os princípios que permitiram a Rayssa —não sem dificuldades— chegar a Tóquio. A negação e a não observação desses direitos, por outro lado, impedem que outras meninas e meninos acessem e experimentem esporte, lazer, tempo livre e profissionalização da maneira mais adequada.

Atletas adolescentes são um grupo interdisciplinar que busca abrir diálogo e conscientizar a comunidade esportiva acerca dos direitos de adolescentes praticantes de esporte. O tema não é novo e volta a baila sempre que atletas habilidosos se destacam em competições com visibilidade, como são os Jogos Olímpicos. Ou, pior ainda, em caso de fatalidade, como o ocorrido no Ninho do Urubu quando jovens atletas do Flamengo morreram em um incêndio.

O avanço dessa discussão amplia a luta pelo direito de crianças e adolescentes de terem acesso ao esporte e ao lazer. E, de quebra, pode neutralizar delírios sadistas.

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