Ex-jogador da NFL que matou 6 pessoas sofria de doença cerebral

Médico identificou ETC crônica em Phillip Adams, que se suicidou após os ataques

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Jonathan Abrams
The New York Times

Um exame póstumo do cérebro de Phillip Adams, 32, ex-jogador da NFL que se aposentou do esporte depois de uma carreira sem muito sucesso e matou seis pessoas a tiros antes de se suicidar, em abril, revelou que ele sofria de uma forma "incomumente severa" de Encefalopatia Traumática Crônica (ECT, também conhecida como demência pugilística), uma doença degenerativa do cérebro encontrada em atletas e outras pessoas que tenham um histórico de sofrer golpes repetidos contra a cabeça.

A médica Ann McKee, diretora do CTE Center na Universidade de Boston, disse que um exame do cérebro de Adams mostrou lesões significativamente densas nos dois lobos frontais, um diagnóstico anormalmente severo para uma pessoa na faixa dos 30 anos, e bastante semelhante ao de Aaron Hernandez, antigo tight-end do New England Patriots que se suicidou aos 27 anos depois de ser condenado por um homicídio que cometeu em 2013.

Jogador com camiseta preta e capacete cinza corre com a bola de futebol americano na mão
Phillip Adams em ação pelo Oakland Raiders na NFL - Kirby Lee - 15.set.13/Reuters

O surto violento de Adams transformou um dia de começo de primavera em um pesadelo que abalou a comunidade de Rock Hill, Carolina do Sul, uma cidade de 65 mil habitantes na qual o futebol americano tem lugar central; Rock Hill produziu diversos jogadores de talento, e seu apelido é Football City USA.

As vítimas foram Robert Lesslie, um respeitado médico local; sua mulher, Barbara; e dois dos netos do casal, Adah, 9, e Noah, 5. Adams também matou dois técnicos de ar condicionado, James Lewis e Robert Shook, que ele confrontou na casa dos Lesslie. Mais tarde, ele se barricou na casa da família, e em seguida se suicidou a tiros.

"Os últimos oito meses foram inimaginavelmente difíceis", afirmou a família Lesslie em um comunicado. "Mesmo em meio ao nosso sofrimento esmagador, os resultados quanto à ETC nos reconfortam um pouco ao oferecer uma explicação para os comportamentos irracionais que resultaram nessa tragédia."

Kevin Tolson, xerife do condado de York, onde fica Rock Hill, disse na terça-feira que a investigação policial não havia identificado qualquer conexão entre Adams e os Lesslie, e não existia documentação mostrando que Adams tivesse sido paciente de Lesslie.

Advogados que representam a família de Shook solicitaram acesso às constatações do exame de ETC e contrataram investigadores particulares para tentar determinar como Adams obteve as armas de fogo usadas nos homicídio. A intenção é incluir esses detalhes em um processo aberto contra o espólio de Adams em julho. Uma audiência sobre o caso está marcada para o dia 4 de janeiro.

Homem ajeita flores deixadas em frente a uma porta de vidro
Homenagens à família Lesslie em Rock Hill - Sean Rayford - 8.abr.21/AFP

Adams usou duas armas, pistolas calibre .45 e 9 mm, nos ataques. A polícia encontrou mais de 20 outras armas de fogo na casa de Adams, segundo Tolson. Em 2016, ele tinha sido acusado do delito de porte de uma arma oculta, na Carolina do Norte.

Acredita-se que a ETC seja causada por golpes repetidos contra a cabeça, e seu diagnóstico só é possível postumamente. A doença cerebral degenerativa foi vinculada a sintomas alarmantes, como mudança de personalidade, perda de memória e rompantes impulsivos.

"Patologias severas do lobo frontal podem ter contribuído para as anormalidades comportamentais de Adams, além de fatores físicos, psiquiátricos e psicossociais", disse McKee em uma entrevista coletiva na terça-feira. "Teoricamente, a combinação entre controle precário dos impulsos, paranoia, capacidade de decisão restrita, instabilidade emocional, ira e tendências violentas, causados por danos ao lobo frontal, poderia convergir e reduzir a resistência de um indivíduo à prática de atos homicidas –mas em geral esse tipo de comportamento é multifatorial".

