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Emails racistas de técnico de futebol americano expõem hipocrisia da NFL

Jon Gruden pediu demissão do Las Vegas Raiders após vazamento de mensagens

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Kurt Streeter
The New York Times

Jon Gruden se demitiu como treinador do Las Vegas Raiders, depois de revelações chocantes sobre seu histórico de emails racistas, misóginos e homofóbicos, e isso revela uma verdade profunda sobre a National Football League (NFL): ela pode inscrever quantos lemas antirracistas quiser nas end zones e acrescentar quantos arco-íris desejar às suas contas de mídia social, mas sua hipocrisia fica evidente nas decisões de seus líderes.

Gruden há muito era parte do clube de figuras mais influentes da liga, estimado por sua capacidade como treinador, liderança e carisma.

E é por isso que o que aconteceu importa.

Os emails que ele trocou com Bruce Allen, veterano executivo da NFL, por quase uma década, sublinham que, por trás das mudanças que a liga ostenta, existe uma firme corrente de ressentimento que impede o esporte de realmente evoluir.

Jon Gruden, de boné preto dos Raiders e aparelho comunicador preso a cabeça, durante partida da NFL
Jon Gruden durante partida dos Raiders na NFL - Ethan Miller - 10.out.21/AFP

Gruden, que trabalhava como comentarista de televisão na época em que escreveu os emails, dirigia uma ira especial a DeMaurice Smith, que é negro e diretor da Associação dos Jogadores da NFL, empregando uma analogia odienta relacionada à aparência de Smith.

Gruden negaria, mais tarde, que sua afirmação tivesse intenções racistas, o que representa uma tentativa clara de escapar da responsabilidade por suas afirmações, uma atitude evidentemente indigna do líder que ele sempre disse ser. O treinador divulgou uma série de pedidos de desculpas insinceros. Disse que lamentava ter ofendido e que estava apenas tentando dizer que Smith era mentiroso. Gruden afirmou que não tinha “uma gota de racismo no sangue”.

Smith foi claro em sua resposta. Ele não hesitou em dizer a verdade aos poderosos e expôs a luta continuada que os negros continuam a enfrentar, especialmente em ambientes corporativos.

“Você sabe que as pessoas às vezes dizem coisas pelas suas costas, coisas raciais, da mesma forma que vê pessoas escreverem e falarem sobre você usando uma linguagem racista mal disfarçada e mal codificada”, disse Smith, “Esse tipo de racismo vem do fato de que estou sentado à mesma mesa que eles, e eles não acreditam que uma pessoa que tem a minha aparência mereça estar lá”.

Um fato que ocupa posição central na declaração de Smith é o seguinte: a suspeita e preocupação dos negros quanto ao tratamento dúplice e preconceituoso que recebem dos brancos é inteiramente justificada. Na NFL, treinadores como Gruden professam platitudes sobre os jogadores negros diante das câmeras e microfones, mas o que dizem realmente, por trás de portas fechadas?

A verdade é evidente. Os emails trocados entre Gruden e seu amigo Allen, então presidente do time da NFL em Washington, ao longo de um período de sete anos iniciado em 2011, não mostram o treinador vivendo à altura de sua reputação como um líder ao modo antigo, um homem de princípios. Em lugar disso, ele se revela como um sujeito disposto a rebaixar qualquer pessoa que não seja um homem branco.

Especialmente as mulheres. No diálogo entre Allen e Gruden, e alguns de seus amigos, Gruden parece mais que satisfeito em empregar expressões chulas sobre a genitália feminina como epíteto. Ele aparentemente acredita que essa seja uma maneira excelente de ganhar pontos e usa repetidamente o mesmo termo em referência ao comissário da NFL, Roger Goodell.

Talvez a liga devesse mudar de nome para Neanderthal Football League.

