Descrição de chapéu Seleção Brasileira

Brasil foi pentacampeão mundial sem técnico estrangeiro, diz Abel Braga sobre sucessão de Tite

Técnico do Fluminense não acredita em treinador de fora do país para comandar a seleção

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Diogo Cardoso Oliveira
Público

Na América do Sul, um jornalista falar facilmente com um treinador dos "grandes" – e um dia antes do início do campeonato – não é uma utopia. Entre treinos e reuniões, e sem controle de danos por um diretor de comunicação, Abel Braga, treinador do Fluminense, aceitou falar com o Público numa chamada telefônica na qual ajudou a antever o Campeonato Brasileiro que começou no sábado (9).

Além do que espera do seu Fluminense, o técnico de 69 anos, que já passou por Portugal, abordou o desejo (já algo esfumado) de voltar à liga portuguesa, o futuro da seleção brasileira e os feitos de Abel Ferreira e Jorge Jesus no Brasil. E ofereceu ainda um conselho aos treinadores portugueses que fizeram uma "romaria" ao Brasileiro.

A imprensa aponta Palmeiras, Atlético Mineiro e Flamengo como principais favoritos ao título. Concorda com esta visão? A nível de plantel, financeiramente e de tamanho do grupo, esses três estão um pouco acima dos demais. Mas atenção: isso não quer dizer que sejam campeões. Há sempre espaço para surpresas.

O Fluminense pode ser uma dessas surpresas? Claro que sim. Dá-se sempre favoritismo aos três [Mineiro, Flamengo e Palmeiras], mas São Paulo, Corinthians e Fluminense têm capacidade para lutar. Entre aqueles três vão sempre intrometer-se uma, duas ou três equipes. Mas claro que agora, antes de começar, eles têm o favoritismo, pela qualidade e pelo número de jogadores.

Abel Braga durante jogo da Sul-Americana, no Maracanã, contra o Oriente Petrolero
Abel Braga durante jogo da Sul-Americana, no Maracanã, contra o Oriente Petrolero - Sergio Moraes - 6.abr.2022/Reuters

Refere-se às várias soluções no plantel? Isso. Repare: nós acabamos o campeonato estadual no domingo (3), tivemos jogo na Copa Sul-Americana na quarta-feira (6) e sábado jogamos o Brasileiro. Há jogadores que não suportam isso. O número de jogadores que aquelas três equipes têm é muito útil.

O Abel Braga levou o Fluminense à conquista do Estadual dez anos depois do último, que também tinha sido com você. Qual é o segredo nesse clube? Os três últimos títulos cariocas foram comigo. Há uma identidade grande. Foi aqui que comecei a jogar futebol com 15 anos. Depois saí para o Vasco e para o PSG, mas foi aqui que tudo começou. Por exemplo: o velório do filho que perdi foi na sede do clube. Há uma identidade muito forte entre mim e o Fluminense e isso ajuda.

O Abel disse uma vez que quando foi para o Flamengo podia mudar o clube com o Dedé e o Felipe Melo. Acabou por não conseguir nenhum, mas agora, no Fluminense, conseguiu mesmo levar o Felipe, que é um jogador adorado por uns e odiado por outros. O que é que vê de útil nele? É um vencedor, com muitos títulos. Depois, tem um sentido de liderança muito bom. Ajudou-nos muito e vai continuar a ajudar.

É uma questão de liderança? Sim, fazia-nos falta mais liderança na equipe. Temos o Fred e mais um ou outro, mas ninguém como o Felipe. E, depois, ele tem uma leitura de jogo muito boa. Com ele podemos fazer uma saída a três e ele depois avança para junto do volante.

Essa saída a três também está na moda no Brasil? Na Europa e em Portugal já se usa bastante… Sim, aqui também. Agora já quase todas as equipes fazem saída a três. Eu, agora que perdi o Felipe [lesionado], até estou mesmo com três centrais. E temos estado com uma média fabulosa de gols sofridos. Ter essa segurança defensiva é muito bom.

