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Torero: Em 1982, descobri que não havia uma ordem divina

Editoria de Arte/Folhapress
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Eram os dias mais perfeitos de todos os tempos. Eu tinha 18 anos, era magro, não havia um fio de cabelo branco em minha cabeça e acabara de entrar na faculdade de letras da USP. Para melhorar, eu tinha uma bela moto azul.

O rádio tocava umas novas bandas interessantes, como Legião Urbana e Titãs. Michael Jackson lançara o álbum "Thriller" e uma tal de Madonna começava sua carreira.

No cine Roxy, lá em Santos, vi filmes ótimos naquele ano: "Blade Runner", "Tootsie", "E.T.", "Fanny e Alexander", "Ghandi",o curioso "Koyaanisqatsi" e "Missing", de Costa-Gravas. Filmes dos quais gostei tanto que até pensei em fazer cinema um dia.

Mas a cereja do bolo era a seleção brasileira. A melhor que eu já tinha visto. A melhor que eu vi. Um time fantástico, que fazia muitos e belos gols. O tal futebol arte, que para mim era um animal extinto, tinha voltado a andar sobre a Terra.

O Brasil possuía dois laterais perfeitos, Leandro e Junior. Uma zaga com um central seguro e um quarto zagueiro clássico, Oscar e Luizinho. O centroavante era Serginho Chulapa e na esquerda havia Éder com suas bombas indefensáveis. Mas o melhor era o meio: Falcão, Cerezo, Zico e Sócrates. Quase um verso alexandrino.

Era ou não era para sonhar?

Veio a Copa e as três primeiras partidas foram três espetáculos. Primeiro, uma bela virada em cima da poderosa URSS, graças a um Exocet de Éder (para saber, ou lembrar, o que eram URSS e Exocet, consulte o Google). Depois, duas goleadas: 4 a 1 sobre a Escócia e 4 a 0 na Nova Zelândia. Cada vitória virava um carnaval na praça Independência.

Na segunda fase começamos enfrentando os argentinos. Eles eram os campeões mundiais e tinham grandes jogadores, como o goleiro Fillol, o zagueiro Passarela, os atacantes Kempes e Ramon Díaz, o meio-campista Ardiles e ele, Maradona. Mas a Argentina não deu nem para o cheiro. O Brasil dominou e ganhou com folga: 3 a 1. Como a Itália havia vencido a Argentina por 2 a 1, fomos para o jogo seguinte precisando de um reles empate.

Então aconteceu o que você já sabe. Paolo Rossi marcou e nós empatamos, Paolo Rossi marcou e nós empatamos, Paolo Rossi marcou e...

Eu tinha certeza de que o gol iria sair. O mundo era um lugar criado para que eu fosse feliz. As músicas, os filmes, as belas moças da faculdade e minha moto azul eram a prova disso. Era apenas uma questão de tempo. Só que o gol não saiu.

Assim que acabou o jogo, fui andar pela minha rua. Não havia ninguém. Caminhei até a praia. Ela também estava deserta. E caía um chuvisco triste.

Ali, naquele instante, pisando nas areias cinzentas de Santos, descobri que não havia uma ordem divina, que não havia um propósito na existência.

O mundo era um lugar cruel e injusto. Tudo era acaso e caos. Nenhum Roteirista Supremo escrevia as páginas da vida para que as histórias acabassem da maneira mais justa e feliz.
A Copa de 1982 foi o fim da minha ingenuidade.

José Roberto Torero é escritor e jornalista

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