Descrição de chapéu Tóquio 2020

Por medalha, Ana Marcela refez estratégia por não aceitar o que é bom, apenas a perfeição

Nadadora busca enfim confirmar seu potencial olímpico com pódio nos Jogos de Tóquio

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Santos

Uma conversa no último mês entre Ana Marcela Cunha, 29, e o técnico Fernando Possenti, poderia até soar rotineira, não fosse o contexto. O papo aconteceu à beira da piscina do Centro de Alto Rendimento de Sierra Nevada, na região de Granada, sul da Espanha.

Possenti notou que a frequência média de braçadas da atleta, medição feita com o auxílio de um cronômetro para controlar o ritmo de nadadores, acusava 36. O desempenho perfeito era estimado em 38, dois pontos a mais. Ele e a nadadora não descansaram enquanto não encontraram explicações para um aperfeiçoamento.

“Dois pontos de cadência é detalhe, mas nós não sossegamos enquanto não achamos onde estava o exato ponto técnico para não gerar os 38 de frequência. E ela, a cada vez que tentava, queria um feedback. Não aceitamos ser bom, tem que estar perfeito”, conta o técnico à Folha.

Ana Marcela Cunha, dona de 12 medalhas em campeonatos mundiais
Ana Marcela Cunha, dona de 12 medalhas em campeonatos mundiais - Jonne Roriz - 1.ago.2019/COB

Perfeição é quase palavra de ordem para a nadadora baiana, dona de 12 medalhas em campeonatos mundiais de maratona aquática –cinco ouros, duas pratas e cinco bronzes.

Ela sonha agora em superar erros e frustrações nas participações olímpicas para cravar de vez o nome na história dos Jogos. A prova dos 10 km da maratona aquática feminina ocorre nesta terça-feira (3), às 18h30.

Em Pequim-2008, ainda com 16 anos, Ana Marcela assumiu ter errado na estratégia adotada na reta final da prova, o que lhe custou a medalha. Mesmo assim, acabou como quinta colocada. Um início promissor, mas que não teve continuidade em Londres-2012.

Sem índice para a Olimpíada seguinte, o que sempre conta ter sido um divisor de águas para uma postura mais profissional na carreira, chegou ao Rio-2016 como forte candidata a medalha.

Acabou frustrada com um modesto décimo lugar e, chorando, disse que a colocação não era digna de uma atleta até então três vezes campeã mundial. Na ocasião, Poliana Okimoto conquistou um bronze inédito para o país.

“Em Tóquio, há dificuldade pela temperatura da água, que é muito quente. A profundidade de onde ela vai nadar é pequena, também. A atleta pode até bater a mão no chão. A nossa carta na manga é a preparação, não a prova”, explica Fernando Possenti.

Localizada a 2.320 metros acima do mar, Sierra Nevada foi o ponto final escolhido para a nadadora chegar ao Japão vivendo o ápice físico. O local tem um dos centros de treinamentos mais concorridos do mundo, inaugurado em 1992, mas popularizado nos últimos anos pelo isolamento –fica a cerca de 70 km da cidade– e pelos ganhos fisiológicos que gera para os atletas.

Mas ficar na Espanha até poucos dias do embarque para o Japão não foi casualidade, mas seguiu um planejamento de dois anos –com a remarcação imediata após o adiamento dos Jogos em 2020.

“Fizemos a reserva, e pagamos por ela, no início de 2019. Tem equipes que gostariam de estar aqui, mas não puderam. A prova é só a execução do que se treinou. Nós poderemos executar, temos essa certeza. Os Estados Unidos queriam estar aqui, mas foram direto para o Japão. Uma equipe da Alemanha também não conseguiu e foi para Andorra, que não tem a mesma estrutura”, conta.

“O atleta tem muitos ganhos: níveis de hemoglobina, hematócrito, mexe com o condicionamento, com toda a parte fisiológica e muitos pontos”, completa.

Em 8 janeiro de 2020, antes da pandemia provocada pelo novo coronavírus, a nadadora contou à Folha que programou “sumir” de olhares da mídia e de suas principais adversárias até a chegada das Olimpíadas.

A ideia era tentar chegar menos visada, sem competir no circuito de maratonas aquáticas. Meses antes, havia sido eleita pela revista americana Swimming World, a mais importante sobre o esporte, a melhor nadadora do mundo em águas abertas.

“A Ana competia muito. Em 2018, nadou 18 provas em 12 meses. Tínhamos esse planejamento, sim, mas não vou, de maneira nenhuma, impor estratégias em um ano anormal onde tivemos raras provas. A ideia era mediante um cenário normal”, explica Possenti.

A projeção de seu estafe, também composto por outros profissionais como a psicóloga Carla di Pierro, é de que a prova apresente ainda mais dificuldades do que enfrentariam caso obedecesse a programação prevista em calendário.

“O corpo das atletas não esqueceu que são atletas. Essa pausa fez bem, a Ana fez a maior marca da vida nos 1.500 m na piscina. A [nadadora americana] Haley Anderson fez a melhor marca em quatro provas diferentes. O sarrafo segue altíssimo”, afirma.

Depois de nadar parte dos primeiros meses de pandemia em casa com a ajuda de um equipamento ergonômico que simula a movimentação e o esforço feito na piscina, a rotina de treinamentos foi completamente retomada. São dez sessões de treino semanais, quatro de preparação física, duas de fisioterapia, além de acompanhamento diário de triagem contra a Covid-19.

A aposta é que ela mantenha, agora em cenário olímpico, a constância que a fez chegar até aqui. Em junho, venceu a prova dos 5 km do Campeonato Espanhol de Águas Abertas, no Lago Banyoles, na Catalunha. Dias antes, conquistou o ouro no Campeonato Italiano Absoluto de Águas Abertas, em Piombino, na região da Toscana.

No último ano, levou medalhas nas travessias Capri-Napoli, em Funchal, e nas etapas de 5km e 10 km do Campeonato Francês de Maratonas Aquáticas, realizadas na Ilha de Jablines-Annet.

Ana Marcela já disse que esta deve ser a sua última chance olímpica. Agora, porém, tem tudo para o desfecho bem ser diferente, com medalha.

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