Adams era defensive back e foi selecionado pelo San Francisco 49ers na sétima rodada do draft da NFL em 2010. Ele passou por muitos times na liga, defendendo o Patriots, o Seattle Seahawks, o Oakland Raiders, o New York Jets e o Atlanta Falcons, antes de encerrar sua carreira em 2015.

A trajetória dele foi parecida com as de muitos jogadores que nunca encontram um espaço firme na NFL. Mas Adams teve dificuldade para lidar com fim de sua vida em campo, disseram pessoas próximas a ele depois dos homicídios, especialmente quando seu último esforço para conseguir uma vaga na liga fracassou.

Ele continuou morando perto de sua família, ajudando a cuidar de sua mãe, Phyllis, ex-professora de segundo grau que ficou paraplégica depois de um acidente de automóvel uma década atrás.

A família de Adams disse aos investigadores que vinha enfrentando dificuldade para dormir devido à dor lancinante que sentia na cabeça por conta de lesões sofridas durante sua carreira esportiva. Uma lesão séria no tornozelo pôs fim à sua primeira temporada na liga, e ele sofreu pelo menos duas concussões documentadas quando jogava pelo Raiders.

Adams também se queixava à sua família de falhas de memória frequentes, de acordo com Sabrina Gast, legista do condado do York. Ela disser ter encontrado no organismo de Adams anfetaminas e Kratom, um medicamento não regulamentado que supostamente ajuda a aliviar dores crônicas e pode produzir efeitos semelhantes aos dos opioides, se consumido em grandes doses.

"Existiam indicações de que ele estava desenvolvendo questões comportamentais e cognitivas claras", disse McKee. "Não acho que ele tenha simplesmente estourado. Ele estava se comportando de modo cada vez mais paranoico, tendo dificuldades de memória cada vez maiores e era provável que estivesse registrando comportamento cada vez mais impulsivo."

Jogador com camiseta branca e capacete cinza olhando para o lado
Phillip Adams rodou por alguns times na NFL, mas sentia-se frustrado com o fim da carreira na liga - Maddie Meyer - 8.dez.13/AFP

A família de Adams concordou em que seu cérebro fosse enviado para um teste de ETC na Universidade de Boston, um dos principais polos de pesquisa da doença. Mais de 315 ex-jogadores da NFL receberam diagnósticos póstumos de ETC, entre os quais 24 que morreram na casa dos 20 e 30 anos, de acordo com McKee.

Junior Seau, 43, e Dave Duerson, 50, foram diagnosticados como portadores de ETC depois de suas mortes por suicídio; o mesmo se aplica a Jordan Belcher, linebacker do Kansas City Chiefs que matou a namorada e depois se suicidou a tiros aos 25 anos, em 2012.

"Não é possível afirmar que os resultados nos surpreendam, mas foi chocante ver o quanto a condição dele era severa", afirmou a família de Adams em comunicado. "Depois de estudar os registros médicos de sua carreira no futebol americano, sabemos que ele estava buscando ajuda da NFL desesperadamente, mas todas as reivindicações foram negadas devido à sua incapacidade de recordar coisas e de lidar com tarefas aparentemente simples como viagens de algumas horas de duração para ir ao médico e passar por exames extensos."

A NFL não respondeu de imediato a um pedido de comentário sobre as constatações referentes ao exame de Adams.

Scott Casterline, ex-agente de Adams, disse ter recomendado um advogado que poderia ajudá-lo a abrir um processo, mas Adams subitamente dispensou o advogado, por volta de janeiro de 2020. Casterline disse que ofereceu ajuda para que Adams obtivesse acesso aos registros médicos, e que ele tinha consultas marcadas para ser examinado por médicos independentes, mas não foi a elas.

"Lembro de ele ter me dito que tinha de viajar a Atlanta, mas nunca foi, e mais tarde telefonei para o seu pai para perguntar o que tinha acontecido", disse Casterline. "Ele disse que seu filho não estava preparado para ir. Não tinha a capacidade."

Casterline se comunicava com Adams principalmente por mensagens de texto e telefonemas, nos últimos anos e, depois das revelações da terça-feira, disse que tem preocupações renovadas quanto a outros clientes que deixaram a NFL.

"Se eu soubesse que Phillip estava com problemas, teria apanhado um avião", disse Casterline. "Mas não percebi. Isso é duro. Seu pai e mãe sabiam que havia algo de errado com ele, mas achavam que ele logo sairia daquela."

Tradução de Paulo Migliacci

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.