Descrição de chapéu Dia da Consciência Negra

Irmãos são xingados de 'macacos' no Mineirão no Dia da Consciência Negra

Publicitário e estudante registraram boletim de ocorrência por injúria racial neste sábado (20)

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Rio de Janeiro

O primeiro tempo se encerrava e o placar ainda marcava zero a zero quando os irmãos Carlos Miguel, 25, e Carlos Eduardo Lopes de Almeida, 22, paralisaram ao serem chamados de "macacos" três vezes. Era noite de sábado (20) e o Dia da Consciência Negra já chegava ao fim.

Eles, as namoradas e dois primos assistiam ao Atlético-MG jogar contra o Juventude nas arquibancadas do estádio do Mineirão, em Belo Horizonte, mas não deu nem tempo de ver o Galo marcar dois gols e se aproximar da taça do Campeonato Brasileiro.

O publicitário Carlos Miguel conta que uma das primas, parada no corredor, passou a ser empurrada por um torcedor bêbado que tentava descer para chegar às cadeiras de baixo. "Espera aí que vou arredar", disse ela na gíria mineira, querendo dizer que se afastaria.

"É bom vocês arredarem mesmo que eu vou passar por cima de vocês", ele teria respondido. Vendo que os irmãos olhavam a cena, disparou: "O que vocês estão olhando, seus macacos?", deixando ambos sem reação. O homem então desceu o degrau e foi puxado pelo próprio filho.

Os irmãos posam com o punho direito erguido
Carlos Eduardo (esq.) e Carlos Miguel Lopes de Almeida relataram ataques racistas no Mineirão - @migueelrs no Instagram

"Você está defendendo esse bando de macaco aí?", voltou a declarar apontando para os dois. O filho mais uma vez chamou sua atenção e alertou que conhecia os irmãos, mas ele gritou pela terceira vez: "Não quero saber, não. É um bando de macaco", ainda segundo o relato.

Carlos Eduardo, que é estudante de educação física, chegou a indagar: "O que você falou?", e o torcedor replicou: "Eu só não vou repetir senão você vai chamar a polícia". Depois sumiu na multidão.

"Todo mundo em volta escutou", diz Carlos Miguel, que afirma estar desolado. "É complicado, a gente se prepara para o combate, milita, mas chegou na hora e eu só queria ir embora para casa. É um choque tão grande que a gente perde o raciocínio, a noção de lugar. Ninguém está preparado para isso."

Ele conta que a família então recebeu apoio de seguranças, que os levaram até a delegacia no interior do estádio para registrar um boletim de ocorrência por injúria racial. Os funcionários chegaram a procurar o agressor nas arquibancadas naquele momento, mas não o encontraram mais.

O torcedor vive na mesma cidade que os irmãos, Nova Lima, na região metropolitana de BH, por isso eles se conhecem, mas não têm qualquer relação. Segundo Carlos Miguel, ele já foi identificado pela polícia e deverá ser chamado para depor.

Procurada, a Polícia Civil de Minas Gerais informou apenas que a ocorrência foi encaminhada para a 3ª Delegacia Noroeste para a apuração dos fatos e que "mais informações serão repassadas em momento oportuno".

O publicitário diz que todos ainda estão processando psicologicamente o que aconteceu e que estão em casa recebendo o apoio da família e amigos: "Infelizmente é uma coisa que não sai da nossa cabeça. Todo mundo que estava lá está muito abalado, porque quando ele se referiu a um bando de macacos, estava se referindo a todos nós".

Ele também afirma que está recebendo muitas mensagens depois que publicou um relato sobre o ocorrido em suas redes sociais. "Pensando em quantos livros eu já li, quantas vezes me preparei para o combate, quantas vezes nós já passamos por essa situação na vida, nós dois, eu e meu irmão, nós lutamos desde que nascemos", escreveu.

"E quando um homem nos chamou de macaco eu só queria o colo da minha mãe, pensando em proteger meu irmão sem saber o que fazer aos prantos, chorando. A vitória do Galo já não fazia mais sentido, o mundo não fazia mais sentido e sentimos que, apesar da vitória, ali havíamos perdido. Mais um Dia da Consciência Negra e o alvo continua no nosso peito!", completou.

Questionado sobre outros episódios de racismo pelos quais já passou, Carlos Miguel responde que foram tantos que não valeria mencionar: "Todo mundo sofre um pouco, meus pais, meus tios, meus amigos. Os traumas que isso deixa na gente, só a gente sabe falar".

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.