Descrição de chapéu COB

Falta em Brasília um olhar mais atento ao esporte, diz presidente do COB

Apesar de queda no investimento estatal, Paulo Wanderley promete resultados em Paris-2024

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São Paulo

O recorde de medalhas do Brasil nas Olimpíadas de Tóquio contrasta com a queda no investimento estatal no esporte brasileiro desde os Jogos do Rio de Janeiro-2016.

No cenário da política esportiva, importantes dispositivos, como a Lei Geral do Esporte e o Sistema Nacional do Esporte, estão empacados no Congresso. No governo, o Plano Nacional do Desporto, previsto em lei desde 1988, ainda não saiu do papel.

"Falta um olhar mais atento ao esporte, que não é só o esporte [de rendimento], é o esporte como educação e saúde", diz à Folha Paulo Wanderley, presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil).

Paulo Wanderley Teixeira, presidente do Comitê Olímpico do Brasil
Paulo Wanderley Teixeira, presidente do Comitê Olímpico do Brasil - Ricardo Borges - 13.out.2017/Folhapress

Wanderley afirma que ainda não soube de planos para a área por parte dos possíveis candidatos à eleição de 2022. Entende que seria bom voltar a ter um ministério, mas evita criticar o trabalho da atual Secretaria de Esporte.

Com mandato até 2024, ano dos Jogos de Paris, assegura: "Não vamos ter resultado menor do que o de Tóquio. Pode escrever e me cobrar depois".

Qual o balanço da participação do Brasil em Tóquio? Em linhas gerais, foi boa, num momento atípico para todos. Esperávamos resultado melhor do vôlei de praia e do judô. Tivemos boas performances de modalidades que entraram [surfe e skate], o que ajudou no quadro de medalhas, sem dúvida. Além do boxe, um esporte que está se consolidando. Atendemos às expectativas.

O Nordeste teve protagonismo inédito em Tóquio, mas muitos atletas precisam deixar a região para ter acesso a aparelhos esportivos de alto nível. Por que isso ocorre e qual é a responsabilidade do COB? A descentralização [do eixo Sul/Sudeste] está dentro da nossa política, prova disso foi o Prêmio Brasil Olímpico em Aracaju [SE]. Vamos ter um congresso olímpico em Salvador [BA]. Mas sempre foi desse jeito, os atletas migram. O Nordeste e o Centro-Oeste vêm para o Sul e Sudeste. O Brasil vai para a Europa, não é verdade? Isso é um sistema, questões estruturais. Nós estamos atentos e com essa visão de descentralização. Isso será corrigido.

Quais são os planos concretos? Quem executa são as confederações, as federações. O que a gente tenta evoluir é na construção do pensamento. A nossa parte são as seleções, aí nós podemos direcionar para o nosso centro olímpico aqui na Barra [da Tijuca, no Rio de Janeiro].

Como está a relação com a CBF, após o problema com os uniformes nos Jogos? Quando eu cheguei ao comitê, no final de 2017, havia um estranhamento. Eu me aproximei, fui muito bem recebido. A coisa deu uma arranhada a partir do processo eleitoral [de 2020]. E, em Tóquio, na cerimônia de premiação, houve esse desgaste por conta de os atletas não estarem com uniformes do nosso patrocinador. Isso era a nossa regra, foi realmente um estresse. Não identificamos de onde saiu a determinação, mas tudo isso foi encoberto pela vitória dos atletas.

Qual é o impacto da pandemia para o COB? Com a Missão Europa [período de treinos no exterior] foram gastos em torno de R$ 14 milhões. Com [auxílios financeiros para] as confederações, outros R$ 14 milhões. Tudo dividido entre 2020 e 2021. Isso foi possível porque a gente conseguiu ter uma economia, uma verba contingenciada, que ainda temos, para esse tipo de ação.

Como o rebaixamento do Ministério do Esporte para secretaria, há quase três anos, afetou o COB? A saída de um ministério e a entrada de uma secretaria não foi bem-vista na comunidade esportiva, por uma questão inclusive de representatividade. É diferente você ter um ministério. Não disse que é pior, nem melhor; diferente. Nós não temos nenhum tipo de dependência da secretaria. Eles têm as as normativas deles, as leis, nós cumprimos, prestamos contas. Temos um relacionamento administrativo positivo. Agora, sim, gostaríamos de que houvesse um Ministério do Esporte.

