Descrição de chapéu The New York Times

Atletas de cidade dos EUA devastada por furacão tentam voltar à normalidade

Jovens, praticantes de cross-country, treinam em Grand Isle com sonho de retomar a vida de antes

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Jeré Longman
Grand Isle (Louisiana) | The New York Times

Certa tarde no final de outubro, Londyn Resweber, 14, estava correndo rumo ao crepúsculo do desastre. Pouca coisa estava intacta, dois meses depois que o furacão Ida varreu a única ilha habitada na costa da Louisiana, com ventos sustentados de até 240 km/h e ondas tempestuosas que chegaram a ultrapassar a marca dos três metros de altura. Quase tudo que mantinha a cidade em funcionamento tinha sido destruído.

Resweber passou correndo pela Grand Isle School, que talvez só venha a ser reinaugurada para ensino presencial depois do Natal. Também passou por dunas formadas pela areia removida da estrada principal da ilha e pela estátua do Lanterna Verde que alguém colocou na praia, um marco aparente de esperança e desafio, como se só um super-herói tivesse a capacidade de proteger a ilha, resistente mas vulnerável, contra a próxima grande tempestade.

Para Resweber, correr é uma das poucas coisas que continuam a ser familiares, habituais e costumeiras. O campeonato estadual de corridas cross-country da Louisiana aconteceria na segunda-feira seguinte. E a Grand Isle School é uma força entre as escolas de segundo grau. A equipe da escola, conhecida como Trojans, venceu o título estadual masculino em 2016 e chegou em segundo lugar em 2019 e 2020.

Moradores de Grand Isle se apoiam em corrida após devastação por furacão Ida
Moradores de Grand Isle se apoiam em corrida após devastação por furacão Ida - Bryan Tarnowski - 25.out.2021/The New York Times

No ano passado, quando estava na oitava série, Resweber chegou em quinto lugar na prova feminina de primeira divisão. Ela quer vencer este ano e vem treinando diariamente e postando seus tempos online, assim como fazem suas colegas de equipe, espalhadas por Louisiana, Texas, Alabama, Mississipi e Ohio, como as telhas das casas da ilha levadas pela tempestade.

Grand Isle, uma ilha de 11 quilômetros de comprimento, está em plena reconstrução, com muitas edificações escondidas por trás de tapumes, mas resta muita incerteza em meio à esperança. A ilha serve como uma proteção importante contra tempestades para Nova Orleans, localizada a cerca de 80 quilômetros de distância, do outro lado de um vasto estuário, e é renomada pela pesca e pelas aves. Mas, porque é atacada regularmente por tempestades, a ilha se tornou um símbolo bruto dos desafios que a Louisiana enfrenta com relação à mudança do clima: alta no nível do mar, erosão costeira, furacões cada vez mais poderosos, intensificação rápida e chuvas cada vez mais pesadas.

Os corredores, seus treinadores e a direção da escola esperam que competir no campeonato estadual sinalize, de alguma maneira, que a ilha, depois do afogamento, está determinada a voltar à superfície.

"É preciso recolher os cacos", disse Resweber.

Felizmente para a família dela, a casa em que eles vivem, construída sobre pilastras de quase seis metros de altura, sofreu relativamente poucos danos. Mas a maioria das edificações da ilha parecia danificada e estranhamente deslocada, quando as pessoas voltaram depois da evacuação. Um barco de alumínio tinha sido dobrado ao meio como se fosse uma nota de um dólar. Tábuas arrancadas de um telhado próximo estavam espetadas na parede lateral de uma casa como se fossem flechas. Por algum tempo, a família de Resweber teve de usar água bombeada da piscina para dar descarga e lavar as mãos. Para tomar banho, eles usavam água deixada para esquentar ao sol em caixas na varanda.

"Pareciam caixas de canja de galinha", disse Resweber.

O avô dela é chefe de polícia em Grand Isle, e seu pai é membro da polícia estadual; os dois têm o dever de estar presentes enquanto a ilha luta para se recuperar. Mas Resweber era a única integrante da equipe de corrida cross-country a ter voltado para a ilha, até o final de outubro. Cerca de 150 dos 1,4 mil moradores permanentes estavam de volta, de acordo com o prefeito. Quase todas as casas sofreram danos. Um quarto delas foi destruída.

