Técnico de futebol americano se recusa a tomar vacina e pode perder emprego

Nick Rolovich tenta isenção religiosa e gera discórdia na Universidade Estadual de Washington

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Billy Witz
Pullman (Washington) | The New York Times

As folhas estavam começando a cair e o ar frio de outono estalava contra a pele quando os jogadores de futebol americano da Universidade Estadual de Washington acordaram na manhã de sábado (9). Eles caminharam para o Martin Stadium em meio a uma multidão de torcedores, pais e cheerleaders, acompanhados por uma fanfarra, o que só fez com que suas expectativas crescessem.

Mas aquela manhã teve um ar diferente para Nick Rolovich, o treinador da equipe. Ele acordou e encontrou notícias incômodas: sua antiga treinadora na época da universidade, June Jones, havia contado ao jornal USA Today sobre a decisão de Rolovich de pedir uma isenção religiosa quanto à ordem estadual de Washington de que todos os empregados do estado se vacinem contra o coronavírus. Era algo que ele esperava manter em segredo.

“Não estou terrivelmente contente com a maneira pela qual isso aconteceu”, disse Rolovich, que confirmou a informação depois que o time da universidade, conhecido como Cougars, venceu de virada a Universidade Estadual do Oregon, por 31 a 24. Rolovich, que não atendeu a um pedido de entrevista, falou a jornalistas depois do jogo. “Espero que nenhum jogador que eu já tenha treinado precise acordar um dia e sentir o que estou sentindo hoje.”

A vitória manteve seu time na briga na divisão Pac-12 North, e fez com que os 24.157 torcedores presentes saíssem comemorando, depois que o ataque da Universidade Estadual do Oregon (que tem quatro vitórias e duas derrotas) foi detido na linha de cinco jardas no minuto final do jogo. Mas se a Universidade Estadual de Washington (três vitórias e três derrotas) está no noticiário nesta temporada, é provável que isso aconteça menos por sua garra em campo do que pela atitude de Rolovich, o único treinador universitário importante de futebol americano que se recusou a ser vacinado.

Ele anunciou a decisão em junho, e isso impediu que comparecesse em pessoa à sessão de mídia da conferência Pac-12. Rolovich se recusou repetidamente a explicar sua decisão, dizendo que é um assunto pessoal.

Nick Rolovich, técnico do Washington State Cougars, conversa com árbitros durante jogo contra Utah Utes, em Salt Lake City
Nick Rolovich, técnico do Washington State Cougars, durante jogo contra Utah Utes, em Salt Lake City - Chris Gardner - 25.set.2021/AFP

Quando o governador Jay Inslee anunciou, em agosto, que os funcionários de Washington teriam de ser vacinados ou buscar isenção médica ou religiosa, se desejassem manter seus empregos, Rolovich, o funcionário mais bem pago do estado, se manteve resoluto em sua decisão.

Quando Kirk Schultz, o reitor da universidade, exigiu que os alunos se vacinassem antes de se matricular para as aulas do segundo semestre letivo, ou que os torcedores, a partir do jogo contra Oregon no sábado, apresentassem prova de vacinação ou exames que mostrem que eles não portam o coronavírus, para assistir aos jogos da universidade em casa, a posição de Rolovich se tornou ainda mais isolada.

E durante o jogo dos Cougars no sábado, uma mensagem no painel do estádio de beisebol, diante do estádio de futebol americano, dizia: “Vá se vacinar!”

“Isso certamente altera a perspectiva de nossa mensagem”, disse Schulz em entrevista na sexta-feira (8). “Na maioria das universidades, as pessoas prestam atenção ao que o reitor, o treinador de futebol americano, o treinador de basquete e o diretor de atletismo têm a dizer –essa é a realidade, simplesmente. As pessoas buscam a liderança deles, porque são figuras de alta visibilidade e têm remunerações altas. E ter pessoas que se posicionam contra a direção em que estamos indo não ajuda.”

Schulz disse que o assunto havia sido mencionado “centenas de vezes” nas últimas semanas, em reuniões com alunos, professores, ex-alunos e políticos. “É a questão número um”, ele disse. “O assunto que está na cabeça de todo mundo.”

E o que resta a descobrir agora é se a posição de Rolovich vai lhe custar o emprego.
A ordem do governador determina que todos os funcionários estaduais se vacinem completamente –ou obtenham uma isenção até o dia 18 de outubro.

