Descrição de chapéu Tóquio 2020 skate

Sucesso do skate nas Olimpíadas desafia resistência a ele nas ruas do Japão

No país que ganhou quase metade das medalhas dos Jogos, nem sempre é fácil praticar o esporte

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Tóquio

A popularidade do skate no Japão, país que ganhou 5 das 12 medalhas distribuídas nas disputas do esporte durante as Olimpíadas de Tóquio, não é perceptível para quem anda pelas ruas da capital japonesa.

Durante os mais de 30 dias em que a reportagem da Folha esteve por lá para a cobertura dos Jogos, várias vezes dividiu o espaço de ruas planas e calçadas lisas com ciclistas montados em suas bicicletas. Embora essas características também devessem favorecer os deslocamentos sobre rodinhas, isso não foi observado. Pelo contrário. Em alguns locais públicos, até mesmo em parques, há avisos indicando o veto à prática.

Com um skate de tamanho reduzido na mão, a estudante universitária Mai Egawa, 20, caminhava perto da estação de Toyosu no segundo sábado (31) das Olimpíadas. Ela, que já surfava, passou a se interessar pelo esporte ao trabalhar no Tokyo Sports Playground. O espaço temporário aberto ao público foi patrocinado pela Nike e montado na mesma região, próximo de várias arenas olímpicas —inclusive a que recebeu as competições de skate.

Mulher de calça clara, camiseta preta e boné posa para foto com skate na mão
A estudante Mai Egawa passou a andar de skate e vê sucesso olímpico importante para incentivo às mulheres - Daniel E. de Castro/Folhapress

Naquela data, a dupla japonesa Yuto Horigome, 22, e Momiji Nishiya, 13, já havia conquistado as duas primeiras medalhas de ouro do esporte na história dos Jogos, ao venceram na categoria street.

Funa Nakayama, 16, levara o bronze. Na semana seguinte, na categoria park, Sakura Yosozumi, 19, e Kokona Hiraki, 12, faturaram ouro e prata, confirmando o domínio do país-sede.

“Por causa do Horigome, muitos japoneses começaram a andar de skate, como um novo hobby. Acho que isso influenciou outros jovens skatistas, o que é uma boa notícia para nós”, disse Egawa, destacando também o feito das mulheres, 4 das 5 medalhistas do país. “Questões de gênero são um grande problema no Japão, então as medalhas podem ser uma influência para que jovens garotas se sintam encorajadas a começar uma coisa nova e mantenham seus sonhos de se tornar uma skatista profissional.”

A alguns metros dali, o Tokyo Sports Playground recebia corajosos que se arriscavam na pista mesmo sob o sol forte do início da tarde do verão japonês.

Várias pessoas andando em pista de skate
Pista de skate do Tokyo Sports Playground recebe praticantes de todas as idades - Daniel E. de Castro/Folhapress

Um deles era o americano Devin Annunzio, 28, engenheiro de software que se mudou para o Japão no ano passado. Morador de uma cidade localizada a duas horas de Tóquio, ele constantemente pega o trem para ir até aquele local por dois motivos: a gratuidade, algo raro nas pistas do país, e o ambiente agradável que encontra por ali.

Entre os praticantes naquele dia estavam várias crianças acompanhadas pela família e adolescentes. Também há sessões organizadas para incentivar a atividade por mulheres.

“Em alguns skateparks nos Estados Unidos, você não se sente bem-vindo, mas aqui todo mundo é bem amigável, mesmo que não se conheça. Meu japonês é ruim, mas é fácil fazer amigos aqui. O skate conecta as pessoas”, disse o ex-morador do estado da Geórgia.

Homem de camisa regata posa para foto segurando um skate
O americano Devin Annunzio viaja duas horas até Tóquio para praticar e encontrar amigos - Daniel E. de Castro/Folhapress

Animado ao falar sobre o local, ele só lamentou o que considera um comportamento mais conservador dos japoneses em relação ao hábito de andar de skate nas ruas. E ainda não se convence de que o sucesso da participação olímpica seja capaz de mudar essa visão. “Eu queria dizer que sim, mas eu sinto que não. Talvez. É difícil mudar a percepção das pessoas sobre coisas que estão aí há muito tempo, mas eu espero que sim.”

Yuu Kataouda, 20, destacou que andar dentro desse parque também é uma forma de não precisar lidar com pessoas que se incomodam com os skatistas nas calçadas e ameaçam chamar a polícia, algo que diz ter presenciado várias vezes.

“O skate se tornou esporte olímpico, mas a imagem do skate no Japão é a de uma atividade para meninos desordeiros”, afirmou no ano passado Daisuke Hayakawa, treinador da equipe olímpica japonesa, ao The New York Times.

O skatista nipo-brasileiro Akira Matsui, 41, trabalhou como consultor comercial e cultural do COB (Comitê Olímpico do Brasil) para os Jogos e viu de perto o sucesso dos atletas dos dois países. Sobre os japoneses, avalia que eles seguiram com disciplina o objetivo traçado de estrear com sucesso no esporte em sua casa, treinaram muito e competiram com excelência.

“Nem sempre é permitida a prática do skate em locais públicos, mas a maioria dos skatistas anda. Isso contribui para algumas pessoas enxergarem de forma negativa. Mas a partir do momento em que um atleta conquista uma medalha de ouro para o seu país, o impacto é muito positivo e ajuda a mudar a imagem negativa que o skate teve até hoje”, afirmou.

Ele espera que o sucesso esportivo que virou tema de conversa nacional e ganhou destaque na imprensa japonesa reflita em condições melhores para as futuras gerações no esporte. Não só pelos resultados alcançados, mas pela mensagem passada durante as competições.

“Ficou bem claro, pela postura dos atletas, os valores que o skateboard representa, como empatia e união. Costumo dizer que o skate é o esporte individual mais coletivo que conheço. Precisa evoluir constantemente em vários sentidos, por exemplo na construção de mais pistas e na adequação da arquitetura das cidades à prática do esporte, já que o skate é proibido em diversos lugares públicos”, disse.

Na última segunda (9), a reportagem esteve no Miyashita Park, complexo comercial localizado perto do famoso cruzamento de Shibuya. Uma loja especializada no esporte pegou embalo no clima olímpico, com as roupas usadas pelas delegações do Japão, EUA, Brasil e França expostas na entrada. Todas fabricadas pela Nike.

De acordo com um vendedor, a procura pelos produtos tem sido grande, especialmente por uniformes dos japoneses e americanos.

Pessoas olham shapes de skate em loja com vários produtos da modalidade
Loja no Miyashita Park, complexo comercial na região de Shibuya, expõe uniformes das delegações olímpicas de skate - Daniel E. de Castro/Folhapress

No andar acima, há um terraço aberto com pista de skate, parede de escalada e uma quadra para esportes de areia. Os skatistas precisam pagar 500 ienes (cerca de R$ 24) por duas horas de uso —estudantes têm desconto— e há uma placa indicando vários comportamentos vetados, entre eles praticar sob efeito de álcool, totalmente nu ou seminu.

“Andar de skate no parque, dentro de outras instalações, e nas ruas é perigoso”, avisa o comunicado.

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