Nesse sentido, a eleição do ano que vem é importante para o COB? Eu não escutei, ainda, um plano para o esporte de nenhum dos atuais pretendentes ao cargo de presidente. Nenhum. Talvez seja cedo para eles, enfim… Mas espero realmente escutar, dos candidatos, qual o pensamento deles para o esporte. Isso é o que eu tenho a dizer a respeito da eleição.

Temos, no Congresso, a Lei Geral do Esporte e o Sistema Nacional do Esporte empacados. No governo, o Plano Nacional do Esporte, previsto em lei desde 1998, nunca saiu do papel. O esporte é preterido em Brasília? É verdade, isso está empacado mesmo. Ainda mais se aproximando de um ano eleitoral, essas pautas, que estão atrasadas, tendem a ficar na sexta sessão. É difícil você motivar os parlamentares. Precisamos de um sistema esportivo nacional, precisamos dar nomes e funções para cada organismo nosso: o que que a Secretaria [de Esporte] deve fazer, o que o COB deve fazer, quem vai dirigir o esporte educacional. Ou seja, setorizar e delimitar as ações e os poderes de cada um, organizar. Falta um olhar mais atento ao esporte, que não é só o esporte [de rendimento], é o esporte como educação e saúde.

Não é também responsabilidade do COB fazer essa interlocução com Brasília? É da sociedade esportiva como um todo. Das confederações, do COB, do Comitê Paralímpico, dos clubes... Quando somos chamados, a gente atende todos os convites. Vamos aguardando.

O esporte foi deixado de lado pelo poder público? Eu só tenho tido bons resultados. Desculpe a falta de modéstia. No Pan de 2019, fizemos o melhor resultado até então. Nas Olimpíadas, o melhor resultado até então. Nos Jogos da Juventude em Cáli, o melhor resultado até então [foi a primeira edição do evento pan-americano]. Estou mal-acostumado, essa é a verdade.

Após o Rio-2016, o investimento estatal em esporte caiu R$ 350 milhões. É possível manter os resultados esportivos? A tendência de queda é natural. Com relação ao COB, nós temos recursos que vêm de lei federal, das loterias, que nos atende. Mas no esporte de alto rendimento, que é o que nós fazemos aqui, quanto mais dinheiro você tem e quanto mais você evolui, de mais tecnologia você precisa, de mais intercâmbio você precisa. Isso é uma constante que só aumenta. E um pequeno detalhe: a gente recebe em real e paga em euro, dólar. Estamos longe de tudo, da Europa, da Ásia, tudo para nós é muito mais caro.

Nesse cenário, será possível repetir, em Paris-2024, o resultado de Tóquio? Nós não vamos ter resultado menor do que o de Tóquio. Pode escrever e me cobrar depois.

O que a condenação de Carlos Arthur Nuzman, ex-presidente do COB, de quem o senhor foi vice, representa para o esporte brasileiro? Primeiro, fui eleito por unanimidade. Foi uma situação política não vinculada [a ele] em absolutamente nada. Ele foi condenado, e é isso. É um fato passado, não tem consequência nenhuma [para o esporte]. É lamentável? Sim. Foi um presidente que trouxe os Jogos Sul-Americanos para o país, trouxe o Pan, os Jogos Olímpicos e revolucionou o esporte nacional.

Recentemente, o Andrew Parsons foi reeleito presidente do Comitê Paralímpico Internacional. Em 2020, ele o acusou de chantagem na eleição do COB Foi uma situação de momento, ele manifestou sua opinião, sem fundamento. Falei com ele a respeito disso. Foi reeleito por unanimidade. Parabéns.

Em Tóquio, não houve punições por manifestações políticas, algo impensável em outros tempos. Após o Black Lives Matter, vivemos uma mudança na relação do esporte com a sociedade e a política? Os temas são transversais, não tem mais um tema médico, um tema do agro, do esporte. Tudo interage, tudo conflita. Tem temas que você não pode dizer "eu não tenho nada a ver com isso". Todo o mundo tem a ver com tudo.

Então, política e esporte se misturam? Olha, estão no mesmo espaço, agora misturar... Acho que não. Tem a política esportiva, da qual eu gosto muito.

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