Descrição de chapéu Dias Melhores

Time de futsal formado por homens trans busca mais espaço e inspira gerações

Meninos Bons de Bola foi o pioneiro e hoje treina em uma quadra cedida por um padre

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O MBB (Meninos Bons de Bola) treina em quadra de São Paulo Karime Xavier/Folhapress

São Paulo

Raphael Henrique Martins sempre quis jogar bola, mas esse desejo –um tanto banal para a maioria dos brasileiros– ficou dentro de si, aprisionado, por 28 anos. Foi em 2016, um ano após ter feito a transição de gênero, que ele notou não estar sozinho.

Quase não havia homens trans nas atividades do CRD (Centro de Referência e Defesa da Diversidade), da Prefeitura de São Paulo, onde o educador social trabalhava. Ele percebeu que a frequência majoritária no CRD era de mulheres trans, travestis e gays. Onde estavam esses homens?

Dessa observação nasceu a compreensão de que era preciso uma atitude radical para sair da arquibancada e ir para o campo: criar o seu próprio time. O MBB (Meninos Bons de Bola) foi pioneiro no futsal e no society com jogadores trans.

Martins começou mapeando as comunidades de homens trans em redes sociais e a falar com os membros para entender quais seriam seus interesses.

"Percebemos que havia uma lacuna na prática de esportes. Criamos um espaço seguro para se exercitarem e participarem de rodas de conversas no CRD. Como a maioria tinha vontade de jogar futebol, esse foi o esporte eleito."

O time treina todas as manhãs de domingo. No início, fazia isso no parque da Juventude (zona norte da capital), até precisar deixar o local após provocações de homens cis contra o grupo.

"Muitos meninos estavam iniciando a transição, não haviam feito a mastectomia, que, aliás, não é uma regra. Eram alvos de piadas e até de agressões verbais e corporais", diz o bartender Pedro Eduardo Vieira dos Passos, 27, um dos jogadores e membro da comissão fiscal do time.

Em pé, Pietro Henrique (à esq.), 28, Alexandre Rocha, 23, Henrique Moura, 23, e Ali Marques, 23; abaixados, Tom Batista (à esq.), 31, Pedro Eduardo Vieira dos Passos, 27, e Raphael Henrique Martins, 35 - Karime Xavier/Folhapress

Após os episódios, o grupo peregrinou por dois anos em quadras públicas para treinar com o mínimo de tranquilidade. Conseguiram um patrocínio para jogar em quadra alugada por um tempo e, hoje, usam a quadra de uma escola particular cedida por um padre.

Depois dos Meninos Bons de Bola, foram criados outros 18 times de futsal e society formados por homens trans pelo Brasil, segundo o levantamento da Nix Diversidade, parceira da equipe. A empresa fornecerá por dois anos ao MBB material esportivo, como chuteiras, meiões e roupas de treino.

"O pessoal vem falar com a gente no Instagram. Fomos o primeiro time de homens trans no Brasil. Agora, há outros em diferentes estados, inclusive no exterior, como na Argentina e no Chile. Somos sinal de resistência, persistência. Sou muito grato por sermos referência para outras pessoas", conta Martins.

Somos sinal de resistência e persistência

Raphael Henrique Martins, 35 anos

fundador e presidente do MBB

A trajetória dos atletas do time inspirou outros garotos, como Luiz Guilherme, 13, acolhido pelo MBB há pouco mais de dois meses. Ele entrou no time após a mãe dele, Aline Melo, 40, fazer contato pelo Instagram.

Melo diz que a transição do filho é, por ora, social, ou seja, não há tratamento hormonal, mas sim uso do nome e corte do cabelo, por exemplo. "Ele jogou interclasses na escola e ocorreram algumas situações, como os meninos tirarem a camisa no final do jogo e ele não."

A mãe se deu conta de que era hora dele conviver com outras pessoas trans. "Conhecemos o MBB e nos sentimos abraçados. Hoje, o Guilherme está mais confiante, sabe que não é o único, tem com quem se identificar." Ela acredita que o time também se enxergue nele. "O meu filho está tendo uma oportunidade, ainda na adolescência, que muitos deles não tiveram. Vê-los jogando é emocionante", afirma.

Mulheres trans também podem treinar com o time e participar de torneios mistos. Há lista de espera para entrar na equipe, pois ainda não há estrutura para receber a todos. Já se sonha com um centro de treinamento, por exemplo. "Somos 35 atletas assíduos, fora quem vem de vez em quando", diz Passos.

Sonho de ser profissional

O MBB tem o desafio de mostrar se de fato é bom de bola nos próximos meses, em uma sequência de três torneios que pretende disputar, segundo Martins. O principal deles será em janeiro, um campeonato só para times com atletas transgêneros em comemoração ao mês da Visibilidade Trans.

Antes disso, em novembro, a equipe pretende disputar os jogos LGBTQIA+. E, em dezembro, deve participar de um primeiro torneio também com foco na diversidade, que deve reunir atletas trans e outros grupos.

"A nossa ideia para o próximo ano não é participar apenas de jogos LGBTQIA+, mas fazer do MBB um time profissional. A princípio, competir em alguns campeonatos amadores ou até mesmo da Liga Central Paulista", afirma Martins.

"O futebol significa muito. Até os meus 21 anos tive essa oportunidade negada. Me tornar jogador de futebol, algo que sempre sonhei, mas nem tinha ideia de que um dia isso iria acontecer, até pela falta de reconhecimento e adequação, é uma realização", diz Passos.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.