Entre os corredores de velocidade da equipe americana, Fred Kerley era um dos poucos que poderia sair das Olimpíadas de Tóquio com crédito. Era. Isso durou até a noite desta quarta-feira (4).
O medalhista de prata nos 100 m perdeu o rebolado quando o questionaram se poderia imaginar que os Estados Unidos sequer se classificariam para a final do revezamento 4x100 m.
“Não”, se limitou a dizer.
Em seguida foi questionado se sabia o que tinha dado errado.
“Não.”
Ele não tinha muito a falar, mas, em Houston, alguém tinha. Carl Lewis, dono de nove medalhas de ouro olímpicas, foi ao Twitter e provocou uma crise entre os atletas do país que estão no Japão.
“A equipe dos EUA fez tudo errado no revezamento. O sistema de passagem está errado, atletas correndo nos lugares errados, e estava claro não haver liderança. Foi uma vergonha total e é completamente inaceitável para um time dos Estados Unidos parecer pior do que os garotos amadores que vejo”, escreveu.
Para não deixar dúvidas, ele colocou o tuíte como fixado. Era o primeiro lido por quem acessava seu perfil. Em entrevista ao jornal USA Today pouco depois, Lewis chamou o desempenho americano de “palhaçada”.
“Não dá para aceitar isso. O revezamento não é uma prova difícil”, completou.
Em Tóquio, os Estados Unidos terminaram em 6º. Classificavam-se os três primeiros. Ficaram à frente apenas dos times da Dinamarca e da Turquia. E os turcos foram desqualificados.
Os dirigentes da federação americana que passaram próximos aos jornalistas se recusaram a falar mesmo na sessão noturna, horas após a eliminação (ocorrida no período da manhã pelo fuso japonês).
“Nós temos que compensar isso no Mundial do próximo ano e em Paris-2024. O que aconteceu hoje aqui foi inaceitável”, admitiu Cravon Gillepsie, outro corredor da equipe.
A eliminação no Estádio Olímpico de Tóquio foi apenas a gota que fez o copo transbordar. O último bom resultado do revezamento americano olímpico nos 4x100 m foi em Atenas-2004. Ficou com a medalha de prata. O último ouro aconteceu em Sydney-2000.
Desde então, os Estados Unidos deixaram cair o bastão nas eliminatórias em Pequim-2008. Ficaram em segundo em Londres-2012, mas o doping de Tyson Gay provocou a desqualificação. Também foram desclassificados na final da Rio-2016 por passarem o bastão fora da área permitida.
“Eu não sei explicar. É muito frustrante vir até Tóquio e não se qualificar. Não é para isso que estamos aqui”, afirmou Gillepsie.
“Sem desculpas. Nós falhamos”, concluiu Fred Kerley, arrancando risos dos jornalistas, que já tinham constatado o óbvio.
O revezamento 4x100 m é apenas o último e mais claro exemplo dos problemas que os Estados Unidos têm vivido nas chamadas provas de velocidade no atletismo: dos 100 aos 400 metros. Entre 2008 e 2016, havia Usain Bolt para impedir qualquer outro de ganhar o ouro nos 100 e 200 m. Sem ele e com o trono vago, a equipe americana tinha os candidatos mais fortes.
Trayvon Bromell chegou ao Japão com o melhor tempo do ano (9s77). Até Bolt o considerou maior candidato ao primeiro lugar. Ele sequer foi à final, e o italiano Lamar Marcell Jacobs subiu no lugar mais alto do pódio. Os Estados Unidos não são ouro na prova desde a vitória de Justin Gatlin em 2004.
Os 200 m, sem o jamaicano, também estavam à espera de um novo campeão. Andre De Grasse, do Canadá, aproveitou.
Grant Holloway era uma das maiores barbadas do atletismo olímpico neste ano. Era aposta certa para o ouro nos 110 m com barreiras. Foi superado pelo jamaicano Hansle Parchment nesta quinta (5). Horas mais tarde, o país não ganhou medalha em prova dos 400 m vencida por Steven Gardiner, de Bahamas.
O chamado Team USA não foi ouro nos 4x400 m misto (ficou com o bronze), viu três jamaicanas subirem ao pódio nos 100 m feminino (a melhor atleta do time, Kendra Harrison, terminou em 7º), teve de se contentar com a prata nos 100 m com barreiras para mulheres e nos 400 m com barreiras para homens.
Também não houve ouro nos 200 m feminino. Gabrielle Thomas cruzou a linha de chegada em terceiro.
A exceção foi Sydney McLaughlin, primeira colocada nos 400 m com barreiras feminino. Ainda há esperanças em três revezamentos: 4x400 m e 4x100 femininos e no 4x400 m masculino.
Na Rio-2016, os Estados Unidos faturaram seis ouros em provas de velocidade.
“Eles estão brincando com a vida das pessoas. Você fica desencantado de ver isso”, desabafou Carl Lewis.
Pelo horário dos EUA, a eliminação americana no revezamento aconteceu em 4 de agosto, aniversário de 37 anos da vitória de Lewis nos 100 m nas Olimpíadas de Los Angeles-1984. Jogos em que ele conquistou quatro medalhas de ouro. Uma delas, no 4x100 m.
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