As pesquisas Datafolha são uma baliza, um pêndulo, para entender o que está se passando neste país. A esfinge é o povo brasileiro. Às vezes, nós, analistas, também. Dizem que o eleitor está mais decidido, porque 64% já sabem em quem votar.
Ora, se você só pode ir para o polo norte ou para o polo sul, é óbvio que já tem uma opinião, ou uma ou outra.
O que melhorou não foi o eleitor, o que piorou foi o cardápio.
É diferente no quesito Copa do Mundo. Em torno de metade da população (51%) não tem interesse pelo Mundial de futebol, que começa em novembro, daqui a três meses. Mas 54% do povo crê que o Brasil voltará campeão.
Como assim? O povo está informado sobre os prováveis rivais ou não está nem aí?
Somos um mistério.
A Copa de 2014 foi a mais vibrante do século. E olha que a Alemanha, em 2006, foi uma festa. Descobrimos que o povo alemão ama futebol e, mais do que isso, orgulha-se de si mesmo. Saíram às ruas depois do gol da vitória sobre a Polônia, principalmente por saber que a invasão à área polonesa não tinha nada a ver com a lembrança dos guetos de Varsóvia.
Tinham orgulho do atacante Neuville, não de Goebbels.
Era só futebol!
A um mês da Copa do Mundo de 2014, ligava-se a TV no Rio e em São Paulo, e se ouviam comentários de que o povo brasileiro não estava nem aí. Quando a bola rolou, o mundo se impressionou com a alegria. A média de foi de 53 mil espectadores por partida, inferior apenas às das Copas de 1950 e 1994, quando os estádios eram muito maiores.
Meu primeiro jogo de Copa foi Colômbia 1 x 3 Romênia, em 1994. Na véspera, em Los Angeles, sinais de fracasso de público. Ao amanhecer, saíram colombianos de todos os cantos da Califórnia. Quem disse que o americano não gosta de futebol se esqueceu dos latinos que habitam os Estados Unidos.
Somar as últimas consultas do Datafolha resulta numa duríssima conclusão: o Brasil é um país desanimado. Porque 51% não se interessam por Copa do Mundo, e 49% pararam de falar sobre política, para não brigar.
A impressão imediata, ao saber que mais da metade deste povo sofrido não quer saber do futebol de alto nível, em novembro, é: agora conversamos sobre Lula x Bolsonaro. Só que não. Também dividimos ao meio os que se sentam à mesa e debatem os temas mais importantes do futuro desta nação. Medo do contraditório.
Então, falamos sobre o quê? Da morte do Jô e a perda de um gênio. Ótimo tema. O preço do agrião, que há 70 anos comprava um avião, como dizia um de seus personagens. Ih, mas aí já esbarramos na política. Como se sabe, política e futebol não se discutem.
Falemos então da disputa pelo eleitorado evangélico.
Eu só penso em Copa do Mundo.
Quem não pensa nisso acha que o Brasil é favorito à conquista do hexa, quando é candidato, não a principal força. Pode ganhar, num tempo em que há nove possíveis campeões mundiais –e ainda pode dar Croácia, atual vice-campeã.
Do ponto de vista de quem trabalha com futebol, especialmente dirigentes, o relato do Datafolha é de oportunidade. Se os estádios do Brasileirão registram a terceira maior presença de público em 40 anos, mesmo com 51% da população não se interessando por Copa do Mundo, imagine o mercado inercial existente neste país, de possíveis torcedores-consumidores-clientes ainda não alcançados.
Gente que vai ler, escrever, comprar, divertir-se vendo futebol, quando este país finalmente voltar a ser um país vivo, que ame e respire seu esporte e sua cultura.
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