O pedido de Rolovich é uma das 473 solicitações de isenção religiosa apresentadas por empregados da universidade, 98 das quais foram atendidas até a sexta-feira. O treinador disse no sábado que não tinha sido informado sobre se sua solicitação –que será revisada de modo cego, sem que seu nome ou departamento sejam mencionados– havia sido aprovada.

Se uma isenção for negada, ele pode recorrer, se vacinar ou ser demitido.

Caso uma isenção seja concedida, o superior do trabalhador em questão tem de determinar se a pessoa poderá realizar seu trabalho efetivamente sem a vacina. Um porta-voz da universidade declarou que, por exemplo, um artista gráfico que trabalha sozinho pode continuar a fazê-lo. Mas um treinador de futebol americano seria capaz de cumprir seus deveres –reuniões com o time, comandar treinos, conversar com potenciais recrutas, manter contatos sociais com torcedores e patrocinadores e falar a jornalistas– sem colocar outras pessoas em risco?

Quem terá de fazer essa determinação será Pat Chun, o diretor de atletismo da universidade, que contratou Rolovich e tem ambições de carreira que vão além de seu posto atual em Pullman.
“Não creio que seja uma questão de opinião”, disse Chun na sexta-feira em uma reunião de torcedores, mencionando os procedimentos que a universidade havia estabelecido com orientação do departamento estadual de Justiça.

Rolovich, 42, está no segundo ano de um contrato de cinco anos que lhe paga US$ 3 milhões (cerca de R$ 16,61 milhões) anuais além de bonificações por desempenho. Se ele for demitido sem justa causa, a universidade teria de indenizá-lo em US$ 3,6 milhões, depois dessa temporada, nos termos de seu contrato –o que não é pouco para um departamento de atletismo que espera reduzir sua dívida de US$ 77 milhões daqui até o final do ano fiscal.

A universidade poderia demiti-lo por ele não poder cumprir os termos do contrato, mas isso a deixaria exposta a um processo, e despertaria a ira de alguns dos torcedores e patrocinadores mais importantes.
“Se eles o demitirem, não apoio mais o time –acabou”, disse Mark Wieseler, de Pasco, Washington, no sábado, enquanto preparava o churrasco em uma festa pré-jogo. Ele disse que doa US$ 25 mil por ano ao departamento de atletismo da universidade.

Outras pessoas estão incomodadas com o efeito da questão sobre o time. “É egoísta”, disse Blake Jones, que vive em Spokane, enquanto ele e os amigos tomavam cerveja e jogavam cartas do lado de fora de um trailer, na noite de sexta-feira. “Os treinadores sempre se queixam de coisas que distraem o time. Bem, é ele que está causando a distração.”

Mas a questão no centro de cada conversação sobre Rolovich é: Por quê?

Houve policiais, enfermeiras, médicos e outros que perderam empregos por recusarem a vacinação, mas poucos deles estavam expostos a perder tanto dinheiro quanto Rolovich.

“Ele é um sujeito diferente”, disse Rich Miano, ex-jogador de defesa da NFL que foi assistente técnico ao lado de Rolovich quando ambos faziam parte da comissão técnica da Universidade do Havaí, e quando Rolovich jogava lá. “Minha sensação foi sempre a de que eu não sabia porque ele fazia as coisas, ou quais eram suas intenções. A pergunta de US$ 3 milhões é se ele correrá o risco de ser demitido por aquilo em que acredita ou se ele esperará até o minuto final para decidir. A maior parte das pessoas por aqui acha que ele é maluco”.

O isolamento do campus da Universidade de Washington, aninhado entre plantações de trigo e lentilhas no árido canto sudoeste do estado, fez dele um lar confortável para treinadores de futebol americano com um lado iconoclasta.

Mike Price, um treinador brincalhão que andava pelo campus usando uma roupa de caçador que o deixava parecido com o personagem de desenho animado Hortelino Troca-Letras na semana do grande jogo anual contra Oregon, conquistou duas vitórias com os Cougar no Rose Bowl –as únicas da equipe desde 1930. Price foi demitido da Universidade do Alabama antes de treinar seu primeiro jogo por lá, porque foi a uma casa de strip-tease.

E Mike Leach, um treinador que gostava de forçar os limites e era formado em direito, curtia piratas e montou um ataque que optava pelo passe a cada descida, levou o time a seis Bowls em suas oito temporadas no comando. (Mas nem sempre foi muito querido; Schulz conta que patrocinadores retiraram US$ 4,5 milhões em verbas prometidas para o time depois que Leach, que fez campanha para Donald Trump, adulterou um vídeo de Barack Obama e o postou no Twitter.)

