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Ciência e dados mudam a definição de velhice no futebol

Estudos indicam que jogador de 30 anos já não é tão velho quanto antes

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Rory Smith
Londres | The New York Times

O ponto exato do limiar sempre foi contestado. No Manchester United, por exemplo, a marca dos 30 anos sempre pareceu uma delimitação natural. Quando os jogadores chegavam aos 30, Alex Ferguson, o treinador do clube na época, tendia a lhes dar um dia adicional de repouso depois das partidas, na esperança de que a folga maior ajudasse na recuperação, em um momento em que a forma física começa a entrar em declínio.

Arsène Wenger, do Arsenal, era mais nuançado. Ele tinha uma fórmula. Quando meio-campistas e atacantes atingiam a vetusta idade de 32 anos, ele passava a lhes oferecer extensões de contrato de no máximo um ano. "Essa é a regra aqui", declarou o treinador, certa vez. "Depois dos 32, a base de renovação é ano a ano." Ele abria exceções para os zagueiros de área; no caso deles, era aceitável assinar contratos que se estendessem até os 34 anos.

Mas, embora a data de corte exata sempre tenha sido subjetiva, o consenso amplo e duradouro no futebol é que ela fica mais ou menos por ali. Quando os jogadores passam dos 30 anos, cruzam a fronteira que separa o verão do outono, o presente do passado. E, assim que o fazem, passam a ser oficialmente considerados velhos.

Arsène Wenger deixava clara a diretriz do Arsenal - Murad Sezer - 21.ago.13/Reuters

Esse delineamento sempre orientou as estratégias de recrutamento e de retenção de jogadores de clubes de toda a Europa. Uma vasta maioria dos clubes em geral adere a um princípio simples: comprar jogadores jovens e vender jogadores velhos.

A aquisição do meio-campista croata Ivan Perisic, 33, pelo Tottenham, no mês passado, por exemplo, foi a primeira vez que o clube adquiriu um jogador de ala com mais de 30 anos para seu elenco desde 2017. O Liverpool não o faz desde 2016. O Manchester City não contrata jogadores com mais de 30 anos há mais de uma década. Os goleiros, vistos por quase todos como mais longevos, são os únicos jogadores que se beneficiam de uma exceção.

Em geral, jogadores que estão chegando ao ocaso de suas carreiras são vistos como um fardo de que o clube precisa se desembaraçar. A janela de contratações de começo de temporada europeia serve como exemplo disso: o Bayern de Munique alienou Robert Lewandowski, que está chegando aos 34 anos, ao tentar (sem sucesso) contratar Erling Haaland, uma década mais jovem, como seu sucessor.

O Liverpool, enquanto isso, começou o trabalho de desmontar seu muito elogiado tridente de ataque, ao substituir Sadio Mané, 30, por Luis Díaz, 25, e levar Darwin Nuñez, 23, como futuro sucessor de Roberto Firmino, que chega aos 31 anos em outubro. Em seu esforço de reorganizar o elenco, o Manchester United liberou diversos jogadores experientes –entre os quais Nemanja Matic, 33, Juan Mata, 34, e Edinson Cavani, 35.

O raciocínio por trás disso é claramente muito objetivo. "As demandas do esporte estão mudando", disse Robin Thorpe, cientista que estuda desempenho e trabalhou durante uma década para o Manchester United. Ele agora trabalha para a rede de clubes da Red Bull. "Há muito mais ênfase em corridas de alta velocidade, aceleração e desaceleração." Jogadores mais jovens são vistos como mais bem equipados para lidar com essas exigências do que os mais velhos.

Igualmente importante, porém, é que recrutar jogadores mais jovens promete "maior retorno sobre o investimento quando o clube mais tarde desejar transferi-los", de acordo com Tony Strudwick, antigo colega de Thorpe no United e ex-consultor do Arsenal. Os clubes agora conseguem recuperar o dinheiro que desembolsaram –e talvez até registrar lucros– quando adquirem um jogador no começo da casa dos 20 anos. Já os atletas cerca de uma década mais velhos são vistos como ativos em rápida depreciação, em termos puramente econômicos.

Essas duas ideias se relacionam, é claro, e por isso é significativo que ao menos uma delas tenha por base uma lógica que perdeu a validade.

De acordo com dados da consultoria Twenty First Group, jogadores com mais de 32 anos vêm jogando mais minutos na Champions League a cada ano, consistentemente. Na temporada passada, jogadores com mais de 34 anos –praticamente macróbios, de acordo com o pensamento tradicional do futebol– responderam por mais minutos em campo, nas cinco grandes ligas europeias, do que em qualquer temporada anterior para a qual existam dados disponíveis.

