'Se você duvida de mim, basta me ver agarrando', diz goleiro que tem três dedos

No Dia do Goleiro, conheça a história de Diego, que sonha em se tornar profissional

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São Paulo

Diego ouviu alguém berrar de longe, mas não deu nenhuma atenção. Estava mais preocupado com o ataque do Barcelona, do Rio de Janeiro, na partida válida pela quinta rodada da Carioca Cup.

"Chuta porque o goleiro só tem dois dedos!"

Diego, goleiro do Grande Rio FC, que nasceu com má formação congênita nas mãos.
Diego, goleiro do Grande Rio FC, que nasceu com má formação congênita nas mãos. - @grande_rio_fc no Instagram

Ele não se irritou, mas os outros sim. Começou uma confusão em que atletas da sua equipe, o Grande Rio FC, e do próprio adversário foram tirar satisfação com o sujeito que estava na arquibancada. Não era torcedor, se tratava de um garoto das categorias do Barcelona. Ele foi retirado do estádio.

O grito foi provocativo e preconceituoso. O goleiro Diego Jeronimo Carmo, 31, tem dois dedos na mão esquerda e um na mão direita. Nos pés, são quatro, dois em cada.

Ele sonha com o clube que vai dar-lhe a chance de se profissionalizar. Um desejo que fica mais forte em datas como este 26 de abril, o Dia do Goleiro.

O Grande Rio é um time semi profissional em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, mesma região da escola de samba de mesmo nome.

Segundo companheiros de Diego e dirigentes, a condição só é perceptível para quem o vê sem luvas ou descalço.

"Ele se destacou em uma avaliação que fizemos em fevereiro do ano passado. Ninguém sabia de nada a respeito dele. Passou algum tempo e o nosso preparador de goleiros veio brincar comigo. Disse que o Diego tinha três dedos, mas pegava mais do que o outro, que tinha dez", afirma o presidente a agremiação, Maurício Pellegrini.

O dirigente achou aquilo não ser possível. Só acreditou quando o jogador lhe deu a mão para cumprimentá-lo.

"Ele sempre tentou entrar em clubes e nunca conseguiu. Resolvemos abraçar a ideia para que seja inspiração para outros atletas. Se outros tivessem a força de vontade que ele tem, nosso elenco seria muito mais forte", completa.

Diego nasceu com má formação congênita. Desde criança quis ser goleiro. Tinha preguiça de correr nas peladas da rua e foi para o gol. Apaixonou-se pela posição. Passou por outro clube semi profissional do Estado, o EC Rio-São Paulo, mas não ficou. Em fevereiro do ano passado, viu um anúncio no Facebook sobre avaliações no Grande Rio para jogadores de 14 a 30 anos.

"Eu tinha 30. Por que não? Acredito em mim, sei do meu potencial. Se você duvida, basta me ver agarrando. Para mim, a questão dos dedos não é dificuldade. Nunca foi. Sou muito dedicado. Talvez as pessoas que escutem do meu problema me subestimem. Mas depois quando me veem jogando, isso muda", constata.

O tom de voz de Diego é sempre confiante. No que dependesse dele, nada sequer teria acontecido com o menino da base do Barcelona que pediu chutes ao gol porque o goleiro adversário tinha apenas dois dedos. Ele quer aproveitar seu futebol enquanto pode. Sabe não ter mais idade de um garoto, mas para a posição em que atua, é possível estar em campo por mais uns dez anos.

"Não sei até onde posso chegar. Pode ser que não dure muito, mas não estou com esse pensamento de parar. Até os 40 é idade que o goleiro pode jogar. Enquanto puder, vou ajudar, ainda mais o Grande Rio, um clube que me acolheu muito. Estou aqui em busca do meu objetivo maior, que é me profissionalizar. É um sonho que vale a pena", acredita.

A equipe está na final da Carioca Cup, um torneio semi profissional não reconhecido pela Ferj (Federação Estadual do Rio de Janeiro). A agremiação tem plano de se profissionalizar em 2023 e disputar a Série C do Carioca.

"Estamos com projeto de captação de talentos e mantemos os custos do trabalho com escolinhas e revelação de atletas", diz Pellegrini.

A Carioca Cup pode ser o segundo título de Diego. Ele ganhou a Copa Grande Rio, outra competição do mesmo nível, no ano passado. Na disputa de pênaltis, defendeu a cobrança decisiva.

No público, estava a esposa Beatriz e o filho Emanuel, 2. Por causa da condição genética, a criança nasceu com três dedos em cada mão.

"Ele está bem. Tem mais dedos do que eu", brinca Diego porque não consegue ver como sua característica física possa seja chamada de deficiência. Ou como isso seja motivo para sofrer discriminação. "Preconceito é coisa que existe na cabeça de quem tem ódio."

O desejo de ser goleiro o faz várias vezes chegar para treinar com o uniforme do hospital em que trabalha no Rio. Ele é funcionário do setor de rouparia. Isso por enquanto. Além do sonho boleiro, ele é aluno da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Cursa licenciatura em português-árabe.

"Gosto de idiomas e este é um pouco procurado", ressalta.

Ele mesmo constata ser um curso com pouca procura. E acha bom.

"Sim, é verdade. Eu gosto de ser diferente."

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