Descrição de chapéu The New York Times basquete

Seimone Augustus encontrou sua voz ativista bem antes de ser treinadora de basquete

Estrela da WNBA militou por direitos LGBTQIA+ e contra o racismo e agora quer incentivar atletas

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Natalie Weiner
The New York Times

A primeira vez que Seimone Augustus percebeu do que era capaz não aconteceu aos 14 anos de idade, quando ela ocupou a capa da revista Sports Illustrated for Women, em uma foto acompanhada pelo título “será que ela vai ser o próximo Michael Jordan?”.

Quando Augustus, uma lenda da WNBA que se aposentou este ano depois de 15 temporadas nas quadras, reflete sobre os momentos que fizeram com que ela compreendesse o seu potencial, ela pensa nas arquibancadas da Capitol High School, em Baton Rouge, Louisiana. Lá, ela comandou o time da escola em um bicampeonato estadual, marcando 3,6 mil pontos e perdendo apenas sete partidas em quatro anos de atividade.

A escola fica no centro de um bairro predominantemente negro, o bairro em que ela cresceu e descreve como uma comunidade unida e repleta de “pessoas que podem não saber disso, mas ajudaram a transformar meu jogo naquilo que ele é”. Cada vitória, porém, parecia trazer uma mudança nas plateias que assistiam aos jogos no ginásio da Capitol.

Seimone Augustus, assistente do Los Angeles Sparks
Seimone Augustus, assistente do Los Angeles Sparks - Jenna Schoenefeld - 27.jul.2021/NYT

“As pessoas brancas que, se me vissem passar na rua um ano antes teriam corrido a trancar suas portas, subitamente começaram a ir aos jogos, para experimentar o que quer que eles experimentavam ao me ver jogar”, disse Augustus.

Foi só então que ela começou a perceber as mudanças que a habilidade sobrenatural que ela demonstrava em quadra poderiam habilitá-la a promover fora dela. “Foi então que eu percebi”, disse Augustus. “Era uma grande mistura de pessoas, o cenário mais bonito que vi em minha vida”.

O legado de Augustus como jogadora —uma pioneira do basquete feminino, ganhadora de três medalhas de ouro olímpicas e peça fundamental do Minnesota Lynx, quatro vezes campeão da WNBA e uma das grandes dinastias do esporte— não está em questão. Mas ela também é uma das pessoas mais progressistas do esporte, e uma ativista cujos esforços nem sempre atraem a atenção merecida.

Agora treinadora assistente do Los Angeles Sparks, Augustus está trabalhando para ajudar suas jogadoras a encontrar a mesma paz e liberdade de que ela desfrutava na quadra e a procurar maneiras de usar sua influência a fim de promover suas causas e as de suas comunidades, fora do basquete.

“Como posso fazer do esporte um espaço seguro para vocês, para que possam se sentir livres e se expressar por meio do basquete?”, ela costuma perguntar às suas jogadoras.

O basquete por muito tempo serviu como um refúgio desse tipo para Augustus. “Ser eu mesma era difícil, para ser honesta”, ela disse, explicando que sofreu intimidação na escola de segundo grau. “Eu estava andando pelo corredor e as pessoas me apontavam e diziam que eu era gay”.

Os pais e a família de Augustus a apoiavam, mas outras pessoas eram hostis. “Alguns pais procuravam meus pais e diziam que, porque eu era gay, eu fazia com que as filhas deles começassem a achar que elas também eram gays”, disse Augustus. “Pessoas que nunca encontrei na vida me culpavam por coisas que os filhos delas tinham decidido expressar naquele momento.”

Seimone Augustus passa a bola de basquete durante treino do Los Angeles Sparks
Seimone Augustus durante treino do Los Angeles Sparks - Jenna Schoenefeld - 27.jul.21/The New York Times

Ao mesmo tempo, Augustus estava conquistando quase todas as marcas que um jogador de basquete escolar sonha atingir —e tentando descobrir como o legado de racismo na comunidade sulista em que ela cresceu influenciaria sua escolha de um lugar para jogar na universidade. A Universidade Estadual da Louisiana (LSU), sediada em sua cidade natal, só empregou seu primeiro professor negro —Julian White— em 1971. “No processo todo de recrutamento, muita gente me recomendou não estudar lá”.

Mas ela decidiu que jogaria pela LSU, mesmo assim. Augustus queria a oportunidade de viver perto de casa e de participar da construção de uma equipe vitoriosa, em lugar de optar por uma das potências estabelecidas do basquete universitário, como as universidades do Tennessee ou de Connecticut.

“Muita gente negra mais velha me disse que frequentar aquele campus foi uma batalha para eles, e que eles tinham encarado a situação apesar de tudo a fim de abrir caminho para mim”, disse Augustus. “Eu acho que minha escolha ajudou a justificar as escolhas deles. Como se eles enfim estivessem paz para poder desfrutar daquele momento.”

As experiências que viveu prepararam o terreno para que Augustus fizesse a transição para o ativismo público, o que exige autoconfiança e sensibilidade. Sua primeira incursão nesse campo foi uma escolha muito pessoal. Ela assumiu publicamente sua homossexualidade em uma entrevista à revista LGBTQ The Advocate, em maio de 2012, detalhando seu relacionamento e seus planos de união com LaTaya Varner, com quem ela se casou mais tarde.