O mais importante é que isso aconteceu sem um custo significativo em termos de performance.

"A idade tem seus prós e contras", disse Dani Alves, 39, que foi lateral direito do Barcelona e está determinado a continuar sua carreira, ao jornal The Guardian, neste mês. "Hoje tenho uma experiência que não tinha 20 anos atrás. Quando chega um grande jogo, os jogadores de 20 anos ficam nervosos e preocupados. Eu, não."

Os dados do Twenty First Group confirmam a avaliação de Alves. Ainda que jogadores na casa dos 20 anos pressionem mais os adversários do que seus colegas na casa dos 30 –em média 14,5 vezes por partida, ante 12,8– essa disparidade é compensada de outras maneiras.

Tanto na Champions League como nos grandes campeonatos nacionais europeus, os jogadores mais velhos vencem mais batalhas aéreas, completam mais dribles, passam com mais precisão –no caso dos meio-campistas– e marcam mais gols. O número de jogadores com mais de 30 anos que fazem parte do modelo de 150 melhores jogadores do planeta desenvolvido pelo Twenty First Group é mais de duas vezes mais alto agora do que uma década atrás.

Os dados indicam, com muita clareza, que um jogador de 30 anos já não é mais tão velho quanto no passado.

Benzema, 34, e Modric, 36, estão entre os melhores - Dylan Martinez - 28.mai.22/Reuters

Da perspectiva da ciência do esporte, isso não chega a surpreender. A ideia de que a marca dos 30 anos é um limiar imutável de envelhecimento surgiu antes que o futebol desenvolvesse seu interesse pelo condicionamento físico. A geração atual de jogadores na casa dos 30 anos, aponta Strudwick, talvez seja a primeira a "ter sido exposta aos benefícios da ciência esportiva de ponta desde o início de suas carreiras".

Não existe motivo para presumir que eles envelhecerão no mesmo ritmo, ou a partir do mesmo momento, que seus predecessores. "Observe a condição física que os jogadores mantêm quando se aposentam", disse Strudwick. "Eles não descuidam de seus corpos. Talvez seja necessário forçá-los um pouco menos na pré-temporada, e sua recuperação pode demorar mais, mas do ponto de vista físico e de desempenho não existe motivo para que não agreguem valor aos seus times até o final da casa dos 30 anos."

Essa longevidade só aumentará, disse Thorpe, com os avanços na nutrição e nas técnicas de recuperação.

Quando ele trabalhou no Manchester United, a regra prática era a de sempre dar um dia adicional de descanso depois dos jogos aos jogadores com mais de 30 anos. "Essa parecia ser a coisa certa a fazer, intuitivamente." Mas a realidade é que nem sempre eram os jogadores mais velhos que precisavam de uma folga.

"Quando pesquisamos a respeito, quando estudamos os dados, descobrimos que era uma questão individual. Alguns dos jogadores mais velhos tinham condições de treinar, enquanto alguns jogadores mais jovens precisavam de repouso adicional", afirmou Thorpe.

E, quando essas descobertas ganharam força no esporte, ele argumenta, a conclusão decorrente passou a ser a de que "mais jogadores teriam a capacidade de fazer mais em períodos tardios de suas carreiras".

Luka Modric talvez estivesse brincando quando disse a um entrevistador, antes da final da Champions League, em maio, que pretendia jogar "até os 50 anos, como aquele cara japonês, [Kazuyoshi] Miura". Mas isso já não é tão absurdo quanto um dia talvez tenha parecido.

Que os clubes não pareçam ter percebido –e continuem a encarar os jogadores de 30 anos mais como fardo do que como vantagem– é agora uma questão quase exclusivamente econômica, na interpretação de Strudwick. "O ciclo de vida de um jogador tem a forma de um U invertido, mas as expectativas de salários são lineares", disse.

A abordagem mais científica talvez tenha atenuado a curva descendente no gráfico de desempenho de um jogador ou postergado seu início, mas não há como eliminá-la de vez. Em algum momento, o jogador entrará no que Strudwick define como "fase de declínio".

E a única coisa que nenhum clube quer –e que nenhum clube tem como bancar– é pagar um salário de primeira linha a um jogador quando esse momento chega. O que motiva os clubes a continuar acreditando que os 30 anos são a data de corte não é aquilo que os jogadores são capazes de contribuir, mas o custo dessa contribuição.

Tradução de Paulo Migliacci

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