A companhia regional de energia restaurou a eletricidade usando grandes geradores, mas a água de Grand Isle continua a não ser potável. Doações de água mineral estavam disponíveis na escola. A conexão com a internet continua intermitente. Dos 136 alunos da Grand Isle School antes da tempestade, 52 optaram por se matricular em outras escolas para concluir o ano letivo.

Apenas 20 crianças estavam presentes na ilha para uma festa comunitária de Halloween. Christine Templet, a diretora da escola, teme que o aprendizado virtual –forçado no ano passado pelo coronavírus e neste ano pelo furacão– venha a se provar insuficiente.

"Eu realmente me preocupo com a capacidade deles de reter o que estão aprendendo dessa maneira", ela afirmou.

Um dia desses, quando a internet caiu, Torey Resweber, 43, circulou quase 10 quilômetros de carro pela ilha até encontrar um lugar que oferece conexão sem fio, do lado de fora de uma casa desocupada, para que suas filhas, Londyn e Presley, 7, pudessem assistir às aulas online.

"Estacionei lá e elas puderam usar a picape como sala de aula", ela disse.

As autoridades locais, estaduais e federais enfrentam questões duras sobre os recursos que devem ser dedicados a restaurar a ilha. Uma manchete recente do The Times Picayune/New Orleans Advocate, um jornal da região, fazia uma pergunta grave: proteger Grand Isle contra uma nova tempestade que tenha o mesmo poder destrutivo do Ida vale o custo?

"As pessoas estão devastadas, mental, emocional e financeiramente", disse Denny Wright, 70, professor de educação física na Grand Isle School e treinador da equipe feminina e da equipe masculina de corrida, e do time masculino de basquete. "Sei que a ilha está se recuperando. Mas o que essa recuperação trará, não sei".

Ele e sua mulher, Peggy, percorreram mais de 6,4 mil quilômetros de carro desde a chegada do furacão, em 29 de agosto, e passaram curtos períodos hospedados com parentes e amigos na Louisiana, Mississipi, Alabama e Tennessee. No final de outubro, com as roupas penduradas em cabides na traseira de seu utilitário esportivo, eles voltaram a Grand Isle para ver qual era o estado de sua casa. Ela tinha sofrido danos no telhado durante o furacão, e o mofo tinha atingido os armários embutidos, que pendiam para fora das paredes. De lá para cá, um empreiteiro praticamente demoliu a parte interna da casa e instalou novas divisórias.

Peggy Wright, 67, estava em pé na varanda, contemplando o esqueleto de sua casa e os danos catastróficos sofridos por outras moradias vizinhas, e sua preocupação era que multa gente talvez não tivesse dinheiro para voltar, dado o custo dos seguros e da reconstrução. Lágrimas corriam pelo seu rosto.

"Oh, meu coração", ela disse.

Denny Wright é treinador há 48 anos, quase sempre de basquete, no nível escolar e universitário, "sempre apitando para parar o treino".

Na lua de mel do casal, em 1976, ele insistiu em que Peggy o acompanhasse a um jogo do New Orleans Jazz, para ver Pete Maravich. Como treinador assistente da Universidade Estadual McNeese, em Lake Charles, Louisiana, ele assessorava o treinador chefe Joe Dumars, um armador que conquistou títulos na NBA com os "bad boys" do Detroit Pistons, em 1980 e 1990, e é integrante do Hall da Fama do basquete.

Perguntado se o furacão o convenceria a se aposentar, Wright disse que "não posso tomar essa decisão agora. Há muita coisa ainda por saber".

Por enquanto, ele vai seguir o conselho que sempre deu aos seus atletas. "Vá até o fim". Complete sua tarefa.

Wright estava sentado à sombra de sua garagem, usando um laptop e uma conexão sem fio de internet para dar aula de educação física a alunos de oitava série. Com a aproximação do campeonato estadual de cross-country, ele disse a Jaide McCullough e a outra integrante da equipe de corrida que tiveram de deixar a ilha que "vocês todas precisam apertar o ritmo. Precisamos garantir que estejamos dando nosso máximo esforço".

Logan Camardelle, aluno de quarta série do segundo grau que ficou em 10º lugar em um campeonato estadual dois anos atrás, está morando com suas irmãs em Austin e San Antonio, Texas, e assiste aulas virtualmente na Grand Isle School. Ele corre na rua com seu cunhado e às vezes usa uma esteira rolante para correr alguns quilômetros. Um acúmulo de fluido em seus joelhos o forçou a parar de treinar por algum tempo, mas Camardelle disse que vai voltar para disputar o campeonato.

