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Técnicos negros ganham mais chances na NBA após demanda de jogadores

Temporada tem avanço na representação em meio a diálogo sobre práticas de contratações

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Scott Cacciola
The New York Times

Jamahl Mosley viajou o mundo inteiro pelo basquete.

Jogou por times profissionais no México, Austrália, Espanha, Finlândia e Coreia do Sul. Era membro da comissão técnica do Denver Nuggets e encarregado do desenvolvimento de jogadores quando Carmelo Anthony jogou lá. Foi treinador assistente do Cleveland Cavaliers durante os quatro longos anos posteriores à saída de LeBron James para o Miami Heat. Os anos finais de Dirk Nowitzki e os anos iniciais de Luka Doncic no Dallas Mavericks? Mosley estava lá também, como treinador assistente.

Ele trabalhou por 16 temporadas em comissões técnicas da NBA, desenvolvendo seu talento e esperando por sua grande oportunidade como treinador principal.

Na universidade, ele seguiu o conselho de sua mãe e escolheu jogar em um time cujo treinador era negro, a fim de aprender técnicas de liderança com uma pessoa que se parecesse com ele. As dúvidas sobre se ele um dia conseguiria um emprego do tipo que esperava só vieram à tona nos últimos anos, quando ele participou de sete processos seletivos para postos de treinador principal na NBA —e foi rejeitado todas as vezes.

Treinador fala e gesticula na beira da quadra
Jamahl Mosley agora comanda o Orlando Magic na NBA - Nic Antaya/AFP

"Porque eu sabia que era qualificado para o trabalho", disse Mosley. "E sabia que tinha me saído bem nas entrevistas. E sabia que tinha a capacidade necessária para fazer o serviço."

As posições executivas e de treinador nos times da NBA há muito tempo são dominadas por homens brancos, embora mais de 70% dos jogadores da liga sejam negros. Mas neste ano Mosley terminou por se ver envolvido em uma tendência incomum, no período de contratações anterior à temporada: 7 dos 8 postos de treinador chefe que estavam vagos na liga foram preenchidos por candidatos negros.

Cinco deles, entre os quais Mosley, chegaram a esse posto pela primeira vez em suas carreiras. Os demais são Wes Unseld Jr., do Washington Wizards; Willie Green, do New Orleans Pelicans; Ime Udoka, do Boston Celtics; e Chauncey Billups, do Portland Trail Blazers.

"Quinze anos atrás, nós provavelmente não teríamos conseguido esses cargos", disse Green.

O avanço na representação —agora, 13 dos 30 postos de treinador principal da liga são ocupados por negros e dois dos demais treinadores chefes tampouco são brancos— surgiu em meio a um diálogo nacional mais amplo sobre raça e sobre as práticas dos times na hora de contratar profissionais.

Os jogadores negros fizeram com que suas vozes fossem ouvidas, em busca de mudanças que eles consideram que já deveriam ter acontecido há muito tempo.

"Essa é uma mácula na liga, e ninguém pode negar", disse Michele Roberts, diretora-executiva do sindicato dos jogadores da NBA, "e precisamos continuar trabalhando para que as coisas melhorem".

'Um elo cultural natural'

Muito antes que se tornasse treinador do Celtics, Udoka já era, em sua descrição, um estudioso do basquete. Quando adolescente, em Portland, Oregon, ele gravava em vídeo jogos de alguns de seus atletas universitários favoritos, destaques como Lawrence Moten, da Universidade de Syracuse, e Lamond Murray, da Universidade da Califórnia em Berkeley. Depois, ele ia a uma quadra perto de sua casa e tentava imitar os movimentos deles. Udoka ainda tem uma pilha dessas fitas de VHS em sua casa.

"Eu não era o cara mais atlético ou mais talentoso", disse Udoka, "e por isso precisava realmente usar o cérebro para encontrar alguma vantagem. Eu sempre refletia sobre o jogo enquanto estava em quadra, via as coisas de uma certa maneira, e os treinadores percebiam isso em mim".

Udoka cresceu em um bairro predominantemente negro, estudou em uma escola negra e teve treinadores negros. Ele não era especialmente consciente de questões de raça, diz, porque aquele ambiente era tudo que conhecia. Mas o treinador dele no segundo grau "sempre pregava a ideia de família, de união e de irmandade", disse Udoka, e essas foram lições que ele carregou consigo pela vida.

Treinador ergue o braço direito e aponta para cima
Ime Udoka assumiu o comando do Boston Celtics na atual temporada - Maddie Meyer - 22.out.21AFP

Udoka passou por diversos times da NBA, como um ala especializado em defesa, e foi durante esse período que, em suas palavras, ele "contraiu o vírus" de uma carreira como técnico. Udoka ajudou a criar um time da Amateur Athletic Union em Portland, que incluía Terrence Ross e Terrence Jones, dois futuros jogadores da NBA. Também participou de clínicas para treinadores organizadas pelo sindicato de jogadores da NBA.

Depois de encerrar sua carreira como jogador, ele começou a trabalhar como treinador assistente do San Antonio Spurs, em 2012, sob o comando do técnico Gregg Popovich.

A vaga no Celtics surgiu em junho, quando o time anunciou que Brad Stevens, que tinha comandado a equipe por oito temporadas, se tornaria o novo presidente de operações de basquete. Jaylen Brown, um dos jovens astros do time, disse em uma recente entrevista ao site The Undefeated que havia pedido ao clube que contratasse um treinador negro. A questão da representação também era importante para ele.

