Descrição de chapéu atletismo

Cientistas corrigem estudo que limitava corredoras com testosterona alta

Caso mais famoso é o de Caster Semenya, impedida de competir nos 800 m em Tóquio

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Jeré Longman
The New York Times

As regras controversas aplicadas a atletas intersexuais, que impediram que a sul-africana Caster Semenya disputasse os 800 m rasos nas Olimpíadas de Tóquio, estão passando por um novo escrutínio, depois que cientistas corrigiram um estudo que apontava para um nexo causal entre níveis elevados de testosterona e desempenho atlético superior entre atletas femininas de elite.

O estudo, publicado em 2017, foi uma das provas usadas para restringir a participação em certas provas femininas de atletas portadoras de uma rara condição genética que resulta em níveis elevados de testosterona no organismo.

Os advogados de Semenya e um proeminente crítico americano das restrições pediram na quarta-feira (18) que as regras sejam suspensas, depois da correção publicada pelo British Journal of Sports Medicine de um artigo de 2017, escrito por dois cientistas filiados à federação internacional dos esportes de campo e de pista.

O estudo foi usado como base para implementar, em 2018, regras que restringem a participação de atletas intersexuais em provas femininas de corrida dos 400 m, a menos que elas recebam tratamento para reduzir seus níveis naturais elevados de testosterona.

A regra se aplica a atletas portadoras de um distúrbio de desenvolvimento sexual conhecido como 46, XY DSD. As atletas em questão têm um cromossomo X e um cromossomo Y em cada célula, o padrão típico masculino; sua genitália não é tipicamente masculina nem feminina; e seus níveis de testosterona estão dentro da faixa típica masculina, o que, afirmam médicos, indica a presença de tecido testicular ou de testículos internos.

A World Athletics, que comanda o atletismo mundial, reconheceu que as regras são discriminatórias, mas argumenta que são justas e necessárias a fim de garantir que atletas mulheres possam competir em condições de igualdade no que tange a força, massa muscular e capacidade de oxigenação.

Mas contestações às regras impostas pela World Athletics quanto ao DSD começaram a reemergir depois que o British Journal of Sports Medicine publicou sua correção. Na quarta-feira, Gregory Nott, um dos advogados de Semenya, disse ao jornal britânico The Telegraph que a equipe legal da atleta esperava que a World Athletics agora “apoie o abandono das regras”.

Semenya foi derrotada nos recursos para continuar a disputar os 800 m em competições internacionais que apresentou à Corte Arbitral do Esporte, uma espécie de corte suprema do esporte internacional, e à Corte Suprema Federal da Suíça. O caso dela agora está sendo revisado pela Corte Europeia de Direitos Humanos, ainda que especialistas em questões judiciais tenham afirmado que uma decisão em favor de Semenya não quereria dizer que a World Athletics teria de permitir que ela voltasse a correr em sua principal prova.

Ela conquistou o ouro nos 800 m nas Olimpíadas de Londres em 2012 e nas Olimpíadas do Rio em 2016. Excluída dos 800 m em Tóquio pelas novas regras, ela tentou competir nos 5.000 m, nos Jogos da capital japonesa, mas não conseguiu atingir o tempo de classificação para o evento.

“É mais que surpreendente que a World Athletics não tenha revelado essas provas antes das recentes Olimpíadas de Tóquio, e permitido que Caster defendesse seu título nos 800 m”, disse Nott, o advogado de Semenya, ao The Telegraph.

Roger Pielke Jr., professor da Universidade do Colorado que há anos critica os argumentos científicos usado pela World Athletics para restringir a participação de Semenya e outras atletas intersexuais, disse em entrevista por telefone na quarta-feira que as regras sobre o DSD deveriam ser suspensas enquanto a questão é submetida a uma revisão independente.

“Isso é um teste para que a World Athletics demonstre que está de fato ouvindo as provas e a ciência, em lugar de tentar distorcer a ciência para enquadrá-la a uma decisão predeterminada”, disse Pielke.

A sul-africana Caster Semenya durante prova dos 5.000 m em abril deste ano
A sul-africana Caster Semenya durante prova dos 5.000 m em abril deste ano - Phill Magakoe - 15.abr.2021/AFP

Antes, ele tinha escrito em seu boletim noticioso no Substack que a correção era “uma admissão de erro pela World Athletics quanto à única análise empírica que embasa os regulamentos de elegibilidade para as atletas mulheres”.

“As implicações são imensas”, ele afirmou.

A World Athletics buscou minimizar a importância da correção. Depois de receber críticas ao estudo publicado em 2017, a organização admitiu em um artigo de 2018 no British Journal of Sports Medicine que o estudo era exploratório e não confirmava a existência de um nexo causal entre a testosterona elevada e vantagens de desempenho para certas atletas.

Em 2019, a Corte Arbitral do Esporte decidiu em favor da organização e contra Semenya. Uma correção mais formal foi escrita, de acordo com cientistas da World Athletics, para esclarecer questões persistentes propostas por observadores independentes quanto à falta de provas sobre a existência de um nexo causal.

O estudo de 2017 “não influenciou” a década de pesquisas conduzidas pela World Athletics antes de sua implementação de regras de elegibilidade para as atletas, afirmou a organização em comunicado.

De lá para cá, o comunicado prossegue, “diversas publicações revisadas por cientistas sustentaram a existência de um nexo causal entre níveis elevados de soro de testosterona e traços antropométricos/fisiológicos e desempenho atlético superior em jovens mulheres”.

Em última análise, escreveram Stéphane Bermon, diretor do departamento de saúde e ciência da World Athletics, e seu predecessor, Pierre-Yves Garnier, na correção do estudo, um teste independente e com distribuição aleatória era necessário para “estabelecer comprovação científica quanto ao nexo causal” entre os níveis elevados de testosterona e o desempenho de atletas femininas de elite.

Na correção, os cientistas admitiram que a afirmação no estudo de 2017 de que as atletas intersexuais “apresentavam significativa vantagem competitiva” sobre atletas mulheres com níveis mais baixos de testosterona, em certas provas, deveria ser emendada e afirmar que, com base em provas de ordem inferior, níveis mais altos de testosterona “apresentação correlação com um desempenho atlético superior”.

Bermon e Garnier escreveram que suas constatações deveriam ser vistas como “exploratórias, nada mais, ou seja, não como confirmação ou prova de um nexo causal”.

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.