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Etiene mira além da piscina após cirurgia e reflexões sobre saúde mental

Nadadora se recupera de lesão e quer voltar a competir em alto nível, mas não só isso

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São Paulo

Etiene Medeiros, primeira nadadora do país a ser campeã pan-americana e mundial, quebrou várias barreiras no esporte brasileiro durante a última década.

Aos 30 anos, após temporadas marcadas por sobrecarga física e emocional, além de uma cirurgia no joelho direito em setembro de 2021, a atleta mantém o desejo de voltar a nadar no nível da elite mundial. "Não me sinto preparada para parar a natação, gosto muito de competir e ainda tenho algumas vontades e realizações a fazer dentro do meio esportivo", ela afirma à Folha.

Quando fala do que ainda pretende conquistar, porém, Etiene não se atém aos resultados nas piscinas. "Eu tenho a meta de fazer uma nova campanha de conscientização do câncer de mama, de ajudar pessoas dentro do esporte, de fazer um trabalho voluntário, de estar em ação em alguns movimentos esportivos, de estar falando sobre pautas importantes como igualdade de gênero e combate ao racismo. É muito mais amplo do que falar só de medalhas", explica.

Os últimos anos não foram simples para a nadadora pernambucana, mas a fizeram refletir sobre seu papel no esporte e as discussões que muitas vezes acabam negligenciadas nesse meio.

Em 2019, após emendar participações no Campeonato Mundial de Gwangju (Coreia do Sul) e nos Jogos Pan-Americanos de Lima, ela comentou com jornalistas no Peru que não via a hora de tirar férias. Uma declaração que poderia ser encarada como normal, mas que também revelava um esgotamento sobre o qual ainda não se sentia à vontade para comentar.

"Eu passei por um momento em 2019 em que tive um burnout muito alto. Foi muito marcante e hoje é uma das pautas que estou me sentindo mais segura para falar. Muitos atletas vêm verbalizando isso no dia a dia", constata.

Etiene à beira da piscina, com expressão de surpresa e olhando para o lado
Etiene Medeiros é a responsável pelos melhores resultados da natação feminina brasileira nas piscinas - Igo Bione - 5.fev.21/IEM

Na sua avaliação, quem a conhece certamente já percebia num simples "oi", "tchau" ou "preciso de férias" que algo não caminhava bem. "Eu não estava me reconhecendo em alguns aspectos. Levantei a mão e fui atrás de um profissional com quem conseguisse falar do que estava sentindo. A primeira coisa que senti foi aquela autocobrança. Eu nunca fui uma mulher de estar sempre buscando metas, sempre fui muito natural com tudo na minha vida", conta.

A ajuda psicológica e médica, além do suporte do seu entorno, foram importantes para encarar o que ainda estava por vir: a interrupção do esporte causada pela pandemia de Covid-19 e as incertezas sobre vários fatores, entre elas a realização dos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020.

Etiene achava que a pausa forçada poderia ser um "suspiro" para quem ansiava por isso, mas também se deparou com novos dilemas nesse período.

Campeã mundial dos 50 m costas em piscina longa em 2017 e bicampeã pan-americana em 2015 (100 m costas) e 2019 (50 m livre), a nadadora não conseguiu repetir suas melhores performances após o retorno das competições.

Na seletiva olímpica, em abril do ano passado, ela não atingiu os índices para nadar provas individuais no Japão. Acabou classificada pela vaga no revezamento 4 x 100 m livre e pôde disputar também os 50 m livre, com um índice obtido anteriormente.

"Tem acontecido algo muito difícil para mim, mas ainda quero ficar um pouco reservada. No momento certo vou dividir com todo o mundo", disse em Tóquio, após terminar os 50 m em 29º lugar.

Apesar de hoje se ver aberta a tratar de temas mais delicados, Etiene também entende ser necessário ter autocuidado e só abordá-los quando se sentir preparada. "Não é tudo o que vivo que vou transparecer. No momento em que eu estiver confortável, vou querer falar sobre a pauta. Que seja um debate leve, porque o que eu vivi e vivo pode ajudar as outras pessoas", diz.

Não era de conhecimento do público na época, mas a atleta competiu lesionada no Japão. Ela afirma ter cumprido o planejamento traçado pelo COB (Comitê Olímpico do Brasil) e pela CBDA (Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos), em conjunto com seu treinador, para participar do evento mesmo com limitações.

"No momento em que eu fosse ter dificuldade de colocar meu trabalho e gastar uma energia ruim para mim e para as minhas amigas, eu seria a primeira a falar que não queria participar. De nenhuma forma a gente colocaria a nossa seleção, nossa profissão e nossa qualidade técnica em risco", argumenta.

Etiene, sentada na maca, tem seu joelho observado por uma mulher de jaleco branco
Etiene Medeiros está em recuperação após cirurgia no joelho direito - Igo Bione/IEM

A cirurgia no joelho, em setembro, fez com que a pernambucana encarasse uma nova pausa forçada na carreira. A interrupção dos treinos dessa vez veio acompanhada de um desejo de se desligar completamente do que remetesse à rotina do esporte profissional.

"Sou uma atleta de alto rendimento e também uma mulher de 30 anos. Antes da atleta, existe um ser humano que treina desde os cinco. No momento da carreira em que essa atleta teve que fazer uma cirurgia e parar de treinar, ela também quis parar de fazer dieta, de falar sobre questões de esporte… Ela precisou desse tempo para ela", relata.

A nadadora conta que chegou a ganhar 15 kg —a maior parte já perdidos— e que refletiu bastante sobre autoimagem. "Quando eu me olho no espelho e me vejo com um biquíni que normalmente não usaria, ou não me sinto confortável com uma blusa que não entra em mim, existe uma autoestima ali. A conversa das redes sociais é ‘nossa, como ela está bochechuda’. Eu tive momentos de não estar me reconhecendo. Essa também é uma pauta sobre saúde mental."

Ela sabia que precisaria voltar à rotina se deseja competir novamente no nível da elite. "Eu tenho a responsabilidade de que sou uma atleta, funcionária de uma instituição, e trabalho com o meu corpo. Meu corpo tem que performar. Curti um pouquinho, agora vamos voltar à vida real, ir atrás, perder peso."

Etiene já voltou a nadar no clube que defende há nove anos, o Sesi-SP, mas ainda não tem um planejamento concreto para retornar às competições. Ela aproveita para também curtir com a família no Recife e viveu uma experiência nova, como comentarista do SporTV no Mundial de piscina curta, em dezembro.

A pernambucana lembra que no início da carreira encarava o esporte "de uma forma muito superficial". Depois veio a fase das maiores conquistas, que a colocaram em contato com outras referências brasileiras e a prepararam para o o que vive hoje. "O amadurecimento ajuda a dividir as tarefas. Você se torna uma pessoa múltipla. Hoje não me vejo só como atleta na sociedade, eu me vejo como agente transformador."

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