Premier League tenta combater desinformação sobre vacina entre atletas

Na liga inglesa, que sofre com jogos adiados, só 77% dos jogadores receberam duas doses

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Tariq Panja Rory Smith
The New York Times

O relatório se espalhou descontroladamente. Jogadores da Premier League compartilharam o link com seus colegas. Alguns o repassaram para parentes e amigos próximos. E uns poucos se incomodaram tanto com o que o texto parecia indicar que o encaminharam às equipes médicas de seus clubes, buscando conselhos.

O trabalho foi produzido por um site que diz que acompanha "o número de jovens atletas que tiveram problemas médicos graves em 2021 depois de receber uma ou mais doses da vacina contra a Covid-19".

O relatório afirmava que 19 "atletas" –a maioria dos quais nos Estados Unidos– diziam ter passado por ataques cardíacos depois de receber a vacina. E alguns dos ataques, o texto afirmava em tom sinistro, haviam sido fatais.

Homem branco de casaco de frio e boné pretos com as mãos no bolso
Técnico Jürgen Klopp disse que o Liverpool não contará com atletas não vacinados - Peter Powell/Reuters

Quase imediatamente, médicos e outros observadores perceberam falhas clamorosas na pesquisa. Um dos exemplos citados era Hank Aaron, integrante do Hall da Fama do Beisebol, que morreu em janeiro. Ele tinha 86 anos. Outro dos nomes da lista, um jogador aposentado da NBA, tinha 64 anos. Um estudo básico demonstrou que muitos dos atletas mais jovens identificados no texto eram portadores de problemas de saúde previamente existentes.

Mas isso não fez diferença. E tampouco o fato de que o relatório tenha sido provado categoricamente falso, mais tarde. O estudo levou os jogadores de futebol a questionar se deveriam ou não aceitar ser vacinados. O estrago estava feito, na opinião dos especialistas.

As últimas semanas não vêm sendo fáceis para a Premier League, que está experimentando uma alta no número de casos do vírus, grande número de adiamentos de partidas e apelos vindos de dentro da organização por uma pausa temporária na temporada.

Os problemas levaram o histórico de vacinação insatisfatório da organização a ser esquadrinhado com atenção feroz, e geram questões sobre os motivos para que a liga de futebol mais rica do planeta encontre tantos problemas para convencer seus astros a se vacinar.

Quanto a um aspecto, a liga e os times tiveram sucesso considerável: a Premier League divulgou números que indicam que 84% de seus atletas estão fazendo a "jornada da vacinação", o que significa que receberam pelo menos uma das três doses potenciais, desde que as vacinas começaram a ser ministradas no segundo trimestre. Os outros 16%, no entanto –cerca de 100 jogadores– se tornaram causa de preocupação.

Seis das 10 partidas que a Premier League deveria ter realizado no final de semana passado foram adiadas depois que clubes foram atingidos por surtos de Covid. Pelo menos uma delas teria sido adiada não por conta de uma série de exames positivos entre jogadores, mas porque alguns jogadores não vacinados estavam cumprindo as normas de isolamento, como a lei britânica requer, depois de serem identificados como contatos estreitos de pessoas contagiadas.

O final de semana perdido coloca em destaque os problemas da Premier League para manter seus números quanto à vacinação em sincronia com os dos outros grandes campeonatos europeus e com os das demais grandes ligas esportivas do planeta.

A Série A, a primeira divisão do futebol italiano, tem 98% de jogadores vacinados. Na França, a proporção é de 95% e na Alemanha de 94% —números comparáveis aos da NFL, NBA e NHL na América do Norte. As autoridades do futebol espanhol reportaram que, considerando vacinação e imunidade adquirida naturalmente, 97% dos jogadores do país estão protegidos. A comparação com a Inglaterra é bruta: na Premier League, apenas 77% dos jogadores receberam duas doses da vacina.

Não é simples estabelecer a razão para essa divergência. O The New York Times conversou com diversos jogadores, assessores, executivos, dirigentes e membros de equipes médicas, a maioria dos quais concordou em falar sob a condição de que seus nomes não fossem revelados, porque não estão autorizados a discutir questões de saúde pessoal. As entrevistas pintam um retrato complexo e rudimentar sobre os motivos para que a hesitação com respeito às vacinas tenha sido autorizada a avançar tanto na liga de futebol mais rica do planeta.

