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Mentor de medalhistas vê futuro do boxe com descrença: 'Nada muda'

Luiz Dórea vibra com ouro de Hebert Conceição, mas não espera investimento na modalidade

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Maceió

Luiz Dórea vibrou muito com o nocaute espetacular que deu a Hebert Conceição a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Era mais uma de suas crias chegando a uma grande conquista no boxe depois de ter crescido no esporte em seu projeto social em Salvador.

Mas o ex-lutador de 56 anos, desta vez, tomou o cuidado de celebrar o triunfo pelo triunfo, não como um ponto de virada para a modalidade no Brasil. O erro cometido em comemorações anteriores, como no bronze de Adriana Araújo em Londres-2012 e no ouro de Robson Conceição no Rio-2016, não se repetiu.

“Não muda, meu amigo. Não muda”, resume, sem a expectativa de que o ótimo desempenho dos pugilistas brasileiros no Japão possa atrair investimentos. Hebert venceu entre os médios, Bia Ferreira foi prata na categoria leve, e o peso-pesado Abner Teixeira levou o bronze, mas as conquistas, para Dórea, não foram acompanhadas de esperança.

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Atleta da academia Champions, de onde saíram três medalhistas olímpicos do boxe brasileiro - Marcio Pimenta/Folhapress

Motivos para a descrença não lhe faltam. Ele fundou a academia Champion há 31 anos e só em um deles teve patrocínio para o projeto Campeões da Vida. Mesmo com o sucesso de grandes nomes que passaram por sua academia, como Popó, Rodrigo Minotauro, Rogério Minotouro, Anderson Silva, Júnior Cigano –além dos medalhistas Adriana, Robson e Hebert–, o esperado apoio não se materializou.

O jeito para ex-boxeador é contar com a ajuda da família. Trabalham na Champion seu filho, Dórea Júnior, sua filha, Laila, e seu genro, André Leão. São eles que estão cuidando do espaço enquanto Luiz está nos Estados Unidos treinando Robson Conceição e Anderson Silva, que têm combates em território norte-americano no mês que vem.

“Ele teve pouco apoio durante a carreira de lutador, e a academia não tem até hoje. É difícil, mas perseveramos”, diz a mulher de Dórea, Rosangela.

O treinador, apesar de ver o esforço recompensado em pódios olímpicos e em títulos importantes, afirma estar financeiramente “no limite”. Nesta entrevista à Folha, ele recorda os triunfos, os subsequentes "tapinhas no ombro" e explica por que, mesmo diante de resultados tão satisfatórios, não está otimista.

Luiz Dórea, treinador de boxe
Dórea já não tem maiores ilusões sobre o investimento no boxe - Divulgação

O que faz o seu projeto formar tantos atletas? Conseguimos uma evolução rápida nos atletas, com uma metodologia de treino diferenciada. É um tripé de alto rendimento: base, metodologia e aptidão do povo baiano. Agora, perceba que esse trabalho é corpo a corpo, sem apoio. Só tivemos um patrocínio em 31 anos de projeto, em 2012. Treinávamos 400 crianças, era aula o dia todo. Hoje, temos 40. Sabe quem começou a treinar próximo dali? O Hebert, hoje medalhista de ouro.

A falta de patrocínio o desanima de alguma forma? Às vezes, recebo convites para vir morar aqui nos Estados Unidos e sei que seria melhor financeiramente, mas penso: "Meu Deus, o que vai ser desses garotos?". Muita gente depende de mim. As pessoas buscam a Champion pensando em mudar a vida, e eu sei que posso mudar a vida de muita gente. Os pais e as mães levam os filhos com orgulho para lá. Eu estou aqui treinando o Robson e o Anderson, e o André, meu genro, está segurando as coisas no Brasil para a gente não fechar.

Imagine o que nós poderíamos fazer se tivéssemos apoio? Não tem governo, prefeitura, time de futebol, empresa privada para chegar junto? Espero que alguns dias as pessoas tenham essa sensibilidade de ajudar o esporte. Eu sou o cara que mais andou de carro de bombeiro na Bahia, de tantos títulos, e recebi muita promessa, muito tapinha no ombro, mas é só isso.

