Presidente eleito do Chile viu São Paulo ser algoz e prefere Maradona a Pelé

Gabriel Boric tem como primeira memória no futebol o vice na Libertadores de 1993

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São Paulo

Em 2017, o então deputado chileno Gabriel Boric foi entrevistado pela Revista De Cabeza, uma publicação digital dedicada ao futebol. Acostumado a encarar os repórteres, se viu diante de uma pergunta difícil: Universidad Católica campeã da Libertadores ou Beatriz presidente?

Beatriz Sánchez era a candidata de esquerda à Presidência nas eleições daquele ano, em pleito que seria vencido por Sebastián Piñera.

"Não tenho nenhuma dúvida! Prefiro... Prefiro... Não, não posso dizer isso. Se a pergunta fosse entre o Chile campeão do mundo ou a Católica campeã da Libertadores, a resposta seria clara. Deixe-me pensar um pouco. Não, não tenho resposta para essa pergunta", admitiu o deputado.

A resposta de quatro anos atrás dá o tom do que a política representa para Gabriel Boric, 35, agora presidente eleito do Chile. No último domingo (19), ele superou o ultradireitista José Antonio Kast e governará o país pelos próximos quatro anos.

Entretanto, ainda que sua atuação como líder estudantil e depois como deputado o tenham levado ao cargo máximo da nação, não é possível defini-lo sem a menção ao clube para o qual ele torce. Antes de ler Ernesto Laclau, ter uma banda de rock ou concluir a faculdade de Direito, Boric já era um "cruzado", como são apelidados os torcedores da Católica.

Gabriel Boric, presidente eleito do Chile, com a camisa da Universidad Católica
Gabriel Boric, presidente eleito do Chile, com a camisa da Universidad Católica - @gabrielboric no Twitter

"Há três coisas claras sobre mim: sou magallánico [de Magalhães], de esquerda e cruzado", afirmou após a vitória nas primárias presidenciais, em julho.

Boric se tornou torcedor da Católica por herança. Sua família, que se assentou em Punta Arenas, na região de Magalhães, ficou encantada com a equipe da capital durante uma excursão do time pela zona na década de 1950. Esse encantamento, que se converteu em paixão, foi transmitido pelo avô e pelo pai ao pequeno Gabriel.

A primeira memória futebolística clara de Boric é de quando ele tinha apenas sete anos: a vitória por 2 a 0 sobre o São Paulo no jogo de volta da final da Copa Libertadores de 1993, em Santiago. Triunfo insuficiente para os chilenos, pois o clube paulista havia goleado por 5 a 1 na ida, no Morumbi. A combinação de resultados deu aos comandados de Telê Santana o bicampeonato continental.

Foi nessa mesma época, metade dos anos 1990, que ele viu a Católica no estádio pela primeira vez e que celebrou seu primeiro título como torcedor, o Apertura de 1997, conquistado diante do rival Colo-Colo com uma vitória por 3 a 0, gols dos argentinos Alberto Acosta, David Bisconti e Ricardo Lunari.

Acosta, o "Beto", se tornaria ídolo do clube e um dos jogadores favoritos de Gabriel Boric, que sempre mostrou apreço pelo futebol (e também pelo rock) da Argentina. Em 2017, perguntado no Twitter sobre quem escolheria entre Maradona e Pelé, respondeu "Maradona, sem dúvidas".

O amor pela Universidad Católica nunca impediu Boric de ser crítico ao perfil dos torcedores do clube. Seu estádio, San Carlos de Apoquindo, está localizado em uma zona nobre de Santiago e seus aficionados pertencem à elite.

"Tratei de buscar argumentos para defender que a Católica não é um clube da classe alta, mas é insustentável. Não é que os ricos tomaram o clube. Sempre foi dos ricos. Esses que vão na tribuna para ver a Católica são os piores. São como animais soltos aos fins de semana. Uma vez vi um torcedor gritar ao bandeirinha: 'Não te chamo de filho da p... porque você é 'huacho'. Senti vergonha", disse Boric.

O termo "huacho", da língua quechua, designa o animal que sai do seu rebanho e remete de forma geral a filhos que não conhecem o pai. Diferentemente dos órfãos, os huachos nasciam fora do matrimônio ou, na maioria das vezes, de casos extraconjugais entre homens casados e suas criadas ou escravas entre os séculos 16 e 19.

Política e futebol são aspectos indissociáveis para Gabriel Boric. Contudo, agora que é presidente do Chile, não precisará escolher entre ver a esquerda no poder ou a Universidad Católica conquistar de forma inédita a Libertadores. Só é preciso combinar a parte que falta com a Católica.

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