Formiga se despede da seleção deixando legado e um vácuo

Meia marcou geração que fez futebol feminino crescer no Brasil

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São Paulo

Miraildes Maciel Mota nasceu em 1978, um ano antes do fim da proibição ao futebol feminio no Brasil. Começou a jogar bola aos sete, nas ruas de Salvador, capital da Bahia, e apanhou até dos próprios irmãos por se atrever a enfrentar os meninos na pelada.

Aos 17, disputou sua primeira Copa do Mundo. Ouviu que o então treinador da seleção, o Dema (Ademar Fonseca Junior), era irresponsável por colocá-la em campo.

Hoje, aos 43, Miraildes se despede da seleção brasileira como recordista em partidas disputadas pelo país, em participações olímpicas (sete), em participações em Copa do Mundo (também sete) e tendo dedicado 26 anos, mais da metade de sua vida, à camisa da equipe nacional.

Formiga em ação pela seleção brasileira, em 2019
Formiga em ação pela seleção brasileira, em 2019 - Julia Chequer - 29.ago.2019/Folhapress

Formiga, apelido que a acompanhou em sua trajetória nos gramados, encerra sua carreira na seleção brasileira como vencedora. Não necessariamente de títulos —foi campeã da América, duas vezes medalhista olímpica e tricampeã tanto do Pan-Americano quanto da Libertadores –, mas sobretudo por ter superado o preconceito de quem um dia pensou que o futebol não era o lugar dela.

À Folha, Formiga não escondeu sua motivação para continuar jogando, mesmo aos 43 anos de idade. Em entrevista, antes das Olimpíadas de Tóquio, responde u: "Principalmente as críticas".

"[Falavam] Para minha mãe me tirar do futebol, porque eu não ia dar em nada, que eu ia acabar engravidando rápido, porque eu andava no meio dos meninos, e por aí vai. Essas coisas, me chamavam de mulher macho, que daqui a pouco eu ia estar roubando... São coisas que realmente se tornaram um combustível para mim [...] E a minha resposta está aí".

Formiga não foi apenas uma resposta aos críticos, mas também (e talvez principalmente) a milhares de meninas que se perguntavam se era possível, mesmo, ser jogadora de futebol.

Ao lado de Marta e Cristiane, formou o trio que fez história no futebol feminino do Brasil e que, como ela faz questão de ressaltar, deu continuidade ao trabalho das chamadas "pioneiras", a geração anterior de jogadoras que ainda hoje é pouco reconhecida.

Formiga se despede da seleção 30 anos depois da primeira Copa do Mundo feminina da história, a única que ela não disputou.

Seu último jogo acontece nesta quinta-feira (25), contra a Índia. A partida está marcada para as 22h (horário de Brasília), na Arena Amazônia, e terá transmissão do SporTV.

No entanto, nem tudo é festa. "Estou em Manaus e não há absolutamente qualquer divulgação do jogo por aqui", afirmou a jornalista Helena Rebello, na noite de terça-feira (22), com dois dias para o jogo.

Como apontou Renata Mendonça, colunista da Folha, a partida sequer tinha horário definido até a noite de segunda (21). Os ingressos só começaram a ser vendidos na tarde seguinte, menos de 72 horas antes do amistoso —e o mais barato custa R$ 80.

"A CBF acerta quando marca uma despedida para a Formiga, mas erra demais em tudo o que faz depois disso. O jogo foi anunciado em 9 de novembro. Eles deveriam ter anunciado detalhes sobre ingressos já naquela semana. Deveriam ter usado os últimos 14 dias para promover esse evento com a grandeza que ele merece", afirma Mendonça.

Um contraste, por exemplo, com a despedida de Carli Loyd da seleção dos Estados Unidos, em outubro deste ano: estádio lotado e quase 2 minutos de aplausos e abraços entre o momento em que a placa anunciou que ela seria substituída e o instante em que a jogadora de fato saiu do campo.

Formiga deixará uma seleção brasileira completamente diferente da que encontrou 26 anos atrás. Em 1995, o time nacional sequer disputava amistosos. Era impossível pensar em sustentar sua vida por meio do esporte.

Ainda que o cenário hoje esteja longe do ideal, foi a geração de Formiga que conseguiu revolucionar o futebol feminino no país –e também no mundo. A sua despedida abre também um vácuo, e não só no meio de campo da equipe nacional.

"Já é difícil produzir uma craque; produzir três, na mesma geração, é quase impossível. A questão é que o Brasil perdeu talentos para outros países, pelo fato de não investir na base e não dar condições para as meninas. A Catarina Macario, brasileira, escolheu representar a seleção americana porque está lá desde os 12, 13 anos e é tratada como grande promessa. Não tenho dúvida de que já perdemos inúmeras Martas, Cristianes e Formigas nas últimas décadas", conclui a colunista.

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