O perfil de Augustus jamais tinha tido tanto destaque, porque ela tinha acabado de levar o Lynx ao seu primeiro título, em 2011, e foi escolhida como melhor jogadora (MVP) das finais daquela temporada. Mas a decisão continuava a ser um risco. A WNBA ainda demoraria alguns anos a criar um programa de orgulho LGBTQ que abarcasse a liga inteira, o que só aconteceu em 2014; o momento escolhido por Augustus para sua declaração foi crucial, porque os cidadãos de Minnesota estavam se preparando para seu votar quanto a uma emenda constitucional que poderia ter proibido o casamento gay no estado, em novembro daquele ano.

Seimone Augustus comandando treinamento do Los Angeles Sparks
Seimone Augustus comandando treinamento do Los Angeles Sparks - Jenna Schonefeld - 27.jul.2021/NYT

“Aquela foi a primeira vez que me posicionei e usei minha voz”, disse Augustus. “Minha sensação era a de que estava em um lugar em minha vida no qual eu podia me abrir com as pessoas. Não creio que o que anunciei tenha sido grande surpresa, mas, para as pessoas que precisavam daquilo, foi realmente uma ajuda. Muita gente mais tarde me procurou para dizer que aquilo tinha ajudado e que elas enfim tinham dito a verdade às suas famílias depois de 10 anos.”

Augustus continuou a conversar com a mídia sobre a questão, contando sua história como forma de combater a emenda constitucional proposta em Minnesota. A medida foi derrotada, e o casamento homossexual se tornou legal nos 50 estados americanos logo depois que Augustus e Varner se casaram, em 2015.

“Quando ela se assumiu publicamente, em 2012, e começou a trabalhar deliberadamente para promover a igualdade no casamento em Minnesota, vimos Seimone e outras jogadoras da WNBA darem início a uma conversação que fazia lembrar o ativismo dos atletas na década de 1960”, disse Anne Lieberman, diretora de política e programas da Athlete Ally.

Essas conversações jamais foram mais influentes do que em 2016, quando as estrelas do Lynx —incluindo Augustus— começaram a expressar apoio público ao movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). Eles se pronunciaram contra a brutalidade policial e usavam camisetas em seu aquecimento que portavam o slogan do movimento, depois que Philando Castile e Alton Sterling foram mortos pela polícia; o protesto delas começou antes que Colin Kaepernick causasse agito, em defesa da mesma causa, ao se ajoelhar em protesto durante a execução do hino nacional americano na abertura dos jogos da NFL.

Para Augustus, as duas mortes foram muito marcantes. Ela já tinha se pronunciado contra a discriminação racial praticada pela polícia no subúrbio de Minneapolis em 2012. Castile foi morto naquela área quatro anos mais tarde. A loja local em que Sterling foi morto era a mesma em que Augustus costumava comprar doces, quando era criança em Baton Rouge.

“Obviamente fomos todos parados pela polícia em algum momento”, disse Augustus. “Meu pai foi à cidade de Minneapolis e foi parado pela polícia. Aquilo poderia ter facilmente acontecido com meu pai, meu tio, meu primo, qualquer pessoa.”

A WNBA multou as jogadoras pelo uso das camisetas, antes de anular a punição depois que as atletas e o público protestaram. Quatro dos seguranças do Lynx, todos policiais que trabalhavam no ginásio em seus horários de folga, abandonaram o trabalho em um jogo, em resposta às ações das atletas.

“Policiais largaram o trabalho e deixaram o Target Center exposto para que as pessoas... se alguém quisesse entrar e nos agredir de alguma forma, não havia quem nos protegesse”, disse Augustus. “Tudo porque colocamos camisetas. As pessoas não querem ser chamadas a prestar contas por suas ações.”

Depois do assassinato de George Floyd, no ano passado, a WNBA decidiu ser proativa e encorajar o ativismo das atletas, como parte de sua identidade —quatro anos depois de o Lynx se posicionar. “Agora eles dizem que vão nos celebrar, e nossa resposta foi a de que eles podiam estar celebrando, agora, mas nos anos anteriores não pareciam muito dispostos a abraçar a causa”, disse Augustus.

Ela ainda se lembra de reuniões em que a liga tentou convencer as jogadoras a usar mais maquiagem e uniformes mais sumários, diz, e de como, em seus primeiros anos nas quadras, eram as jogadoras casadas e com filhos que pareciam receber toda a publicidade. “Eles diziam que a gente não era cool o bastante, e eu rebatia que nós éramos, sim, muito cool, e o que eles queriam dizer com aquilo?”, disse Augustus. “Era esse o tipo de conversa insana que éramos forçadas a ter.”

Em declaração encaminhada por email em resposta aos comentários de Augustus, Cathy Engelbert, a comissária da WNBA, mencionou a ênfase nos direitos LGBTQ+ do Conselho de Justiça Social da liga, estabelecido na temporada passada.

“A WNBA há muito tempo vem sendo uma das ligas esportivas mais inclusivas e acolhedoras em termos de seu compromisso para com as jogadoras e os torcedores”, ela afirmou. “Hoje, esse compromisso continua a ganhar força, com incontáveis manifestações de inclusão e com a compreensão de que sempre restará trabalho a fazer.”

Augustus sempre priorizou o jogo, e isso não mudou agora que ela se tornou treinadora. Mas a forma lisa pela qual ela integrou a luta por si mesma e por sua comunidade à sua carreira no basquete parecem inspirar suas comandadas.

“Ela jogava basquete com um talento e uma confiança que pareciam querer dizer que ela gostava de ser a pessoa mais ruidosa da sala, mas não era esse o caso”, disse Derek Fisher, treinador do Sparks. “Ela só quer ajudar as pessoas a serem melhores, e permitir que elas ajudem os outros.”

Tradução de Paulo Migliacci

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