Rolovic chegou à universidade com um perfil semelhante.

Ele tinha se tornado um herói popular no Havaí, quando entrou no time como quarterback reserva e acertou oito passes para touchdown, destruindo a temporada invicta da Universidade Brigham Young. Deixando de lado os planos para seguir os passos do pai e se tornar bombeiro, acabou por se transformar em treinador, e levou o Rainbow Warriors, o time da universidade, a uma grande virada em suas quatro temporadas no comando da equipe, mas sempre de olho no espetáculo.

Ele participou de sessões de mídia acompanhado por imitadores de Elvis Presley e Britney Spears, vestiu-se de palhaço para um jogo de primavera e suas intervenções na mídia social eram sempre repletas de humor ácido –ele tuitou o logotipo do Rose Bowl depois de iniciar a temporada de 2019 vencendo as universidades do Arizona e Oregon.

Rolovich rapidamente conquistou a torcida do Cougars, convidando torcedores que moravam em Seattle a ir com ele ao bar e pagando a conta. Pouco depois que a pandemia chegou, ele pagava 20 refeições por noite em restaurantes de Pullman, para entrega às primeiras pessoas que aparecessem para retirá-las. E quando as visitas ao campus foram proibidas, ele prendeu um celular ao boné e saiu passeando de bicicleta, para mostrar o campus a um potencial recruta via FaceTime.

Mas começou a ser visto sob uma luz diferente um ano atrás, quando Kassidy Woods, um recebedor que estava no segundo ano da universidade, gravou um telefonema no qual Rolovich deixava claro que ele podia desistir da temporada por motivos de saúde –Woods tem células falciformes e tinha medo de pegar o coronavírus–, mas que ele seria tratado de outro modo caso se unisse a um movimento que começava a ser formado para defender os direitos dos jogadores da Pac-12.

Depois da conversa, Woods, que representava o departamento atlético e o de futebol americano em comitês universitários, foi instruído a esvaziar seu armário no dia seguinte. Ele por fim se transferiu para a Universidade do Norte do Colorado e no mês passado abriu um processo contra Rolovich e a Universidade Estadual de Washington.

“Eu definiria como uma ironia dramática”, disse Woods em entrevista por telefone na sexta-feira. “A decisão de cada pessoa deve ser respeitada, mas ele não respeitou a minha. A regra era que, se eu não seguisse o roteiro, não podia ser parte do time., E agora ele não quer seguir o roteiro sobre a vacina. Ele quer ser parte do time?”

Entre os legados mais duradouros da pandemia está sua presença como instrumento de divisão, seja por meio de lockdowns, máscaras, vacinas ou regras de vacinação compulsória. A linha de demarcação entre liberdade pessoal e o bem público deixa só o fio da navalha, como espaço para o bom senso.
E assim, depois que Rolovich admitiu em uma entrevista por vídeo depois do jogo do sábado que o estresse dos últimos meses havia sido “incrível”, talvez não surpreenda que um dos Cougars –83% dos quais haviam sido vacinados até o dia 10 de setembro– tenha retratado a situação em termos de amigos e inimigos.

“O pessoal que cobre o nosso time está tentado criar um buraco na equipe do Cougars”, disse o quarterback Jayden de Laura. “Achei que vocês deveriam nos apoiar, mas estão tentando tirar nosso líder do time.”

Ele acrescentou que “provavelmente existe fricção fora do time. Não prestamos atenção a esse tipo de coisa. Isso é com vocês. É a perspectiva de vocês. Vocês não chegam aqui cedinho toda manhã para treinar conosco e fazer o sacrifício que fazemos”.

Antes da partida, de Laura parou seu aquecimento por alguns minutos para uma breve conversa com Jack Thompson, conhecido como Throwin’ Samoan e reverenciado como o primeiro em uma longa linhagem de quarterbacks fortes na universidade. Poucos minutos antes, Thompson, usando uma jaqueta do time, havia dado um abraço em Rolovich e desejado boa sorte ao treinador.

Mas até Thompson enfrentava dificuldade para compreender a situação.

“Estou dividido”, ele disse. “Nick é meu amigo, e um treinador excelente. E eu lhe disse o que acho. Mas amo minha escola, e ninguém é maior do que ela.”

“Estou rezando para que a coisa certa aconteça”, ele prosseguiu, ciente de que, como qualquer outra pessoa –exceto talvez Rolovic– ele não faz ideia de como a situação vai se resolver.

Tradução de Paulo Migliacci

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