Se tivesse de dar dois nomes para os portugueses estarem atentos neste Brasileiro, quais seriam? Um do seu Fluminense e um de outra equipa. Quem vai explodir vai ser o André, meu volante no Fluminense. Ele é algo de anormal. Também tenho aqui o Jhon Arias, um menino colombiano que pode ir muito longe. De outra equipe diria o Raphael Veiga, do Palmeiras, que faz gols o tempo todo. Vão ser jogadores que lutarão para ser os melhores do campeonato.

O campeonato vai ter quatro treinadores portugueses, três deles recém-chegados. Qual é, na sua opinião, a principal característica do futebol brasileiro a que os portugueses terão de se adaptar? Há duas coisas fundamentais. Uma é que o jogador brasileiro não tem a leitura de jogo que vocês têm aí. Falha na parte táctica e precisa de muita repetição. O jogador aqui que tem leitura de jogo é um privilegiado. A outra coisa a que eles têm de se habituar é a imprensa. Aqui é muito de sobe e desce. Se ganha, é bom. Só a vitória interessa, como se o adversário estivesse para brincar.

O Abel Ferreira já sofreu com isso… É. O Abel teve perguntas de que não gostou. E eu, como me dou bem com ele, mandei-lhe mensagem e disse: "É melhor você se acostumar, que aqui há muita loucura e paixão". Aí na Europa e em Portugal há um respeito muito grande. As decisões do treinador são soberanas. Aqui, não.

Acha que esta chegada de portugueses, já depois do Jesus e do Abel, é positiva ou negativa para a liga brasileira? Eu acho bom, porque durante seis anos e meio fui extremamente bem tratado quando treinei fora. Tenho carinho e respeito pelos portugueses e temos de saber receber. A classe portuguesa de treinadores tem de aproveitar esse momento, depois de o Jesus ter se saído muito bem aqui. E o Abel, hoje, vive unanimidade. Está a fazer um trabalho incrível e o Palmeiras joga de olhos fechados. Ele muda tudo, como fez agora na Libertadores, e vence.

E o que pensa do Paulo Sousa, que não está a começar bem no Flamengo? O Paulo é um camarada com um conhecimento extraordinário. A equipe ainda não se adaptou bem, mas para nós, adversários, é um modelo tático muito difícil: nunca sabemos se pressionar alto ou baixo. Quando estive em Portugal já havia uma boa escola, mas com muitos brasileiros. Agora é o momento dessa geração de portugueses.

Concorda com aquela visão que muitos têm de que o treinador brasileiro está ultrapassado e que o português está mais evoluído? Não concordo. Concordo com a capacidade dos portugueses, que fazem trabalhos extraordinários, mas discordo da parte de os brasileiros estarem atrasados. Eu acabei de ganhar o meu 30º título e há tanto treinador jovem aqui no Brasil. E o Jair Ventura, do Juventude? Muito bom. E o Marquinhos, no América? Muito bom. E o Zé Ricardo, do Vasco? Muito bom. E o Barbieri, do Bragantino? Muito bom. Todos são bons, mas aqui a situação está complicada porque como os portugueses mostraram serviço então isso se tornou tipo "agora tem de ser português".

Tem saudades de Portugal? Gostaria de voltar um dia? Quando fiz trabalho no Belenenses e no Famalicão [década de 90] aquele momento era mais propício, mas quem sabe? O desejo continua, mas já não tenho isso na cabeça. Acredito mais que volte à Suíça, porque fiz agora um trabalho incrível no Lugano, muito rápido. Mas estou sempre aberto. Vou a Portugal sempre que posso viajar.

A seleção brasileira vai mudar de treinador. Acredita que pode ser uma opção? Quem não gostaria? Mas sinceramente quem vai sair de lá é o maior treinador brasileiro da atualidade. O Tite está a fazer a seleção jogar de uma forma bem sutil, com mudanças tácticas. É uma pena que saia.

E acha que um estrangeiro seria uma boa opção? Já se falou de Jorge Jesus… Não acredito que venha um estrangeiro, por um motivo: o Brasil foi cinco vezes campeão do mundo e nunca foi com um estrangeiro.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.