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Meu pior defeito foi ter ficado rico, provoca Milton Neves aos 50 anos de carreira

Polêmico e verborrágico, radialista começou profissionalmente em 1971 e revolucionou o rádio esportivo

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São Paulo

"Miltinho, fala alguma coisa aqui nesse microfone." O menino se negou. "Não sei falar nada."

Foi a única vez que Milton Neves, 70, disse essa frase. Porque estar diante do microfone, saber o que dizer e fazê-lo sem parar se tornou sua vida pelas décadas seguintes. Como profissional do rádio e TV, já são 50 anos.

Entrevista com o apresentador Milton Neves em sua casa, localizada em Santana de Parnaíba (SP)
Entrevista com o apresentador Milton Neves em sua casa, localizada em Santana de Parnaíba (SP) - Rubens Cavallari - 14.dez.2021/Folhapress

A primeira experiência foi na Rádio Continental de Muzambinho, sua terra natal (421 km de Belo Horizonte), em 1968, uma brincadeira que levou adiante apenas porque ouviu meninas da cidade dizerem que sua voz era bonita. Para valer mesmo, como meio de vida, tudo começou em 1971, ao passar frio e fome em Curitiba.

Talvez por causa dessa época, o radialista, jornalista e publicitário não tenha o menor pudor de dizer o quanto costuma receber de propagandas de seus programas. Comenta sobre salários que já embolsou na rádio e TV Bandeirantes e os imóveis que tem no Brasil, em Nova York e na Flórida.

A capacidade de vender anúncios, ganhar comissões por eles e não ter vergonha, ao contrário, se orgulhar deles, é um dos aspectos que o fazem ser um dos personagens mais polêmicos, amados ou odiados da história da imprensa do país.

"Tenho vários defeitos, inclusive o pior deles foi ter ficado rico. Muito rico", desafia.

A frase é uma provocação aos que o criticam, mas também um marketing pessoal. Milton Neves se tornou bom nisso. O mesmo vale para o sotaque caipira que o seu primeiro chefe na Jovem Pan, Fernando Vieira de Mello, disse que ele tinha de perder para falar ao microfone em São Paulo.

Por ter a capacidade de polarizar como poucos na história do rádio, os feitos do apresentador podem ser esquecidos. Sua verborragia e a memória fotográfica para histórias do futebol transformaram o papel do plantão esportivo, aquele que, antes dele, se limitava a dar outros resultados da rodada. Neves foi à Copa do Mundo de 1990 nessa função, algo inédito.

Ele revolucionou o que era o pós-jogo nas transmissões esportivas de uma maneira diferente do que era feito pelo Show de Rádio, atração comandada por Estevam Sangirardi que puxava pelo humor e marcou época na imprensa de São Paulo. A proposta do Terceiro Tempo, programa que o sucedeu, era ser mais jornalístico. Milton o apresentou por mais de 20 anos.

Foi também o precursor em colocar no ar narrações estrangeiras de gols internacionais, algo imitado por programas esportivos de TV hoje em dia. Os minutos finais da partida entre Colômbia e Alemanha, no Mundial de 1990, na voz de Édgar Perea, da emissora colombiana Caracol, transformaram-se em um clássico do rádio brasileiro por causa do gol de Freddy Rincón, aos 49 minutos do segundo tempo, que classificou a seleção.

"Eu sempre pensei que se tivesse um fusquinha e uma casa financiada, estava bom demais. Não tinha grandes pretensões. Fiz três concursos para a Petrobras, dois vestibulares para odontologia. Levei pau em todos. O que me salvou foi o rádio", diz.