Eu consigo bancar o meu projeto, com meu sócio, meus filhos, porque eu treino o pessoal aqui. Estou no meu limite, não tenho condições de manter com o funcionamento que gostaria. Fico sentido porque queria ter uma estrutura melhor para ofertar melhor para essas pessoas que buscam a academia.

Eu sou o cara que mais andou de carro de bombeiro na Bahia, de tantos títulos, e recebi muita promessa, muito tapinha no ombro

Luiz Dórea

técnico de boxe

Por que o modelo da academia não é reproduzido pelo Brasil? O boxe, na maioria das vezes, é procurado por pessoas que têm poucas condições, mas é caro manter uma academia. Eu mesmo só abro um horário hoje em dia, que é a manhã. Veja quanto é um saco de pancada, as luvas, a manutenção. Muitos treinadores abrem seus projetos e só conseguem segurar por seis meses, um ano, dois anos, mas têm que fechar depois. Não dá para bancar tudo.

Eu tenho 42 anos dentro do esporte, consegui todos os títulos. Queria eu que tivéssemos um modelo como o projeto Campeões da Vida em cada bairro da Bahia. Aqui nos Estados Unidos, ninguém acredita que mantemos o projeto sem patrocínio. E eu sempre digo: "Estamos aguardando há 31 anos". A minha luta é para que os atletas tenham alimentação, uma bolsa para se manter, que tenham condições de viajar, de competir.

Como surgiu o projeto? Na minha melhor época enquanto lutador, eu tive um técnico e um patrocinador, fui campeão mundial de boxe profissional júnior em 1988. Infelizmente, os dois faleceram em épocas parecidas, e eu fiquei quase sozinho. Na parte de trás da minha casa, havia um galpão, e chamei o Luís Carlos Freitas, irmão de Popó, para treinar lá.

Era 1990, e muita gente veio treinar com a gente. Eu virei treinador, porque eu era sparring deles. Nós inauguramos a academia em 7 de março de 1990 e dois anos depois já tínhamos o Luís Carlos nos Jogos Olímpicos. Daí veio o Popó, com todos os títulos dele, Minotauro, Minotouro, Anderson Silva, Júnior Cigano... A primeira medalha olímpica no boxe feminino foi nossa, com a Adriana, depois dois ouros, com o Robson e o Hebert.

Eu sinto como se toda conquista fosse nova, a alegria é a mesma, mas a verdade é que já ganhamos tudo. Para lhe falar a verdade, as críticas que eu faço nesta nossa conversa eu já fiz em toda entrevista que eu dou depois de um título. São 14 atletas olímpicos, 8.000 crianças, e eu fico pensando: "Agora vai mudar, agora vai mudar". Em 2007, com o Pedro Lima, no Pan do Rio, a gente teve um ouro depois de 44 anos, e eu disse a ele: "Peu, esse ouro seu vem depois de 44 anos, agora as coisas vão mudar". Não muda, meu amigo, não muda. Falta sensibilidade.

Faz tempo que você se tornou descrente nessa mudança? Em 2018, fui chamado para um projeto em Madre de Deus, uma cidade com cerca de 20 mil habitantes. Foi uma coisa da prefeitura, da secretaria de esportes. A ideia era termos vários esportes, com os alunos entrando às 7h e saindo às 17h. O esporte era matéria obrigatória dos alunos. Em dois anos que trabalhei lá, quase zeramos a evasão escolar, a criminalidade diminuiu, especialmente em homicídio e tentativas.

Havia toda a estrutura que você puder imaginar. Fui coordenador técnico do boxe, formamos atletas e colocamos atletas em campeonatos estaduais, nacionais. Estimulávamos os meninos. Foi um grande exemplo para o Brasil, saímos até no Caldeirão do Huck. E, com todo esse exemplo da cidade, não mudou nada. A própria Salvador não seguiu essa linha, a cem quilômetros de distância. Era um sonho meu, que o esporte e a educação caminhassem juntos.

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