Descrição de chapéu Tóquio 2020 paralimpíadas

Beth Gomes, ouro nas Paralimpíadas, fez do esporte seu combustível de vida

Atleta se adaptou às novas limitações da esclerose múltipla e bateu recorde mundial em Tóquio

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Santos

A atleta Beth Gomes, 56, pensava ter chegado ao fim a relação de quase toda uma vida com o esporte, em novembro de 2017, quando precisou ser internada às pressas no Hospital São Lucas, em Santos.

Um novo surto de esclerose múltipla, doença autoimune que afeta o cérebro e a medula, descoberta por ela em 1993, reduziu ainda mais a sua mobilidade. Paraplégica e com o lado direito já sensivelmente comprometido pela patologia, viu todo o lado esquerdo do corpo ser afetado desta vez.

“Eu falava para a minha médica: acabou tudo, agora. Vou ter que parar o esporte. O que vou fazer da minha vida?”, conta à Folha.

Mulher na cadeira de rodas lançando disco com pista de atletismo ao fundo
Beth Gomes em fase de treinamentos para Tóquio, em 19 junho de 2021 - Ale Cabral/CPB

A resposta da neurologista Rosana Ferreira, com quem possui relação de proximidade familiar, de que ainda era possível seguir mesmo com mais uma limitação no corpo soou como o combustível necessário para ela.

“Ela e depois a minha treinadora [Roseane Farias] me disseram que daríamos um jeito, que com calma encontraríamos os caminhos. Eu fiquei com a mão esquerda, que uso para lançar, em garra. Já tinha a direita assim. A minha performance foi totalmente modificada”, relata.

Em Tóquio, Beth fez jus ao apelido de "Fênix" (a ave que ressurge das cinzas), que ganhou de um dos seus técnicos por sempre conseguir se reinventar.

Nesta segunda-feira (30), foi campeã do arremesso do disco, dominando a prova do início ao fim e batendo o recorde mundial da classe F52. A data marca também o Dia Nacional de Conscientização sobre a Esclerose Múltipla, fato lembrada pela atleta após sua conquista.

"Nada melhor do que hoje, dia 30 de agosto, Dia Nacional de Conscientização da Esclerose Múltipla. Quero dedicar o ouro a todas as pessoas que têm esclerose múltipla. Têm, não. Ela é nossa amiga. Anda do nosso lado", afirmou.

Ela chegou ao Japão como a mais velha da delegação brasileira de 260 pessoas —164 homens e 96 mulheres— e com números que já a credenciavam como favorita.

Beth foi campeã do Parapan-Americano de Lima-2019, além de quebrar o recorde mundial da modalidade no mesmo ano, no Mundial de Dubai, com a marca de 16,89 m posteriormente superada por ela em 2021, com 16,92m. Ganhou, no fim de 2019, o prêmio de melhor do ano entregue pelo Comitê Paralímpico Brasileiro.

O novo recomeço, palavra que se acostumou a ouvir e viver nos últimos anos, passou por uma reclassificação em 2018, da classe F54 para F52, ambas para atletas sem controle de tronco e com deficiência nos membros inferiores.

Foi preciso, segundo ela, “ganhar centímetro a centímetro novamente” para seguir o sonho de continuar no lançamento do disco. No atletismo, ela chegou a competir também na corrida por cadeira de rodas e no arremesso de peso.

“Eu agora só posso encaixar o disco e lançar. A minha treinadora teve que buscar novas técnicas para podermos atingir melhores índices”, explica.

Em 2008, esteve em Pequim, mas como parte de outro projeto: o basquete em cadeira de rodas, primeiro esporte escolhido para recomeçar a vida, três anos após descobrir a doença em 1996.

“Foi o basquete que me inseriu, que me fez ter vontade de viver de novo. Permaneci por muitos anos, até 2010. Eu fiquei dois anos sem saber o que aconteceria comigo. O esporte foi o meu combustível de vida, o meu ar”, conta Beth, que antes de descobrir a doença era atleta de vôlei.

Beth tinha índice para estar na Rio-2016, mas passou por reclassificação internacional, que define o grau de deficiência de cada atleta, meses antes da competição que a tirou da classe F54 para a F55, com menos limitações, impondo um desafio impossível, segundo ela, que acabou não disputando a competição.

“Foi um baque para mim, não acreditava no que estava acontecendo. Depois ainda veio o surto [da esclerose] 2017”, lembra.

O conhecimento da doença, em 1993, aconteceu quando trabalhava como guarda municipal. Ela perdeu o equilíbrio ao tentar pular uma poça d’água, passando a andar com o auxílio de bengalas.

Em um dos surtos, em 2003, ficou tetraplégica e perdeu a visão, problemas que foram regredidos posteriormente. O esporte sempre foi a motivação para seguir.

“É maravilhoso acordar e saber que tenho um esporte me esperando. Vivo hoje porque amanhã, não sei. Aproveito tudo hoje e o esporte e todas as pessoas que estão à minha volta me proporcionam isso”, conta.

Durante a pandemia, com sede de continuar no mais alto nível, aparelhou a própria casa com barras, anilhas, medicine ball, suporte para supino, halteres e outros equipamentos do próprio bolso. Contou com a ajuda de sobrinhos e aulas remotas da treinadora enquanto as academias e clubes estavam fechados.

“Investi e não me arrependo. Acho que quando um atleta tem objetivos não pode ficar esperando. Priorizei e investi”, disse.

A medalha coroou uma vida dedicada ao esporte e à vitórias pessoais. “Não quero parar com o esporte. O meu combustível é competir, a medalha é só uma consequência”​.

Com a glória olímpica garantida, resta o maior dos sonhos de Beth Gomes: iniciar um instituto para ajudar crianças, com ou sem deficiência, a poderem ter no esporte a mesma salvação que encontrou para a própria vida.

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