Entre o bendito e o maldito, Argentina encerra espera de 36 anos pelo título mundial

Seleção chegou ao tricampeonato embalada por um Messi comparável a Maradona

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Lusail (Qatar)

Um dos comerciais mais conhecidos da história da TV argentina foi feito pela cervejaria Quilmes para a Copa do Mundo da África do Sul, em 2010. A cada quatro anos, antes de um novo torneio da Fifa, ele reaparece em compartilhamentos nas redes sociais ou visualizações no YouTube.

A popularidade é por conseguir captar a essência da roda gigante do que foi torcer pela seleção de 1986, quando Diego levou a equipe ao título, a 2022, quando Lionel Messi repetiu a dose.

Com o nome de "Bendito sea" (bendito seja, em espanhol), a propaganda intercala o que é bendito e o que é maldito na relação dos argentinos com a Copa do Mundo no hiato de 36 anos sem ser campeão.

"Malditas sejam as recordações dolorosas, maldita a impotência, a injustiça que vivemos, voltarmos para casa cada um para um lado, as finais sem jogar e ficar pelo caminho. Bendita seja a anestesia geral das nossas dores, a tristeza que curamos com abraços, as gargantas que se arrebentam com os gols, o sentir que somos os melhores por um tempo", diz o texto da propaganda que também fala nos "grupos da morte" e nos "controles sem avisar que acabaram com a nossa sorte", lembrando dos testes antidoping.

Di María marca o segundo gol da Argentina na final, contra a França
Di María marca o segundo gol da Argentina na final, contra a França - Jack Guez/AFP

A explosão popular com a campanha na Copa do Qatar resume a espera pela volta ao topo pela seleção que ganhou pela primeira vez apenas em 1978. Isso apesar de ter construído equipes que poderiam ter vencido antes.

Finalista em 1930, a Argentina seria favorita na década de 1940, mas não pôde jogar porque os Mundiais foram suspensos devido à Segunda Guerra Mundial (1939-1945).

A seleção depois teve momentos traumáticos, como a derrota nas quartas de final de 1966 para a Inglarerra em Wembley. Expulso, o capitão Antonio Rattín se recusou a deixar o campo até que um tradutor fosse chamado, assim ele poderia conversar com o árbitro alemão Rudolf Kreitlein.

Ao sair, puxou a bandeira inglesa que estava no pau de escanteio. O técnico Alf Ramsey chamou os argentinos de "animais".

Em 1970 foi pior ainda. A seleção sequer foi à Copa, batida nas eliminatórias pelo Peru dirigido pelo brasileiro Didi.

"Sabemos que está uma loucura na Argentina. Chegam as imagens e é incrível", constatou o goleiro Emiliano Martínez com a festa popular a cada vitória da equipe no Qatar.

Durante a pandemia da Covid-19, a TV do país mostrou todos os jogos da Copa de 1990, para lembrar os 30 anos da campanha que terminou com o vice. Torneio em que a Argentina chegou à final apesar de acumular lesões e jogar mal. Mas o torneio é lembrado com carinho pela presença de Maradona e pela percepção de que foi prejudicada na final pelo juiz mexicano Edgardo Codesal.

Cada campanha, toda desilusão em Mundiais tem um símbolo, uma jogada que marcou a história. Provocando cicatrizes nos torcedores, às vezes.

Em 1994 foi Diego Maradona saindo de mãos dadas com a enfermeira americana Sue Carpenter, em Boston, depois do jogo contra a Nigéria. Iria para o doping que encerraria sua carreira em Copas e selaria o destino do time na competição nos EUA.

Quatro anos depois foi Ariel Ortega dando uma cabeçada no goleiro holandês van der Sar e ajudando na derrota nas quartas de final.

Houve o desespero de Hernán Crespo de buscar a bola no gol para tentar a virada contra a Suécia e evitar eliminação na fase de grupos de 2002. Lionel Messi sentado no banco de reservas por 120 minutos nas quartas de final diante da Alemanha em 2006. A expressão do técnico Diego Maradona após a queda também para a Alemanha em 2010.

A frase "era por abajo!" (era por baixo) que entrou para o folclore do futebol local porque, se o atacante Rodrigo Palacio tivesse chutado rasteiro e não tentado encobrir o goleiro Manuel Neuer, a Argentina teria sido campeã em 2014. Jorge Sampaoli perguntando para Messi "vou colocar o Kun, está bem?" em 2018, durante o confronto com a Nigéria. O símbolo da desorganização e da perda de comando da seleção na Rússia.

"Não há como não se emocionar", constatou o técnico Lionel Scaloni, antes da final contra a França, em 2022, ao perceber o quanto o título seria importante para o seu país.

À meia-noite de domingo (18), dia da final no Qatar, as emissoras de TV abertas exibiram vídeo dos jogadores cantando o hino nacional.

"Estar emocionado é parte da cultura argentina, de como se vive o jogo. Temos a melhor torcida do mundo e que estava necessitada desta alegria. É mais do que o futebol, faz as pessoas felizes. E que esta campanha tenha feito as pessoas felizes nos deixa emocionados", completou o treinador.

Entre o bem e o mal do comercial da cerveja, o Mundial de 2022 foi o mais bendito de todos.

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