Volta da torcida aos estádios no Campeonato Brasileiro é segura?

Consultor da CBF fala em 'pedagogia do novo momento', mas colega infectologista alerta sobre variante delta

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

O retorno dos torcedores às arquibancadas dos estádios brasileiros traz uma pergunta: é seguro em meio à pandemia?

A liberação de público, ainda que parcial, começa a valer para o Campeonato Brasileiro a partir deste sábado (2), com regras sanitárias que variam de um estado para o outro —antes, Copa do Brasil e Libertadores já tiveram jogos com torcida.

Em comum, há o protocolo elaborado pela CBF (Confederação Brasileira de Futebol), que exige o uso de máscaras, o distanciamento social e a apresentação de teste negativo para Covid ou vacinação completa.

Torcedor no Maracanã para a o jogo de volta entre Flamengo e Grêmio, na Copa do Brasil
Torcedor no Maracanã para a o jogo de volta entre Flamengo e Grêmio, na Copa do Brasil - Ricardo Moraes - 15.set.2021/Reuters

“É muito importante entendermos, primeiro, que a pandemia não acabou, ela está ativa, e temos a variante delta que é altamente transmissível”, alerta Julival Ribeiro, infectologista e membro da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).

Ele pondera que a liberação das torcidas pode ser segura, desde que sejam cumpridos todos os protocolos e as restrições sanitárias sejam obedecidas.

“Acho que o risco de transmissão não é zero, mesmo com todas as medidas [de segurança] dentro do estádio”, continua.

É muito importante entendermos, primeiro, que a pandemia não acabou, ela está ativa, e temos a variante delta que é altamente transmissível

Julival Ribeiro

Infectologista, membro da Sociedade Brasileira de Infectologia

O infectologista Carlos Starling, consultor da CBF, defende o que chama de pedagogia do novo momento, ou seja, que a população aprenda a retomar diversas atividades de seu cotidiano, mas com as devidas restrições.

“É possível ter público nos estádios. Na grande maioria das capitais e nos locais com jogos temos uma incidência da doença em queda e a vacinação aumentando”, diz.

Ele ressalta, no entanto, que a vacinação e a exigência de testes negativos são medidas fundamentais para a segurança desses eventos. E, claro, que deve ser respeitado o distanciamento e o uso de máscaras.

“[As pessoas precisam cumprir as restrições] da mesma forma. Os protocolos tem que ser seguidos nos bares, nos teatros, nas escolas. Não é a quebra de protocolo em um evento isolado que afeta a pandemia, é a quebra na grande maioria que acaba afetando”, afirma.

Os protocolos elaborados pela CBF para a volta do público seguem um modelo matemático criado por Starling e pelo bioestatístico Braulio Couto, batizado de taxa de normalidade.

A matriz leva em consideração uma série de fatores: incidência da Covid (casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias) e tendência da incidência; mortalidade por 100 mil habitantes e tendência da mortalidade; letalidade e sua tendência; e percentual da população plenamente vacinada (todas as doses mais 15 dias).

Para cada um desses critérios é dada uma nota de 0 a 5, que, aplicada a uma fórmula matemática, resulta em uma taxa de normalidade (de 0% a 100%), que determina se e quantos torcedores podem estar no estádio.


Recomendações da CBF para volta do público

  • Taxa de normalidade menor que 30%: até 10% da capacidade dos estádios
  • Taxa de normalidade entre 31% e 50%: até 30% da capacidade dos estádios
  • Taxa de normalidade entre 51% e 75%: até 50% da capacidade dos estádios
  • Taxa de normalidade maior que 75%: mais de 50% da capacidade dos estádios

Poderemos pensar em estádios com 100% de sua capacidade só quando tivermos acima de 90% de taxa normalidade, com vacinação completa e teste negativo

Carlos Starling

Infectologista


A Prefeitura de Belo Horizonte, por exemplo, utiliza esse mesmo modelo para balizar a flexibilização de sua quarentena —a cidade atualmente tem sua taxa entre 70% e 80%.

Já no estado de São Paulo, o governo Doria determinou datas fixas (que podem ser revistas) para a volta das torcidas: de 4 a 14 de outubro, os estádios poderão receber até 30% da sua capacidade. Na sequência, o limite será de 50%. A partir de 1º de novembro, 100%.

A decisão final sobre a liberação de público e as restrições cabem às autoridades sanitárias de cada local.

O modelo de Starling, por outro lado, permite calcular a taxa de normalidade específica para cada município em determinado momento. E as restrições podem aumentar ou diminuir de acordo com o resultado.

"É muito interessante esse modelo [da taxa de normalidade]”, opina Ribeiro, apresentado a ele pela reportagem. “O monitoramento é fundamental, pois não temos ainda indicadores em relação ao impacto desses eventos de massa”, continua.

Starling afirma que fez esse monitoramento para Atlético-MG e River Plate, pela Copa Libertadores, no fim de agosto.

A partida, tida pela prefeitura de Belo Horizonte como um evento teste, ficou marcada pelo descumprimento dos protocolos dentro e fora do estádio e motivou, naquele momento, um recuo da gestão municipal quanto à liberação de torcidas.

Por meio do CPF, Starling acompanhou a situação de cada um dos presentes no Mineirão naquele dia.

“Mesmo com a quebra de protocolo, a incidência da Covid em quem estava no estádio nos 15 dias seguintes foi de 0,1%. Isso significa 100 casos por 100 mil habitantes. Naquele momento, a cidade em geral estava em 174 casos por 100 mil habitantes. Então aquele jogo não afetou em nada o risco das pessoas que estavam lá, foram 14 casos em 15 mil pessoas”, afirma ele.

Ambos alertam, no entanto, que como o futebol é um evento de grande exposição na sociedade, mesmo que o impacto do desrespeito aos protocolos não seja imediato, ele pode ter consequências graves.

“É um mau exemplo e mostra que não houve planejamento correto. Por isso, as autoridades sanitárias devem acompanhar de perto todas as medidas exigidas. A pandemia não acabou!”, diz Ribeiro.

“A banalização dos cuidados, seja no futebol, em um casamento, nas atividades escolares ou em qualquer evento, é um péssimo exemplo. Se os protocolos não forem seguidos, com certeza há uma probabilidade maior de isso afetar a pandemia [negativamente]”, completa Starling.

A reportagem procurou a CBF para questionar de quem é a responsabilidade de fiscalizar o cumprimento dos protocolos dentro dos estádios. Segundo a entidade, essa será uma obrigação dos clubes.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.