Japão surpreende e vence Alemanha em jogo marcado por protesto contra Fifa

Europeus saem na frente, mas sofrem a virada no segundo tempo do duelo em Doha, no Qatar

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Japoneses celebram o gol de empate no segundo tempo; virada aconteceu já perto do final da partida Molly Darlington/Reuters

Doha (Qatar)

Desde a conquista da Copa do Mundo de 2014, no Brasil, a Alemanha só venceu um dos quatro jogos que fez em Mundiais. Na Rússia, teve a pior campanha de sua história, eliminada na primeira fase, com duas derrotas e uma vitória. Nesta quarta-feira (23), estreou no Qatar com mais um revés, diante do Japão, de virada, por 2 a 1.

Antes de a zebra passear em Doha, a partida já estava marcada pelo maior protesto em favor da igualdade de gênero e em apoio à comunidade LGBTQIA+ durante este Mundial, quando os onze jogadores alemães posaram para a foto oficial com a mão na boca, num gesto contra a censura.

Foi a resposta do elenco alemão ao veto da Fifa ao uso da braçadeira com as cores do arco-íris e a inscrição One Love (Um amor), que seria utilizada pelo capitão Manuel Neuer.

Jogadores da seleção da Alemanha tapam a boca para denunciar a censura que afirmam ter sofrido da Fifa, após entidade proibir uso de braçadeira com mensagem a favor da diversidade - Molly Darlington/Reuters

No estádio Khalifa, o goleiro usou o adereço oficial da entidade máxima do futebol, com a frase "no discrimination" (não à discriminação).

Quando a bola rolou, as duas equipes protagonizaram um bom jogo. E parecia que os alemães dariam eco ao protesto com uma vitória.

Gündoğan, de pênalti, abriu o placar aos 31 minutos de jogo, após falta cometida pelo goleiro Shuichi Gonda em cima do lateral David Raum. No segundo tempo, ele também quase ampliou, mas acertou a trave.

Antes de virar do avesso, o duelo teve, ainda, dois gols anulados por impedimento, um do japonês Maeda e outro do alemão Kai Havertz, aos 8 e aos 49 minutos da etapa inicial, respectivamente.

Depois do intervalo, os alemães continuaram apertando os japoneses, mas não acharam mais o caminho do gol. E ainda começaram a deixar espaços na defesa. Aos 30 minutos, Ritsu Doan deixou tudo igual. Oito minutos depois, foi a vez de Takuma Asano marcar um bonito gol, para decretar a virada.

Ele recebeu um lançamento nas costas da defesa, invadiu a área e venceu Neuer com um chute forte. Presentes em bom número no estádio Khalifa, os japoneses foram ao delírio com a vitória, em uma festa parecida com a dos sauditas, que, na terça-feira (22), também foram surpreendidos com um triunfo sobre a Argentina, por 2 a 1 –também tendo feito gol de pênalti e também com tentos anulados.

Ministra do interior da Alemanha, Nancy Faeser, no estádio internacional Khalifa, usou a braçadeira proibida pela Fifa - Matthew Childs/Reuters

A zebra na estreia dos tetracampeões mundiais, porém, não ofuscou o protesto da Alemanha, que escancarou a insatisfação das seleções europeias contra a Fifa.

Sete países do continente (Inglaterra, Alemanha, Holanda, País de Gales, Dinamarca, Bélgica e Suíça) pretendiam usar a braçadeira One Love, mas foram alertados de que isso levaria os jogadores a serem punidos com cartão amarelo. No Mundial, com dois cartões acumulados um atleta já deve cumprir suspensão.

"Como federações nacionais, não podemos colocar nossos jogadores em uma posição na qual poderiam enfrentar sanções esportivas, incluindo cartões", disseram os países em nota conjunta.

A seleção belga pretendia, ainda, usar uma camisa predominante branca, mas com cores do arco-íris espalhadas pelo uniforme, com a inscrição "Love" (amor) na gola. Isso também foi proibido.

As federações criticaram a inflexibilidade da Fifa sobre os gestos em favor da igualdade de gênero. A Dinamarca, por exemplo, avisou que não apoiará Gianni Infantino à reeleição na entidade. Antes da partida com o Japão, o presidente da Federação Alemã, Bernd Neuendorf, disse que os jogadores do país estavam "desapontados" com a proibição.

Nesta quarta (23), o veto à braçadeira era o principal assunto na capa do Bild, um dos principais jornais da Alemanha. Em resposta à situação, a cadeia de supermercados Rewe, uma das maiores patrocinadoras da seleção alemã, informou que vai romper o contrato.

"A atitude escandalosa da Fifa é, para mim, absolutamente inaceitável como CEO de uma empresa diversificada e como torcedor de futebol", disse Lionel Souque, CEO da Rewe.

No Qatar, a homossexualidade é crime. Manifestações de afeto em público entre homens e mulheres também são proibidas. Desde o anúncio de que o país seria a sede do Mundial, a questão foi motivo de preocupação.

A ONG para Humans Rights Watch denuncia que a Polícia da nação do Oriente Médio deteve arbitrariamente e praticou abusos contra migrantes da comunidade LGBTQIA+.

Já durante o Mundial, antes do jogo entre Argentina e Arábia Saudita em Lusail, autoridades locais tomaram uma bandeira do estado de Pernambuco, levada ao estádio por um grupo de brasileiros. Segundo testemunhos que estavam no local, os agentes pensaram que se tratava de uma bandeira de apoio à comunidade LGBTQIA+ por também ter as cores do arco-íris.

Em entrevista à Folha no início de 2020, o secretário-geral do Supremo Comitê da Entrega e do Legado, Hassan Al Thawadi, pediu que as pessoas que viessem ao país estivessem abertas a se adaptar à cultura local.

Na véspera da abertura da Copa, o presidente da Fifa, Gianni Infantino, causou polêmica ao comentar sobre os casos de discriminação no Qatar. Primeiro, ele chamou de "hipocrisia" dos países europeus as críticas direcionadas à nação do Oriente Médio.

Depois, em sua fala que causou mais revolta, ele comparou a discriminação que teria sofrido na infância por ser um itálo-suíço ruivo com a discriminação sofrida por gays e deficientes.

"Hoje me sinto árabe. Hoje me sinto africano. Hoje me sinto gay. Hoje me sinto deficiente. Hoje me sinto como um trabalhador migrante", falou. "Claro que não sou qatariano, não sou árabe, não sou africano, não sou gay, não sou deficiente. Mas me sinto como eles, porque sei o que significa ser discriminado", acrescentou.

A fala do dirigente, no entanto, contradiz a postura da entidade que mais uma veta uma ação em defesa da igualdade.

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