Ex-atletas vão a Brasília por Plano Nacional do Desporto, empacado desde 1998

Previsto na Lei Pelé, documento que determina diretrizes do esporte nunca chegou ao Congresso

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São Paulo

Uma comitiva formada por ex-atletas vai a Brasília nesta terça-feira (28) cobrar o desenvolvimento do Plano Nacional do Desporto (PND). Previsto desde a criação da Lei Pelé, em 1998, o documento que deveria estabelecer diretrizes para o esporte nacional jamais foi encaminhado ao Congresso.

É o que esperam mudar Diogo Silva (taekwondo), Daiane dos Santos (ginástica artística), Flávio Canto (judô), Thiago Pereira (natação), Estevão Lopes (remo paralímpico) e Clodoaldo Silva (natação paralímpica). Eles vão conversar com parlamentares e tentar mostrar a importância do assunto.

“A nossa ida para Brasília é para sensibilizar os deputados e senadores”, diz Diogo Silva, quarto colocado na categoria até 68 kg do taekwondô em Atenas-2004. Ele e os demais membros da comitiva são integrantes do Atletas pelo Brasil, entidade sem fins lucrativos que reúne esportistas e pede maior atenção ao desporto nacional.

O ex-lutador, Diogo Silva
O ex-lutador, Diogo Silva - Zanone Fraissat - 5.ago.2019/Folhapress

De acordo com Diogo, a articulação de artistas pela aprovação da Lei Aldir Blanc, criada para socorrer profissionais da área e espaços culturais, serviu de inspiração.

“A quantidade de artistas que se mobilizaram chamou a atenção das pessoas, dos deputados e senadores. O meio político só se mexe com pressão popular", afirma.

Hoje, o plano está com a Secretaria de Esporte, que precisa enviá-lo à Casa Civil e receber sua aprovação para só então mandá-lo lo ao Congresso. Essa tramitação tem sido historicamente lenta, no entanto, sem maiores avanços.

O PND foi discutido pela primeira vez no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em três edições da Conferência Nacional do Esporte (2004, 2006 e 2010). A última elaborou um esboço do documento.

Em 2015, sob o governo de Dilma Rousseff, foi criada uma comissão no Ministério do Esporte que elaborou a primeira versão concreta do plano. Este chegou a ser enviado para a Casa Civil, mas a tramitação não teve andamento até o impeachment de Dilma, em 2016, nem durante o período com Michel Temer na presidência, até o fim de 2018.

Com Jair Bolsonaro, que extinguiu o Ministério do Esporte, o plano sofreu alterações, mas não foi reenviado à Casa Civil. Questionada, a Secretaria de Esporte, vinculada ao Ministério da Cidadania, afirmou que o fará até o final deste ano.

O passo seguinte seria o envio ao Congresso. Aí, se aprovado nas casas legislativas, o PND iria à sanção presidencial. Não parece haver pressa, o que a comitiva de ex-atletas espera ajudar a mudar.

Desde que foi previsto em lei, há 23 anos, o plano nunca foi tratado como prioridade. Cinco pessoas se revezaram na cadeira presidencial sem que o texto tenha chegado à Câmara dos Deputados ou ao Senado Federal.

“O plano acabou não andando porque o esporte entra na agenda política a cada quatro anos, após as Olimpíadas”, diz Fernando Mezzadri, coordenador do Instituto de Pesquisa Inteligência Esportiva da Universidade Federal do Paraná.

“O esporte no Brasil não é considerado uma política social relevante, nunca foi. Não se tem uma visão independente de governo. Nunca foi política de Estado, embora esteja na Constituição. Mas sempre se teve uso político do esporte”, completa Flávia Bastos, professora de Legislação e Política no Esporte, na Escola de Educação Física da USP.

O PND define uma série de metas que teriam de ser atingidas pelo poder público a cada dez anos.

É importante, explicam especialistas ouvidos pela reportagem, porque cria objetivos que direcionam o investimento público e torna possível cobrar gestores caso essas metas não sejam atingidas.

Por exemplo, a meta 2.1 do atual plano define: “Aumentar para 60% da população entre 15 anos ou mais de idade a prática de atividade física ou esporte” (sic).

O documento também divide as atribuições das gestões federal, estadual e municipal. Em linhas gerais, a primeira cuidaria do alto rendimento, a última, do esporte na educação básica, e a segunda, do caminho entre as duas pontas (com centros de treinamento, por exemplo).

Ele pensa o esporte a partir de três grandes esferas: o esporte educacional, que deve estar nas escolas e começar desde a educação básica; o esporte de lazer, que deve atender toda a população, independentemente de faixa etária, com alternativas para a prática saudável e social; e o alto rendimento.

A ausência de um plano que organize a política esportiva nacional traz uma série de prejuízos. O Brasil foi sede de Jogos Pan-Americanos (2007), Copa do Mundo (2014) e Jogos Olímpicos (2016), eventos que movimentaram bilhões de reais, mas não entregaram o prometido legado.

“Se não se tem um norte, um orçamento que garanta relativamente suas prioridades, você acaba navegando uma aeronave sem rumo, você fica ao sabor do vento, dos interesses políticos”, diz Flávia Bastos.

O plano também organiza a integração das políticas esportivas com as políticas sociais, de áreas como educação e saúde. Isso é importante, completa a professora, porque apenas uma pequena parte da população acaba indo para o alto rendimento.

“O plano propõe um sistema que congregue todas as manifestações do esporte. Faz com que o cidadão brasileiro tenha uma vivência esportiva no sentido amplo, vá se desenvolvendo desde a atividade física na escola e depois tenha vários caminhos de lazer, de saúde e para uma função social do esporte”, diz.

Sem o plano, “as crianças começam e depois não sabem onde continuar seu desenvolvimento esportivo”, afirma Fernando Mezzadri.

Sobre o atual documento, ele aponta que ainda falta uma definição mais clara de qual seria o órgão fiscalizador —no caso do Plano Nacional da Educação, por exemplo, quem faz isso é o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais).

O pesquisador diz ainda que o atual documento ainda tem metas pouco específicas e um plano de ação menos detalhado do que seria o ideal.

“Tem objetivos mais gerais, mas só uma ou outra meta é quantificada. Também não me parece muito bem definido o envolvimento das entidades [não governamentais, como comitês e confederações] para a construção do sistema”, analisa.

“Essa para mim é a grande questão do plano hoje. As ações são muito amplas, e é difícil saber exatamente o que vai ser alcançado, como e quem vai fazer o que nesse processo”, completa Mezzadri.

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