Na metade deste ano, a NFL e Gruden comemoraram abertamente a notícia de que Carl Nassib, um jogador de linha defensiva do Raiders, havia se tornado o primeiro atleta em atividade na NFL a se declarar gay. Que piada. Gruden escreveu uma sequência de emails repletos de declarações homofóbicas violentas, que sublinham a dissonância entre o tapete vermelho de boas-vindas que a liga estende em público e as convicções pessoais do homem encarregado de levar adiante a carreira de Nassib.

Para Gruden e sua turma de manos, os marginalizados da sociedade só servem como motivo de piada.

“Goodell deveria ligar para fisher e mandar que ele recrute bichas”, escreveu Gruden em 2015 em referência a Jeff Fisher, então treinador dos Rams, que tinha selecionado Michael Sam como primeiro atleta gay a ser escolhido no draft da NFL. Poucos meses depois, ele e Allen zombaram de Caitlyn Jenner, que recebeu um prêmio da ESPN depois de se assumir como transgênero.

Os emails estão repletos de declarações repulsivamente feias. Também ajudam a revelar o pensamento coletivo que domina os proprietários de clubes, executivos e treinadores da NFL com relação ao movimento liderado por atletas negros que se mobilizaram para protestar contra abusos policiais e injustiças raciais, se ajoelhando durante a execução do hino nacional antes do início das partidas da liga.

Eric Reid, defensive back do San Francisco 49ers, foi um dos primeiros atletas a se ajoelhar durante o hino. Ele o fez em companhia de Colin Kaepernick, na temporada de 2016. Gruden, recorrendo a termos chulos, disse que Reid deveria ser cortado.

É revelador que Kaepernick e Reid tenham sido excluídos do futebol americano. Embora os dois ainda estejam em idade de jogar em plena capacidade, nenhum time da liga os contrata.

Porque os executivos mais importantes da NFL pensam dessa maneira sobre os protestos de jogadores em busca da justiça, não surpreende que Kaepernick e Reid sejam vistos por todos os times como párias intocáveis.

Depois que o assassinato de George Floyd pela polícia em Minneapolis deflagrou semanas de protestos nacionais turbulentos, a vergonha enfim forçou a liga a mudar de tom quanto às questões raciais. Goodell se pronunciou, depois de ser desafiado pelos jogadores, e disse o que antes tinha evitado declarar: “Black Lives Matter” (Vidas Negras Importam). Ele se desculpou por não tê-lo feito mais cedo e prometeu que a NFL mudaria.

Depois dos protestos e das inquietações cívicas de 2020, a liga continuou a dar grande destaque ao seu suposto compromisso de apoiar as mulheres, os LGBTQIA+ e especialmente os negros. Este ano, a NFL manteve a prática de pintar lemas positivos como “vamos acabar com o racismo” nas end zones dos gramados e permitiu que jogadores usassem nas camisas e na traseira dos capacetes slogans aprovados, como “Black Lives Matter”.

A hipocrisia é clara, e é demonstrada com força especial nas questões raciais.

Jogadores negros formam 70% dos elencos da NFL e são maioria entre os maiores astros da liga. Mas só cinco negros ocupam o comando executivo de times. Não existem proprietários negros com participações controladoras em qualquer equipe.

E apenas três dos 32 treinadores principais da NFL são negros, ainda que oito treinadores novos tenham sido contratados para esta temporada.

Estamos em 2021.

Art Shell, o primeiro treinador negro na era moderna do futebol americano, foi contratado em 1989, ironicamente pelo Raiders. Em 32 anos, as mudanças reais foram escassas.

Homens poderosos, especialmente homens brancos poderosos, exercem a maior influência sobre o futebol americano profissional. A forma pela qual agem, os homens a quem eles sacramentam e contratam, o que eles dizem e, neste caso, as brincadeirinhas casuais e as declarações derrogatórias que fazem, só servem para sublinhar as mentiras da liga em sua face pública. São esses os homens que tomam as decisões cotidianas no futebol americano. E nos emails de Gruden a verdadeira cultura da NFL está exposta.

Essa é a realidade, não importa o quanto Goodell e os proprietários de times busquem distorcê-la.

Tradução de Paulo Migliacci

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