Para voltar a ter prazer com futebol, técnico cria 1º clube vegano das Américas

Laguna vai jogar o torneio da 2ª divisão do Rio Grande do Norte a partir de outubro

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São Paulo

Amigo de infância de Gabriel Menino, do Palmeiras, com quem jogou em equipes infantis e no Guarani, Daniel recebeu uma oferta para atuar no Rio Grande do Norte. A proposta veio de um antigo treinador. Ele aceitou, mas havia um detalhe.

"É um time novo, que está sendo fundado. E será totalmente vegano", foi o aviso.

O meia de 22 anos achou curioso. Mas não recusaria a oferta de emprego por causa disso.

"Eu como carne. Cresci comendo churrasco, adoro carne de panela. Vai ser uma experiência nova, mas nada impossível de fazer", afirma o armador.

Gustavo Nabinger, fundador do Laguna, o primeiro clube vegano das Américas - @gustavonabinger no instagram

Em 20 de agosto, ele terá de se apresentar ao Laguna, o primeiro time vegano das Américas. A agremiação está inscrita na Federação do Rio Grande do Norte para disputar a segunda divisão, que começa em outubro.

A ideia é que a carne seja banida da alimentação dos jogadores enquanto eles estiverem sob os cuidados do clube, nas concentrações, antes e depois dos jogos. Eles poderão consumi-la em casa. A comida oferecida no estádio (que ainda não está definido) também será vegana.

"A suplementação também será sem produtos de origem animal. O mesmo para material de limpeza. Enfim, tudo o que pudermos fazer vegano, será. Há coisas que não temos controle, como a bola da competição, por exemplo. Ela utiliza uma cola na costura que não é vegana. Mas a nossa proposta é mostrar que dá para consumir menos produtos de origem animal sem perder o sabor. Queremos que as pessoas tenham mais contato com isso", afirma Gustavo Nabinger, ex-jogador que será o técnico e é sócio da empresa fundadora do Laguna.

O clube é uma SAF (Sociedade Anônima do Futebol) e o primeiro aporte de investimento foi feito por ele e mais dois sócios. Nabinger era volante que se aposentou aos 26 anos para iniciar a carreira de treinador. Reconhece que, com a bola nos pés, deixava a desejar.

"Eu era vegetariano desde 2003. Sou vegano há três anos. Este é um valor nosso [da empresa], pessoal. A razão de criar um clube não foi por ser vegano. O veganismo é um valor intrínseco da empresa. Há uma preocupação também com a sustentabilidade, com a comunidade", completa.

A inspiração para o projeto é o Forest Green, da Inglaterra, atualmente na terceira divisão. A partir de 2015 se tornou o primeiro time vegano do mundo. O estádio New Lawn passou a receber inovações ecológicas e o clube abraçou projetos de desenvolvimento sustentável.

"Eu como carne, mas o que o Gustavo me passou foi que o Laguna vai fornecer no dia a dia em viagens e na suplementação produtos veganos. Fora do clube, cada um tem a sua liberdade. Eu nem sei muito sobre este assunto porque não tem ninguém vegano próximo a mim. Também nunca pesquisei sobre isso", explica o volante Marquinhos, contratado para integrar o elenco.

Os jogadores em negociação ou os 12 já acertados são quase todos conhecidos de Nabinger, que foi técnico em diferentes equipes nas categorias de base. Ele treinou Daniel no Guarani e Marquinhos no Vila Nova-GO, por exemplo. Ao explicar o projeto para atletas e empresários, sabe que despertou curiosidade.

"Pelo menos na minha frente, ninguém torceu o nariz. Acho que todos querem saber um pouco mais sobre isso", assegura.

A ideia de fundar o Laguna nasceu pela vontade, além do veganismo, de ter um local com capacidade de promover transformação social, também voltado para a comunidade em que está inserida. A visão do esporte, segundo ele, é mais como entretenimento, algo lúdico. O sonho apareceu quando trabalhou em projeto socioambiental em Paulínia (interior de São Paulo), com 150 jovens da periferia.

"Muitos moravam na rua, eram vizinhos da boca de fumo, tinham parentes presos. Depois do projeto, dois garotos viraram jogadores profissionais. Entre 40 e 50 fizeram faculdade, tiveram ascensão social. Mas o mais importante de tudo: nenhum deles foi para a criminalidade. Ali a gente viu o poder que o futebol tem de transformar a sociedade."

Havia também a desilusão de Nabinger com os trabalhos de curto prazo dos clubes tradicionais, sempre desesperados por resultados. Não era aquilo o que desejava.

"Eu não tinha mais prazer de trabalhar como técnico. Você fica dois anos, muda a gestão e o trabalho é interrompido. Imagina na Série A. Se perde três jogos seguidos, está fora."

Esta foi a fagulha que o fez querer criar um time dentro daquilo que acredita ser o certo.

"Mas a gente quer ganhar. O objetivo é subir de divisão. Com ou sem carne", avisa Marquinhos.

Mais do que isso. O Clube Laguna nem começou ainda, mas já tem projeto ambicioso esportivo, modelado na ascensão meteórica de camisas como a do São Caetano no início deste século.

"Além deles, há o Grêmio Novorizontino que estava na 4ª divisão do Paulista e subiu para a elite e a Série B em uma década. Nós queremos chegar na Série A do Brasileiro em dez anos", sonha alto Gustavo Nabinger.

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