Descrição de chapéu Tóquio 2020 skate

Bob Burnquist exalta skate nas Olimpíadas e defende uso da maconha

Skatista também festeja Rayssa Leal e opina sobre polêmica entre Hoefler e Bufoni

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São Paulo

Bob Burnquist, 44, não teve tempo de competir em Olimpíadas. Dono de um recorde de 30 medalhas em X-Games, "as Olimpíadas do skate", não lamenta. Antes, foi contra, mas agora comemora a incursão do esporte nos Jogos.

Ex-presidente da Confederação Brasileira de Skate (CBSk), hoje ele tem um instituto no Rio de Janeiro, constrói rampas e é dono de uma produtora de derivados da maconha (ao lado de Alex Atala), além de outras coisas.

O skatista Bob Burnquist
O skatista Bob Burnquist - Rai Lopes

O lendário nome do skate mundial valoriza as imagens dos competidores da modalidade em Tóquio se confraternizando em meio à disputa, algo que ganhou enorme repercussão por tirar o caráter de pressão por resultados sem eliminar o brilho da disputa. Skatistas comemorando o sucesso do rival, solidariedade a um adversário que sofreu uma queda são exemplos do que foi visto.

"Eu queria que as pessoas vissem isso. A gente já sabe que o skate é assim, que tem essa camaradagem entre os países. Estava preocupado de, nas Olimpíadas, todo mundo ficar nervoso [por vencer]", diz à Folha.

Na entrevista, ele também avalia a polêmica entre Kelvin Hoefler e Letícia Bufoni, celebra a prata de Rayssa Leal e defende a legalização e regulamentação das drogas.

“O skate, por ter essa identidade de rebeldia, essa marginalidade, ele aborda o tema [drogas] de uma maneira mais tranquila.”

Como você avalia o desempenho olímpico do Brasil? A gente já esperava boa performance, né? O Kelvin [Hoefler] conseguiu a primeira medalha do Brasil nas Olimpíadas e isso foi super impactante simbolicamente. Mas o que realmente me deixou orgulhoso, além disso, foi a prata da Rayssa. Não só pela medalha, mas pela conduta dela. Eu queria que as pessoas vissem isso. A gente já sabe que o skate é assim, que tem esse essa camaradagem entre os países. Estava preocupado de, nas Olimpíadas, todo mundo ficar nervoso, ficar cada um do seu lado. Então ela começou a brincar com a Didal, de Filipinas, e deu essa tranquilidade. Elas ficavam dançando, curtindo, isso daí me deixou muito feliz, super emocionado. Isso aí pra mim foi skate total.

Você teme que a competição olímpica possa diminuir, com o tempo, esse espírito de camaradagem? Acho que não, porque a gente já tem competições grandes há muito tempo, como X-Games, Dew Tour, NBC. Pelo menos eu sempre competi da seguinte maneira: Quando eu vou para um evento grande, é como um empresário que vai de gravata e terno com a malinha trabalhar. Na hora do campeonato, vamos trabalhar. Vou para ganhar, não perder, e são todos meus amigos. A pré-competição sempre teve as melhores sessões do mundo para mim. Porque estão os melhores, em alto nível, só que não é o campeonato. Mas aí chega no evento e, porra, eu não quero cair, né? Tinha gente para quem eu não queria perder. Da mesma maneira que eu vou jogar um tênis de mesa com meu melhor amigo e não vou querer perder nem fodendo. É o mesmo sentimento.

Você, enquanto skatista, já passou por situações como a que envolveu Kelvin Hoefler, Letícia Bufoni e a Confederação Brasileira de Skate (CBSk)? Por ser ex-presidente da CBSk, o meu comentário é assim: O skate institucional cresceu. É óbvio que não vai agradar todo mundo. Uma seleção brasileira de skate, que é um produto que a gente criou para juntar os melhores e as melhores, não é igual a uma seleção de vôlei ou de futebol que precisa de entrosamento. Não. Nem sempre os indivíduos de um grupo vão se dar bem, eu não sou amigo de todo mundo também. Acho que a pedida do Kelvin [de querer levar a empresária e esposa] é superválida, enfim. Eu vejo é um grupo que todo mundo torce pelo Brasil, mas tem uns que andam com uns e outros que andam com outros, e é assim.

Acha que outras categorias, como o skate vertical (pista em forma de U), devem entrar no programa olímpico no futuro? É natural começar por modalidades que são mais praticadas e que tem uma adesão de meninas e meninos. São possíveis outras modalidades? De repente a modalidade vertical. Megarrampa é mais difícil, porque não tem tantas meninas que fazem e não tem tantas megarrampas pelo mundo, então vai ficaria mais elitizado.

