Sucesso de atletas combate preconceito a grupos estigmatizados, diz pesquisadora

Para autora de estudo sobre Salah, resultado esportivo contribui para tolerância

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São Paulo

Inspirados na música "Good Enough", da banda de rock inglesa Dodgy, torcedores do Liverpool criaram uma canção para homenagear o atacante Mohamed Salah.

"Mo Sa-lah lah lah lah, se é bom o suficiente para você, ele é bom o suficiente para mim. Se ele marcar mais alguns, então eu vou virar muçulmano também. Se ele é bom o suficiente para você, é bom o suficiente para mim. Sentado na mesquita, é lá que eu quero estar."

A música foi criada na temporada 2019/20, quando o egípcio liderou a equipe inglesa na conquista da Champions League. Ela ajuda a entender por que o jogador se tornou um símbolo no combate a islamofobia na Inglaterra.

A importância do jogador nessa luta foi verificada em um recente estudo coordenado por professores das universidades Stanford, Yale e Colorado, nos Estados Unidos. O trabalho é assim intitulado: "A exposição a celebridades pode reduzir o preconceito? O efeito de Mohamed Salah sobre comportamentos e atitudes islamofóbicos".

Salma Mousa, professora assistente de Ciência Política em Yale e um dos autores da pesquisa, acredita que o sucesso de atletas que pertencem a grupos estigmatizados, como os muçulmanos e pessoas LGBTQIA+, ajude no combate ao preconceito, desde que eles sejam reconhecidos como membros desses grupos.

"A exposição a atletas e celebridades de qualquer grupo estigmatizado, seja ele religioso, étnico ou sexual, deve trabalhar teoricamente da mesma forma e também reduzir o preconceito", diz Salma à Folha.

A professora ressalta também a importância do "sucesso no campo de futebol, da cobertura positiva da mídia e de [o atleta] ser visto como membro 'típico' de um desses grupos". Segundo ela, esse é um componente essencial para que as "atitudes em relação a uma pessoa generalizem as atitudes em relação a um grupo inteiro".

Salah se ajoelha para comemorar um gol pelo Liverpool em partida da Premier League
Salah se ajoelha para comemorar um gol pelo Liverpool - 23.mai.22/Xinhua

O estudo apontou que desde que Salah chegou ao Liverpool, em 2017, houve uma queda de 18,9% no número de crimes de ódio na área de Merseyside, local em que fica a sede da equipe. "Enquanto nenhum efeito semelhante foi encontrado para outros tipos de crime na região."

Também houve uma redução pela metade na taxa de postagens de tuítes antimuçulmanos por parte de torcedores do Liverpool —uma queda de 7,2% para 3,4% dos tuítes sobre muçulmanos. De acordo com a pesquisa, não houve um movimento semelhante nas torcidas de outros clubes da Premier League.

Os cientistas chegaram aos dados analisando boletins de ocorrência da polícia de Merseyside e mais de 15 milhões de tuítes de torcedores ingleses. Houve ainda uma pesquisa com 8.060 torcedores do Liverpool.

"Achamos que a explicação para essa redução do discurso de ódio e crimes de ódio entre os torcedores do Liverpool é por causa do contato parassocial com Salah", afirma Salma.

A interação parassocial costuma ser descrita como uma experiência em que a audiência interage com uma personalidade da mídia como se houvesse uma relação de reciprocidade, embora sem um contato pessoal direto.

De acordo com a pesquisadora egípcia, o conceito foi aplicado ao estudo envolvendo Salah, já que os torcedores são expostos ao comportamento do jogador não só nas partidas mas também na mídia e nas redes sociais.

"Esse tipo de relacionamento pode reduzir o preconceito de maneiras semelhantes ao contato tradicional, construindo empatia, enfatizando semelhanças e refutando estereótipos negativos", afirma a professora. "Salah é capaz de ter esse efeito também, em parte, porque a mídia o cobre de forma positiva, porque ele é extremamente bem-sucedido, evita questões políticas controversas e é visto como um típico muçulmano."

Salah nunca hesitou em mostrar sua identidade islâmica nas partidas do Liverpool. Nas comemorações de seus gols, costuma se curvar no gramado. "É uma forma de orar e agradecer por tudo o que tenho. Sempre fiz isso, desde jovem e em todos os lugares", declarou.

O egípcio também se mantém ligado às questões sociais de seu país. Lá fundou a Fundação Salah, que construiu postos de saúde e centros para a distribuição de alimentos a grupos vulneráveis.

Ele fornece, ainda, assistência financeira mensal a mais de 400 famílias pobres e construiu uma escola religiosa para cerca de mil meninos e meninas. A missão é ensinar o islã moderado em um esforço para manter os jovens muçulmanos longe do extremismo.

Tudo isso colabora para a imagem positiva que o jogador construiu no futebol inglês. Agora, os pesquisadores querem descobrir o que ocorreria se um jogador que pertence a um grupo estigmatizado não conseguisse um sucesso semelhante ao de Salah.

"O que acontece quando eles têm um dia ruim, ou decidem tomar uma posição política, é o que resta saber. É disso que trata nossa pesquisa atual", finaliza Salma Mousa.

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