Descrição de chapéu Tóquio 2020 atletismo

Novo homem mais rápido do mundo, italiano só não escapa de medalhista de ouro no salto

Lamont Marcell Jacobs vence 1ª final olímpica dos 100 m da era pós-Bolt e é celebrado por compatriota

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Tóquio

“Tu sei un grande!”, gritaram os jornalistas italianos. Lamont Marcell Jacobs, 26, o homem mais rápido do mundo, caminhava pela pista, bandeira verde, branca e vermelha enrolada nos ombros.

Ao ouvir o grito de que é “um grande”, o corredor agradeceu e cerrou os dentes. Ele havia acabado de protagonizar um dos resultados mais surpreendentes do atletismo nas Olimpíadas. Com 9s80, venceu a final dos 100 m em Tóquio. “É um choque”, comentaram repórteres de outros países presentes no Estádio Olímpico para testemunhar quem seria o herdeiro do trono deixado por Usain Bolt, aposentado em 2017.

Em entrevista à Folha, o jamaicano, ainda recordista mundial (9s58), apontou Trayvon Bromell (9s77 neste ano) como o maior candidato ao ouro, mas o americano sequer chegou à final. Saiu a reclamar haver algo de errado com seu joelho. Era mais um item para sua longa lista de problemas físicos.

O canadense Andre De Grasse, então, tornou-se o favorito. Mas tal qual na Rio-2016, ficou com o bronze.

Não havia nenhum jamaicano entre os oito melhores. Um baque para a nação conhecida pelos corredores de velocidade e que teve ouro, prata e bronze nos 100 m feminino. O melhor tempo das semifinais foi dividido pelo chinês Bingtian Su e pelo americano Ronnie Baker. Ambos fizeram 9s83.

Assim, o caminho estava aberto para uma zebra numa prova que leva menos de 10 segundos e na qual qualquer erro é fatal. O britânico Zharnel Hughes, por exemplo, queimou a largada e foi eliminado. Fez o mesmo que o compatriota Linford Christie na final de Atlanta, em 1996. Mas Christie, nascido na Jamaica e naturalizado britânico, havia sido o último europeu medalha de ouro na prova, em Barcelona-1992.

O italiano Lamont Marcell Jacobs comemora o ouro nos 100 m rasos nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020
O italiano Lamont Marcell Jacobs comemora o ouro nos 100 m rasos nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020 - Jia Yuchen/Xinhua

A marca durou até aparecer Lamont Marcell Jacobs, um herói italiano improvável, nascido em El Paso, no Texas. Filho de um militar americano e de uma italiana que morava em Vicenza, morou nos EUA apenas nos primeiros 18 meses de vida. Ele fala um inglês ruim, vacilante. É fluente apenas em italiano. Para conversar com o pai, diz usar um aplicativo de tradução. “Sou italiano em todas as células do meu corpo.”

A festa de Jacobs quase foi ofuscada por outro italiano. Quando o velocista entrou na pista, Gianmarco Tamberi comemorava o ouro no salto em altura, posição dividida com o qatari Mutaz Essa Barshim.

Tamberi deu mais de uma volta na pista, jogou-se ao menos três vezes no chão e rolou. Chorando e gritando, abraçou voluntários e quase teve de ser retirado pelos funcionários dos Jogos. Os 100 m precisavam começar. Depois, quando Jacobs fazia sua festa —de maneira bem mais discreta—, Tamberi voltou para celebrar outra vez, desta vez com os jornalistas de seu país.

Gianmarco Tamberi se jogou no chão emocionado após a decisão de dividir a medalha de ouro no salto em altura
Gianmarco Tamberi se jogou no chão emocionado após a decisão de dividir a medalha de ouro no salto em altura - Aleksandra Szmigiel/Reuters

Mais por coincidência do que premonição, a imagem do italiano foi a primeira a aparecer no telão do estádio quando a final dos 100 m foi anunciada no sistema de som no estádio. Ele colocava o número 3 nos shorts. Deu um tapa com raiva. Em seguida, fez o mesmo, mas no rosto barbado. Depois, na cabeça.

“Conseguir isso que aconteceu hoje aqui é incrível. Não tenho palavras para descrever”, ensaiou explicar, em inglês, logo na saída da pista. A poucos metros, Tamberi continuava a festejar em entrevista para a RAI, a emissora de TV estatal da Itália, abraçado ao qatari com o qual dividiu a medalha de ouro.

“É um grande cara”, Jacobs elogiou o saltador, após ser questionado sobre outro atleta mesmo minutos depois de ter vivido o maior momento da carreira. “É uma figura. À noite vamos jogar videogame juntos.”

Lamont Marcell Jacobs e Gianmarco Tamberi se abraçam após conquistar medalhas de ouro para a Itália no atletismo
Lamont Marcell Jacobs e Gianmarco Tamberi se abraçam após conquistar medalhas de ouro para a Itália no atletismo - Wang Lili/Xinhua

“Se você resiste e insiste, você conquista”, repetiu, em italiano, para repórteres do seu país. Apontou também para uma das tatuagens que possui no braço para ilustrar o que dizia, mas não entrou em detalhes. Ele tem várias e mais de uma faz referência ao problemático relacionamento com seu pai, algo que o medalhista olímpico não gosta muito de comentar, não importa em que língua.

Em outras entrevistas, Jacobs já pediu para ser questionado apenas sobre atletismo. Gosta de falar sobre o desejo de correr mais rápido que os outros, missão que cumpriu em Tóquio. Nas semifinais, pouco mais de uma hora antes de sua consagração, já havia batido o recorde europeu ao correr a prova em 9s84.

Talvez por não ser considerado favorito, o italiano não teve de conviver com a sombra de Bolt. De Grasse disse que sua ambição era ocupar o lugar deixado pelo jamaicano. Fred Kerley, Baker e Akani Simbine (África do Sul) também deixaram claro o desejo de preencher o vácuo deixado pelo maior velocista da história. Bromell se incomodou tanto que nem sequer chegou à decisão, um duro golpe para quem disse, antes de embarcar para Tóquio, ter a ambição de se tornar um ícone do esporte.

Jacobs é o primeiro medalhista de ouro italiano nos 100 m na história dos Jogos. Mas parecia que não seria. Kerley, com sonhos de ser o novo Bolt, largou mais rápido e foi o melhor nos primeiros 50 metros.

O garoto que cresceu em Desenzano del Garda, uma pequena cidade ao sul do Lago de Garda, no norte do país, melhorou na metade final da prova ao usar a fórmula que aprendeu quando começou a competir, aos 10 anos. Os primeiros passos são largos, mas, depois, eles devem ser mais curtos e mais rápidos.

“Assim fui ensinado”, disse. E foi assim que conquistou o ouro, o trono de Usain Bolt e se tornou herói do país que considera sua única pátria. A mesma de Gianmarco Tamberi que, enquanto este texto é publicado, continua a comemorar seu ouro no salto em altura.

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