Apresentador posa com camisa da seleção brasileira autografada por Pelé
Apresentador posa com camisa da seleção brasileira autografada por Pelé - Rubens Cavallari - 14.dez.2021/Folhapress

Se há uma estratégia empregada em redes sociais de falar coisas controversas de forma proposital porque o engajamento, qualquer que seja, traz benefícios, Milton Neves já a utilizava antes mesmo de existir a internet. Uma das mais épicas brigas da história da TV brasileira foi protagonizada por ele e Roberto Avallone, em 1997, no Mesa Redonda da Gazeta. Os desafetos fizeram as pazes pouco tempo depois.

As fórmulas usadas à exaustão hoje por programas esportivos de buscar o entretenimento, a discussão acalorada a qualquer preço e as brincadeiras que irritam alguns torcedores e deliciam outros foram criadas pelo Debate Bola, atração que Milton comandou na TV Record na primeira década deste século. Na última edição, ele fez um enterro do Corinthians, então rebaixado no Brasileiro.

"Eu comecei esse negócio de brincar por causa dos meus filhos. Eles diziam que eu era muito carrancudo e o Debate Bola começava ao meio-dia, na hora em que o adolescente chegava da escola, no horário do almoço. Tinha de ser algo mais alegre."

O hoje apresentador do Terceiro Tempo na TV e Rádio Bandeirantes e com participações em outros programas reconhece ser um "péssimo entrevistado". É capaz de levar mais de 20 minutos para responder uma pergunta porque começa a viajar no tempo. Emenda uma história na outra, muda o rumo da conversa até perceber estar perdido e perguntar "mas sobre o que eu estava falando mesmo?".

Sua memória prodigiosa o faz se lembrar de nomes da infância, do texto do primeiro anúncio que leu como radialista profissional, da escalação de equipes dos anos 1960 e 1970 e das broncas que levou de Fernando Vieira de Mello, a quem considera o maior nome da história do radiojornalismo brasileiro. Conta tudo isso de uma vez, em questão de minutos.

A transição da rádio para a TV foi o pulo do gato da sua carreira nos aspectos profissional e financeiro. Foi convidado para apresentar o Super Técnico em 2000, na Bandeirantes. Era uma mesa redonda que reuniu apenas treinadores. Começou a vender um anúncio atrás do outro. Já fazia aquilo no rádio, mas não tantos e com tanto dinheiro.

O programa Pânico, então na Rede TV!, criou um personagem para ironizá-lo, o Merchan Neves.

Ele não se importa. Achou graça na imitação porque, afinal, era propaganda gratuita. De novo, se aproveitava do "engajamento" quando a palavra não era utilizada como hoje.

O Pânico era criação de Antônio Augusto Amaral de Carvalho Filho, o Tutinha, dono da Jovem Pan, a emissora em que Milton ficou por mais de 20 anos e de onde saiu por rescisão indireta para se transferir para a Bandeirantes.

"Tutinha é vingativo, mas é muito competente", bate e assopra Milton Neves, para lembrar em seguida ter três andares no mesmo prédio da Avenida Paulista, zona central de São Paulo, onde está a Pan.

A transferência para a Band foi uma oportunidade. De continuar no rádio, estar em uma empresa com emissora de TV, seguir em evidência, continuar a negociar anúncios e ganhar dinheiro. Mas foi também o cumprimento de uma profecia.

"Teve um dia em Muzambinho que eu fui comer kibe no comércio do cara que depois seria meu sogro. Eu disse para ele: ‘um dia vou trabalhar na Bandeirantes’. Ele respondeu que eu só iria se fosse para lavar privada. Faz 18 anos que trabalho na Bandeirantes e toda vez que vou ao banheiro, me lembro dele", diz.

Milton Neves interrompe a entrevista com a Folha para entrar ao vivo em programa vespertino da emissora.

"Me perguntem o que vocês quiserem porque eu não preparei nada", avisa, pelo telefone, de sua confortabilíssima casa em Santana do Parnaíba, para os apresentadores.

E assim ele vai pelos 10 minutos seguintes, a conversar ao vivo sobre qualquer assunto. O oposto do menino que "não sabia falar nada" ao microfone em Muzambinho.

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