"Quando consegui o 10º lugar, a sensação foi tão boa que fui capaz de imaginar como seria ter uma classificação melhor, entre os cinco primeiros", ele disse.

Logan é primo de David Camardelle, 65, há muito tempo o prefeito de Grand Isle, que costuma dizer sempre que ficará na ilha enquanto houve areia suficiente para fincar uma bandeira dos Estados Unidos. Logan quer muito voltar para casa, voltar à beleza e tranquilidade da ilha, à disciplina dos treinamentos de cross-country e de basquete, mas sabe que tempestades continuarão a surgir. Um amigo de seu pai morou em uma casa de praia que custou US$ 210 mil (cerca de R$ 1,14 milhão) por apenas dois meses, antes de ela ser devastada pelo furacão.

"Não sei quantas das casas das pessoas da ilha serão capazes de aguentar mais uma pancada como aquela", disse Logan Camardelle.

David Camardelle fala sobre Grand Isle como "a primeira linha de defesa" de Nova Orleans. Ele apelou urgentemente pela colocação de mais pedras de grande porte nas águas do Golfo do México, para servirem como quebra-mares e preservar a praia de Grand Isle. E pediu que argila, não areia, seja usada para encher os tubos de tecido que servem como espinha dorsal do sistema de proteção da ilha. A estrutura de quatro metros de altura, conhecida localmente como "barragem burrito", se rompeu em determinados pontos durante o furacão, levando certas seções da Rodovia Estadual 1, a única estrada que leva à cidade, a ficarem soterradas sob 1,5 metro de areia.

Chip Kline, o presidente da Autoridade de Proteção e Restauração Costeira da Louisiana, disse em uma reunião recente da organização que o governo federal precisava de ideias mais criativas para proteger Grand Isle. Durante o furacão Ida, a barragem de areia derreteu em alguns pontos, como açúcar no café. Muitos cientistas expressaram apoio a programas para auxiliar as pessoas a deixar a vulnerável costa da Louisiana, onde é provável que aconteça uma queda nos recursos federais destinados à reconstrução e recuperação à medida que as tempestades se tornarem mais frequentes.

"A questão não é decidir se Grand Isle vai se tornar inabitável em algum momento do futuro, mas sim de determinar quando isso acontecerá", disse Torbjorn Tornqvist, geocientista especialista em questões costeiras na Universidade Tulane. "Isso se aplica a diversos lugares na Louisiana. E em última análise se aplica também a Nova Orleans".

Bobby Jackson, 15, que joga basquete e faz parte da equipe de cross-country da Grand Isle School, treinava cinco dias por semana antes da tempestade. Ele está vivendo com os avós em Robertsdale, Alabama, e planejava disputar o campeonato estadual mesmo que tenha perdido o entusiasmo para treinar para a disputa.

"Estou acostumado a treinar com a equipe", ele disse. "Eles me estimulam. Não é algo que eu tenha aqui."

A casa de seus avós na ilha, onde ele morava, teve seu telhado arrancado pelo furacão, e a maior parte do interior ficou arruinada, disse. A tabela de fibra de vidro de sua cesta de basquete rachou. Ele não tem certeza de que seus avós escolherão voltar a Grand Isle. Eles estão ficando velhos, disse Jackson, e "é difícil voltar para algo como o que aconteceu lá. Muito deprimente. A reconstrução vai demorar demais".

O pai dele, pescador, ficou em Grand Isle. Jackson diz que pretende morar com ele caso seus avós não retornem quando a escola reabrir. Ele quer jogar basquete.

"Recuso-me a morar em outro lugar que não a ilha", ele disse. "Para mim, ela é perfeita."

A família Resweber sente a mesma atração incondicional. Na corrida de muitos quilômetros que Londyn fez pela ilha em outubro, ela passou por um restaurante reaberto cuja placa era uma porta arrancada pela tempestade e reaproveitada. A tinta verde das placas de rua tinha sido removida completamente pelo vento e pela areia, deixando-as brancas. As ruazinhas estreitas pareciam túneis de devastação.

Ela vai tentar ao máximo melhorar sua colocação do ano passado, o quinto lugar no campeonato estadual, disse Resweber.

"Se não conseguir, tudo bem. Sei que passei por muita coisa", ela disse.

Tradução de Paulo Migliacci

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