Descrição de chapéu Tóquio 2020 canoagem

De Jesús Morlán a Pinda, ouro de Isaquias coroa trabalho na canoagem

Conquista nas Olimpíadas de Tóquio é tratada como homenagem a treinador espanhol

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Tóquio

Ao ver Isaquias Queiroz ultrapassar a metade do percurso de 1.000 metros da prova C1 da canoagem velocidade, na noite de sexta (6), o técnico Lauro de Souza Júnior já sabia que a medalha de ouro viria.

O ritmo confortável que o atleta imprimia na canoa era o que dava a certeza ao treinador, conhecido como Pinda, 36, de que ninguém tiraria o primeiro lugar do brasileiro.

Isaquias não costuma participar de tantas competições, mas o treinamento intenso e regrado na base de Lagoa Santa (região metropolitana de Belo Horizonte) permite que ele e sua equipe saibam o que precisam fazer para obter o melhor desempenho no momento certo: campeonatos mundiais e Olimpíadas.

Pinda tem uma longa trajetória na canoagem brasileira. Em 2013, quando Jesús Morlán foi contratado pelo COB (Comitê Olímpico do Brasil) para alavancar os treinamentos dos atletas da elite visando a Rio-2016, ele se tornou seu auxiliar e decidiu “resetar a cabeça” para absorver os conhecimentos do espanhol.

Antes de chegar ao Brasil, Morlán havia sido treinador de David Cal, canoísta espanhol que ganhou cinco medalhas olímpicas de 2004 a 2012. Nos Jogos do Rio, o Brasil conquistou seus três primeiros pódios na canoagem (duas pratas e um bronze), todos com a participação de Isaquias. A revolução no esporte era real, mas parecia ameaçada dois anos depois, quando Jesús não resistiu a um câncer no cérebro.

Coube a Pinda, que, além de ser auxiliar técnico, morou junto com o espanhol, não deixar o ritmo diminuir.

Ele assumiu o comando dos trabalhos numa situação delicada, na época, a menos de dois anos das Olimpíadas de Tóquio, que depois seriam adiadas pela pandemia. “No dia em que ele faleceu, a gente [equipe técnica] se reuniu e prometeu que seguiria remando para buscar o ouro que faltou no Rio”, afirmou o treinador. Após a vitória de Isaquias, Pinda escreveu na camiseta: "Suso Morlán, o ouro é seu".

Lauro de Souza Júnior, o Pinda, com camiseta em que está escrito "Suso Morlan, o ouro é seu"
Lauro de Souza Júnior, o Pinda, técnico da seleção brasileira de canoagem, homenageia Morlán - Rafael Bello/COB

“O meu maior medo era frustrar o Jesús. Ele me ensinou tudo na parte profissional, foi um pai para mim, e eu tinha essa responsabilidade de mostrar que ele me escolheu corretamente.”

Pinda aprendeu tudo o que pôde observando os treinamentos do espanhol e depois deu continuidade à execução da metodologia aplicada por Jesús. “Acabei ficando com o olho muito treinado e acho que o grande diferencial foi a parte técnica, que a gente conseguiu evoluir muito do que já era bom.”

O desempenho de Isaquias na prova deste sábado em Tóquio mostrou que, de fato, seu nível estava bem acima do apresentado pelos rivais. “Fazia tempo que a gente não via uma prova tão dominante assim. É fruto do trabalho e do talento do Isaquias. A gente se dedicou muito, abriu mão de muita coisa para isso. Eu falei há dois meses: 'Cara, o ouro é seu. Você precisa fazer o que faz nos treinos’”, contou Pinda.

A medalha de ouro foi vista pelo COB como a coroação de uma de suas principais apostas antes da Rio-2016, com o objetivo de perdurar por pelo menos três ciclos olímpicos (até 2024). Os investimentos na contratação de Jesús e na montagem do centro de treinamento de Lagoa Santa se materializaram em quatro medalhas olímpicas até agora.

A conquista de Isaquias neste sábado também teve forte carga emocional. Diretor de esportes do comitê, Jorge Bichara é muito ligado ao trabalho da canoagem e desabou no choro em Tóquio, lembrando que a medalha significava o cumprimento de um pacto firmado por todos após a morte de Jesús.

Passada a vibração com a conquista, será fundamental pensar no futuro do desenvolvimento do esporte no país, para que o momento não se perca. O resultado de Isaquias ajuda a manter a modalidade em evidência, mas não é garantia financeira, como já mostrou o último ciclo. Mesmo após o resultado histórico na Rio-2016, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) cortou o investimento no ano seguinte, e a confederação perdeu sua principal fonte de financiamento.

“Meu sonho é tornar o Brasil uma potência na canoagem, pois ainda não somos. Potência é quando sai um campeão e vem outro. A gente precisa ter criança remando, centros de treinamento permanentes para a base, clubes fortes”, projeta Pinda. “Após o Rio, outros centros foram inaugurados, e leva um tempo para vir o fruto desse investimento. Não tenho dúvidas de que a gente vai conseguir colher esses frutos, mas precisa agora dar um segundo passo: formar treinadores para conseguir uma metodologia de trabalho.”

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