Descrição de chapéu Copa do Mundo 2022 LGBTQIA+

Alcorão proíbe homossexualidade? Entenda a origem das leis anti-LGBT em países como Qatar

Código penal do país prevê prisão para homem que transar com outro homem

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Washington

Alvo de intensas críticas, o Qatar tem tentado convencer o mundo de que não vai perseguir os torcedores LGBT durante a Copa. Isso é, desde que não pareçam LGBT. Eles não podem, por exemplo, demonstrar seu afeto em público. Coisas como segurar as mãos na rua, beijar-se na boca ou mesmo brandir uma bandeira do arco-íris seguem arriscadas nesse país conservador.

A perseguição à comunidade LGBT é um dos temas mais delicados desta edição da Copa, inaugurada no domingo (20) com a partida entre Qatar e Equador. A tensão deve durar até a última partida, em 18 de dezembro —deixando para trás uma questão não resolvida e uma comunidade local desamparada.

O estádio Al-Bayt durante a cerimônia de abertura da Copa de 2022, no Qatar
O estádio Al-Bayt durante a cerimônia de abertura da Copa de 2022, no Qatar - Miguel Medina/AFP

O Código Penal do Qatar estipula a punição do sexo entre homens com até três anos de prisão. O sexo fora do casamento, incluindo o homossexual, pode ser punido com até sete anos de cadeia. A lei islâmica, a sharia, sugere a pena de morte para os gays, mas não há registro de que a punição seja de fato implementada ali.

Segundo a organização Human Rights Watch, a perseguição também acontece por meio do chamado estatuto da Proteção da Comunidade, que permite a detenção por até seis meses sem uma acusação formal para o crime de "violar a moral pública".

Em um relatório recente sobre o Qatar, o Human Rights Watch documentou ao menos seis casos de espancamento e cinco de assédio de pessoas LGBT sob custódia desde 2019. Ainda segundo essa entidade, o regime exigiu de pessoas transgênero que se submetessem a terapia de conversão. Em resposta às acusações, o Qatar afirmou que o relatório contém informações falsas, incluindo a existência de centros oficiais de conversão.

Uma reportagem do jornal britânico Guardian sugeriu, além disso, que o regime do Qatar está chantageando alguns homossexuais. O governo lhes promete segurança caso ajudem a autoridade a achar outras pessoas LGBT, para que sejam detidas e punidas.

Como outros países de cultura árabe, o Qatar se apoia no islã para proibir, perseguir e punir lésbicas, gays, bissexuais e pessoas transgênero. Não é apenas uma questão religiosa, mas de como essa fé é utilizada. Alguns cristãos, afinal, também se debruçam na Bíblia para condenar e perseguir homossexuais.

O Alcorão, livro que serve de base para o islã, usa a história do reino de Ló para condenar as relações sexuais entre homens. O texto não prevê punições, porém. É mais tarde, na jurisprudência islâmica, que esses castigos começam a aparecer por escrito. Eles incluem chibatadas e apedrejamento, dependendo da fonte.

É complicado, porém, pensar nas sociedades islâmicas tendo como fonte apenas os seus textos. Em seu ensaio clássico "Orientalismo", o crítico palestino Edward Said critica justamente essa abordagem textual do islã, que ignora as realidades vividas.

Historiadores sabem que, até recentemente, impérios islâmicos toleravam —e, às vezes, celebravam— as relações homossexuais. Há uma vasta coleção de poemas homoeróticos, por exemplo, datando do período medieval. Ilustrações turcas e persas registram, explicitamente, o sexo entre homens e entre mulheres.

A ironia é que foi em parte o contato com culturas europeias que levou sociedades islâmicas a condenar e punir de maneira sistemática a homossexualidade a partir do século 19. Europeus associavam um suposto declínio oriental a práticas homossexuais. Populações em territórios de maioria islâmica internalizaram essas ideias. Diversas leis anti-LGBT que existem nessa região foram inicialmente impostas por colonizadores europeus, e mantidas mais tarde por governos independentes.

Essas leis e práticas oficiais não significam, porém, que não existe vida LGBT no Qatar. Como em outros países repressivos, incluindo os vizinhos Emirados Árabes e a Arábia Saudita, as populações locais —e a comunidade de estrangeiros— encontram maneiras de viver as suas sexualidades e expressões de gênero.

Só que eles temem, agora, que o Qatar intensifique a perseguição e a punição como revide por toda a atenção e crítica que o regime recebeu durante as semanas da Copa do Mundo.

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