"É difícil encontrar um só motivo", disse Maheta Molango, presidente do sindicato dos jogadores de futebol profissional britânico. "É preciso avaliar a situação em base de caso a caso, realmente."

A preocupação quanto aos possíveis efeitos colaterais certamente é grande. Uma sucessão de recentes incidentes de destaque envolvendo jogadores que sofreram problemas cardíacos em campo —entre os quais Christian Eriksen, meio-campista dinamarquês que sofreu um colapso durante uma partida da Eurocopa na metade do ano, e Sergio Agüero, atacante que acaba de se aposentar do Barcelona— alimentaram as suspeitas de alguns jogadores quanto às vacinas.

Que Eriksen ainda não estivesse vacinado quando desabou em campo durante uma partida da Euro em junho fez pouca diferença.

Mas incidentes envolvendo outros atletas estão longe de serem a única fonte de ceticismo. De acordo com reportagens do The New York Times, diversos jogadores expressaram preocupação com a possibilidade de que a vacina reduza sua contagem de espermatozoides, e alguns médicos revelaram ter respondido perguntas sobre conexões com uma perda de virilidade, especialmente depois que a cantora Nicki Minaj tuitou que um amigo de sua família estava sofrendo de "testículos inchados" depois de ser vacinado. (As duas teorias não procedem.)

Molango indicou que alguns jogadores podem ter "preocupações religiosas", além disso. No começo do ano, o sindicato dos jogadores e a Premier League organizaram uma palestra de Jonathan Van Tam, o vice-diretor de saúde nacional do Reino Unido —que usa metáforas futebolísticas regularmente em seus pronunciamentos públicos— aos capitães dos 20 clubes da liga, em um esforço para convencer mais jogadores a se vacinar.

Durante a reunião, lhe foi perguntado se era verdade que a vacina continha álcool —o que é preocupação para os jogadores muçulmanos. Ele confirmou que a vacina da Pfizer-BioNTech não continha álcool, mas admitiu que as demais poderiam conter traços da substância. No entanto, as quantidades eram tão minúsculas, ele disse aos jogadores, que "provavelmente o pão que vocês comeram de manhã contém mais álcool".

Outros "questionaram a credibilidade" daqueles que os encorajam a receber a vacina, disse Molango. Alguns jogadores afirmaram, além disso, que tinha sido considerado seguro que eles voltassem ao trabalho no ano passado, antes de as vacinas terem sido desenvolvidas, e que eles não aceitavam ser instruídos agora a buscar vacinação a fim de poderem continuar jogando.

Em alguns casos, isso se cristalizou em forma de uma oposição mais implacável: uma recusa ideológica a receber a vacina. A maioria dos jogadores, porém, mais hesita quanto à vacina que se opõe a ela, disseram funcionários de clubes. Eles tendem a acreditar que, como homens jovens e saudáveis, não enfrentarão problemas mesmo que contraiam o vírus, e que, portanto, não precisam correr qualquer que seja o risco que as vacinas possam ou não causar. Os corpos deles são seu ganha-pão, afinal, e muitos disseram a integrantes das equipes médicas de seus times que não aceitarão qualquer substância que não seja irrefutavelmente segura.

A Premier League afirma que fez o máximo que pode para persuadir os jogadores a aceitar a inoculação. Van Tam não só conversou com os capitães dos clubes da liga como divulgou um vídeo no qual destaca a importância da vacinação e derruba mitos a seu respeito, para reforçar a mensagem. Outros clubes, que estão enfrentando dificuldades para convencer os jogadores ainda resistentes a se vacinar, tiveram ofertas de visitas de especialistas para responder perguntas e rebater os temores dos futebolistas.

As medidas internas estão se tornando mais rigorosas, também. Pelo menos um clube da Premier League já não permite que jogadores não vacinados jantem com seus colegas de time, e exige que eles se troquem para os treinos antes de chegar ao centro de treinamento, ou em seus carros. A Premier League agora está considerando adaptar seus protocolos para generalizar o uso dessas precauções.

A esperança, entre os encarregados de manter os jogadores em segurança, é a de que uma postura mais ativa e severa se prove decisiva junto à maioria dos jogadores que ainda resistem à vacinação, excetuados os mais radicais. Até que isso aconteça, tudo que a liga pode fazer é tentar rebater a desinformação, convencer as pessoas a mudar de ideia, e esperar que os jogos possam prosseguir.

Tradução de Paulo Migliacci

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