O skate nas Olimpíadas pode tirar força de eventos como os X-Games? As Olimpíadas são a cada quatro anos. Então o que você vai fazer entre esses quatro anos? Acho que os X-Games ganham força, as pessoas voltam a dar atenção. E você pode começar a construir eventos de uma maneira diferente, culturais. Porque quando só se fala em Olimpíadas, skate competitivo, há uma alienação do que é o skate. Isso é uma parte, mas o skate é cultura, estilo de vida.

Você já foi contra o skate nas Olimpíadas. Por que mudou de opinião? Não era contra as Olimpíadas, é um evento maravilhoso, mundial, milenar. Era contra a forma que [o skate] seria inserido. Durante os Jogos de 2016, começaram a falar comigo e eu “porra, legal, se for construído com a galera do skate se unindo, vamos tentar, porque é o único jeito”.

A entrada nas Olimpíadas pode diminuir ou acabar com o preconceito contra o skate? Eu adoro skate marginal, né?! É a minha raiz. Em pista pública tem todo o mundo. Quem tem dinheiro, quem não tem, gente da rua... O moleque chega descalço e pede para dar uma volta no seu skate. Mas as pessoas não entendem isso, é muito fácil ter preconceito. Mas olha a evolução em pouco espaço de tempo. Antes, eu chegava no restaurante com o skate e diziam “ah, moleque, não vai comer”. Hoje querem que eu nem pague a conta. Porra, pera aí, agora eu faço questão de pagar, antes não me deixava nem comer!

Qual o próximo passo para o skate? Minha intenção é intensificar o social, porque o skate é naturalmente social. A Rayssa encantou todo mundo, aí de repente o filho quer um skate, e o pai, ao invés de falar “não”, fala “lógico”. O momento é do skate social e cultural.

A queda do investimento público em esporte também preocupa o skate? Acho que para o skate é diferente, só cresce. A gente trabalhava com nada e fazia tudo, no sentido institucional. Quando a gente consegue investimento público, já é mais do que a gente tinha. Apresentamos projetos para o COB (Comitê Olímpico do Brasil), conseguimos criar a seleção brasileira —ideia do Duda [Musa, atual presidente da CBSk]—, começamos a assessorar a galera, dar nutricionista, hotel, passagens, tudo que eu nunca tive. E como muitos skatistas de ponta já tem grandes patrocinadores, a confederação consegue se administrar com o que tem. E as medalhas trazem um investimento maior para a confederação.

Mas, de uma maneira geral, óbvio que eu acho que a gente tem que investir em esporte, a gente tem que investir em cultura, em artes, em um monte de coisa.

Desde Londres-2012 a ginástica proíbe menores de 16 anos de competir. Nessas Olimpíadas, a Simone Biles jogou um holofote sobre os problemas da saúde mental dos atletas. É possível comparar a modalidade com o skate, no qual é comum vermos crianças competindo? Completamente diferente. Na final, vê se a Rayssa estava sob pressão? Ela estava andando de skate, dançando, fazendo TikTok. Isso mostra a diferença do skate. A pressão que a Rayssa tem nas Olimpíadas é a mesma de quando ela encara um corrimão na rua: não meter a cara no chão, não quebrar um osso, são realidades maiores. Isso faz a própria saúde mental dela melhor. Lógico, sempre o mais importante é o entorno, os pais. A questão da saúde mental é seríssima e a gente viu uma Simone Biles expor isso, ela foi muito guerreira, é importantíssimo prestar atenção. Não é legal ter aquela pressão de “o ouro é o mais importante”. A pessoa é mais importante.

Que papel o skate deve ter no debate sobre retirada da maconha da lista de substâncias proibidas no doping? Primeiro, a forma que se lida com as drogas não é correta, a guerra às drogas não dá certo. A gente precisa regularizar, sou a favor da legalização de tudo, para regulamentação. Está se gastando dinheiro à toa, está morrendo gente à toa, tem gente na cadeia à toa. E começa com a maconha. A maior bizarrice do mundo é ela ser incluída no Schedule One [o maior nível de proibição às drogas federalmente nos EUA], que é como se fosse uma droga extremamente nociva à saúde e sem nenhum cunho medicinal. Isso obviamente é uma mentira. E ainda tem o lado racial, ela é ilegal mais pelo preconceito do que por outras realidades.

Agora, eu, por exemplo, tenho 44 anos, fumo maconha há muito tempo e sempre evitei drogas mais pesadas. Eu tenho mais de 40 ossos quebrados. Eu me machuco e me recupero, atleta é assim, pequenas lesões o tempo todo. Você imagina se meu dia a dia fosse lidar com morfina? Lidei com plantas. Na hora aguda, com o osso para fora, tomo morfina, vou ao hospital, claro. Mas tenho um monte de amigos, motoqueiros, galera que se quebra e estão mal por causa de vício em morfina, em opioide.

Eu acho que deve sair [da lista proibida] até as próximas Olimpíadas, mas por enquanto temos que seguir as regras. O skate, por ter essa identidade de rebeldia, essa marginalidade, ele aborda o tema de uma maneira mais tranquila.

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