"Jogadores estavam pedindo, exigindo, ver mais caras parecidos com eles nas comissões técnicas", disse Udoka. Ele acrescentou que "no trabalho dos treinadores, acho que houve uma mudança da ênfase da tática e dos planos de jogo para o valor dos relacionamentos. E treinadores negros terão um elo cultural natural com seus jogadores".

Queixas cada vez mais audíveis

Cerca de três anos atrás, Rick Carlisle, presidente da National Basketball Coaches Association, associação americana de treinadores de basquete, começou a ouvir de cada vez mais jovens treinadores assistentes, de origens diferenciadas, que a sensação deles era a de que não estavam encontrando oportunidades reais de conquistar postos como treinadores principais.

A liga e a associação dos treinadores logo começaram a desenvolver a NBA Coaches Equality Initiative, um programa de desenvolvimento para jovens treinadores, com o objetivo de garantir que os candidatos qualificados sejam considerados quando surgem oportunidades de emprego. Desde 2019, foram realizados numerosas oficinas, conferências, mesas-redondas e eventos de networking.

E existe um app, um banco de dados de treinadores que foi lançado no ano passado e agora inclui perfis de cerca de 300 treinadores, e as figuras poderosas da liga —proprietários, presidente e outros executivos de clubes— têm acesso aos nomes, disse Carlisle. Os treinadores podem subir seus currículos, discorrer sobre suas filosofias e até postar vídeos de suas entrevistas online.

É como uma versão do app Bumble, mas direcionada aos treinadores de basquete. E tudo isso é parte de uma missão mais ampla, disse Oris Stuart, diretor de pessoal e inclusão da liga.

"Temos um diálogo constante com nossos times sobre a importância de garantir que, em sua tomada de decisões, o processo seja inclusivo", disse Stuart. "Nosso foco é a importância de garantir que os melhores talentos sejam considerados, que o nosso alcance seja amplo, e que nos esforcemos para ir além das redes preestabelecidas com que as pessoas sempre trabalharam".

Mas nos últimos 12 meses, os processos que levaram à contratação de dois treinadores brancos – inclusive a de Carlisle pelo Indiana Pacers– foram criticados por não parecerem inclusivos.

'Uma questão sistêmica'

Como aluno de economia na Universidade Johns Hopkins, Wes Unseld Jr. imaginava que sua carreira seria no ramo dos bancos de investimento. Mas ele passou duas férias de verão, antes de se formar em 1997, como estagiário no Washington Wizards.

O pai dele, Wes Unseld, que foi um dos jogadores mais famosos do time então conhecido como Washington Bullets e é integrante do Hall da Fama do basquete, estava trabalhando como diretor-geral da equipe depois de sete temporadas como treinador principal. Unseld pai ofereceu ao filho a oportunidade de aprender alguma coisa sobre o trabalho no basquete, caso o mundo financeiro não fosse a escolha certa para ele.

Wes Unseld Jr. orienta o time na beira da quadra, com os braços esticados um para cada lado
Wes Unseld Jr. rodou por diferentes funções até virar o técnico principal do Washington Wizards - Rob Carr - 22.out.21/AFP

"Se você quer fazer parte deste negócio, precisa aprender sobre ele", Unseld Jr. se recorda de o pai ter lhe dito. "Eu achei que, bem, seria bom aprender sobre basquete, mas meu pai me disse que eu passaria por todos os departamentos. Relações com o público, relações públicas, marketing, vendas... qualquer função que você citar, eu fiz."

Unseld, que foi um bom jogador de basquete na universidade (a Johns Hopkins joga na Divisão 3 do basquete universitário americano), não demorou a perceber que não conseguiria deixar o basquete de lado e logo se tornou um dos muitos trabalhadores anônimos que fazem a NBA funcionar.

Depois de oito temporadas como olheiro para o Washington, ele passou as 16 temporadas seguintes como treinador assistente de diversos times da liga. Refinou esquemas ofensivos. Ajudou a montar defesas. No Wizards, o apelido dele era "The Genius", por sua atenção a detalhes e conhecimento instintivo do jogo. No Denver, ele ajudou a transformar Nikola Jokic e Jamal Murray em astros.

Mas não conseguia encontrar emprego como treinador principal. Unseld Jr. diz que nunca teve certeza de que raça fosse um fator. "Se uma oportunidade não se concretiza, às vezes é fácil perguntar se não terá sido por isso", ele disse. "Pode ser que sim. É difícil afirmar."

No começo da temporada 2012-2013, havia um recorde de 14 treinadores chefes negros no comando de times da NBA, mas o número caiu em temporadas subsequentes, mostrando que o progresso pode ser tênue. Unseld Jr. disse que "a NBA é um negócio que funciona em torno de uma rede de relacionamentos, como todos os negócios".

"Se você não tem conexão com os poderosos, pode ser difícil", ele disse. "Não sei se é uma forma aberta de não entrevistar candidatos negros ou não dar uma chance aos não brancos; o que talvez aconteça é que esses candidatos não têm a rede de relacionamentos de que precisam para conseguir o posto. É mais uma questão sistêmica."

Roberts elogiou a associação dos treinadores por seu esforço para tratar da questão nas últimas temporadas, mas a verdadeira força, ela disse, vem dos jogadores.

"Um time feliz provavelmente é um time de mais sucesso", ela afirmou. "E se os jogadores acreditarem que os dirigentes estão desprezando as preocupações que eles articulam sobre as comissões técnicas, que motivação eles teriam para ficar em um time?"

Tradução de Paulo Migliacci

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