Argentinos tomam Doha pelo sonho do Mundial, mesmo sem ingressos

Segundo estimativa da Casa Rosada, 40 mil pessoas viajaram ao Qatar para acompanhar a seleção

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Doha (Qatar)

Assim que Lautaro Martínez converteu o último pênalti contra a Holanda e classificou a Argentina para a semifinal da Copa do Mundo, o ex-atacante e comentarista inglês Chris Sutton ligou seu microfone da rádio BBC 5 Live, da Inglaterra.

"Eu estou extasiado pelos torcedores argentinos. Merecem a classificação. Eles têm feito esta Copa do Mundo valer a pena", disse.

Andar pelas ruas do centro de Doha, capital do Qatar, é trombar com torcedores do país sul-americano de classes sociais e histórias diferentes.

Torcedores argentinos se juntam no mercado Souq Waqif, em Doha, para 'bandeiraço' em apoio à seleção
Torcedores argentinos se juntam no mercado Souq Waqif, em Doha, para 'bandeiraço' em apoio à seleção - Gabriela Biló/Folhapress

"Você sabe onde posso ver o jogo? Aqui não encontro nenhuma televisão ligada", perguntou à Folha um argentino enquanto mastigava lanche sentado na mureta do boulevard de Lusail, a poucos metros do estádio onde a sua seleção enfrentaria a Holanda pelas quartas de final, na última sexta-feira (9).

Diante da indicação de que teria de ir a algum restaurante do centro ou Fan Fest da Fifa, ele balançou a cabeça a concordar.

Ezequiel Carmeni, 37, chegou a Doha antes do jogo contra a Polônia que definiria a classificação para as oitavas de final. A alviceleste venceu e repetiria o feito diante da Austrália nas oitavas de final, antes de superar os holandeses na disputa de pênaltis.

Ele vai embora em 19 de dezembro, um dia após a final que pode ter a Argentina. Para isso, é preciso vencer a Croácia, nesta terça-feira (13), no mesmo estádio Lusail. Mas o torcedor de Tucumán, no interior do país, não foi a nenhuma partida nas arenas. Não tem ingressos.

"Eu já sabia que seria assim. Só quero estar perto do time."

Nos últimos dias, a organização do Mundial enviou a jornalistas banners avisando sobre um "bandeiraço" no Corniche, via de seis quilômetros ao lado da baía de Doha. Era um evento para reunir fãs da seleção de Lionel Messi, com, claro, bandeiras, bumbos, gritos de incentivo e músicas.

É inédito que os responsáveis pelo torneio promovam o encontro de uma só torcida perto da final. Isso acontece pela mesma conclusão a qual chegou Chris Sutton.

A torcida argentina tem feito a Copa do Mundo.

Antes da estreia (com derrota) diante da Arábia Saudita, o governo da nação sul-americana estimou em 40 mil o número de turistas que viajaram ao Qatar para acompanhar o Mundial.

A cada semana ocorrem "bandeiraços" espontâneos, marcados por iniciativa de pequenos grupos, via redes sociais ou WhatsApp, que reúnem milhares de torcedores. Comparecem não apenas argentinos, mas imigrantes que apoiam a equipe de Messi.

As concentrações eram geralmente marcadas para o Souq Waqif, o tradicional mercado no centro da capital do Qatar, com suas ruas estreias e pouco espaço para movimentação. Isso levava policiais e seguranças à loucura.

"As pessoas perguntam como pode ter tanto argentino no Qatar, um país caro, sendo que nós estamos no meio de uma crise econômica. Há gente que faz loucuras para ver a seleção no Mundial. E são torcedores de verdade, acostumados a ir a estádios. Então o clima em jogos parece o mesmo de La Bombonera ou do Monumental [de Núñez]", afirma Juan Bergés, 46.

Comerciante em Buenos Aires, ele diz ter guardado dinheiro pelos últimos quatro anos, desde que voltou do torneio de 2018, em Moscou, para viajar ao Qatar. Ao contrário de Ezequiel, tem ingresso para todos os jogos, inclusive a decisão, que também será no estádio Lusail.

"Eu sei de gente de todas as condições financeiras que você possa imaginar. Há os que estão em hotéis de luxo e outros que dormem nem faço ideia onde porque quase não têm dinheiro para comer. Sinceramente, não sei por que vieram até aqui. Mas vieram", completa.

Houve também torcedores que relacionaram a morte de Maradona à obrigação de ir ao Qatar.

O publicitário Facundo Minguez, 34, afirma ter decidido que iria ao Mundial em 25 de novembro de 2020, quando o ídolo morreu, vítima de infarto.

"Eu já tive com meu pai a experiência de ir ao torneio em 2006 e foi o primeiro de Messi. Em 2022 é o primeiro sem Diego. Acho que é uma homenagem à memória dele estar aqui", diz, acompanhado pelo filho Nicolás, 10, que está em sua primeira Copa.

Ambos compartilharam na semana passada, em Souq Waqif, o primeiro bandeiraço

Antes da Copa, o governo argentino enviou ao Qatar lista com nomes e dados de 6.475 torcedores que fazem parte do chamado "direito de admissão". Todos têm histórico de violência, estão proibidos de entrar em estádios na América do Sul e deveriam ser impedidos de ingressar no país da Copa.

Na semana passada, o Ministério da Segurança reconheceu que cerca de cem deles conseguiram viajar ao Qatar e estão acompanhando o Mundial.

"Desconheço como entraram. É o governo qatariano que decide a quem emite o hayya card [documento que serve como visto de entrada]. Não sei como funcionou, e muitas pessoas tiveram o pedido de entrada negado", afirmou, à Rádio La Red de Buenos Aires, o embaixador argentino no Qatar, Guillermo Nicolás.

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