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Cleto Pinto é o 'dono' do microfone até a seleção começar coletiva na Granja

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"Ichi! Ni! San! Shi! Go!"

É Cleto Pinto, 60 anos. Falando um a cinco em japonês.

Antes de cada entrevista coletiva na Granja Comary, em Teresópolis, ele está lá para garantir que nenhum ruído, nem mesmo um chiado cabotino, empane a sabedoria, o brilho, da palavra de cada jogador. Sem ele, nenhum deles poderia dizer para as TVs e rádios do Brasil inteiro, do mundo, coisas como "cada jogo é um jogo" ou "seleção é batucada, batucada é seleção". Durante pelo menos 30 minutos, Cleto se posta diante do microfone, no palco, e fala, para que todos possam testar se o áudio está perfeito. Poderia repetir apenas "alô, alô, testando" ou "um, dois, três, quatro, cinco". Mas não. Cleto se prepara. Planeja. Estuda. Investiga. Entra no palco como um homem imbuído de um papel histórico. Ainda que ninguém grave ou transmita o que ele diz, ainda que ele seja um antes.

Eduardo Knapp/Folhapress
Cleto Pinto ajeita o microfone para entrevista dos jogadores da seleção
Cleto Pinto ajeita o microfone para entrevista dos jogadores da seleção

Cleto disfarça, empoleira os óculos, tira um papel bem dobrado do bolso. Escreveu lá um, dois, três, quatro, cinco em outras seis línguas além do japonês: inglês, espanhol, holandês, francês, alemão e chinês. Ao lado da palavra, bota também a pronúncia. O número quatro em chinês, explica ele, "se escreve su, mas fala si". A grafia do dois, em alemão, "é zwei, mas eu preciso dizer tzvai". Cleto se aplica. Coleciona ainda um "Guten Tag", um "Welcome", um "Bienvenido". Preparou uma versão compacta da ONU para o teste do microfone. "Agora em baiano", grita um. Cleto se apruma, diz que nasceu no Rio Grande do Norte.

"Bom dia a todos. Estamos iniciando mais uma entrevista coletiva diretamente da Granja Comary, para toda a imprensa nacional." E, caprichando no vocabulário: "E também para a hipernacional". É assim que começa a coletiva de Cleto. Para quase ninguém, porque nesse momento a maioria dos jornalistas está no lado de fora da sala, fazendo fila diante de "JB Telles, como o uísque". Cada um ali, no mundo da imprensa da CBF, tem o seu pequeno (ou grande) poder. Telles é o dono das senhas que dão acesso a uma sala em que cabem 280. Se alguém tenta obter um dos papeizinhos coloridos com truculência, invocando direitos, Telles cresce várias vezes, fica até alto. A etiqueta ali é de um certo compadrio à brasileira, uma cordialidade de pegar no braço. Quase sempre bem humorado, Telles faz suspense, brinca. Diz para o jornalista da Al Jazeera: "Precisa de quatro? Dou três para sair sorrindo".

Lá dentro Cleto executa sua coreografia. Abaixo da franja, o rosto inteiro é expectativa. Passa dias matutando os melhores termos para expressar o momento da seleção. "Galera", descobriu, rima com quase tudo. "Atenção, galera, a expectativa passou e a Copa já começou. Galera, chegou a hora da guerra." A galera não escuta, a maioria está grudada nos computadores, tendo que abastecer a internet minuto a minuto, achar notícia onde nem sempre tem. Mas tem de ter. Desespero, desespero.

"Bonjour! One, two, three, four, five, six, seven..." E Cleto termina, bem animado: "Eitiiiiiiiii". Só não encontrou um jeito ainda de se expressar em Libras, a Língua Brasileira de Sinais. Clarissa Guerretta, da TV Ines, reclama da falta de intérprete na transmissão da coletiva. Ela leva a sua. E briga bastante. "Já foi o tempo que surdo era coitadinho", exclama com as mãos. Acha que repórteres de outras línguas às vezes são privilegiados na entrevista, e a dela é uma língua como qualquer outra, que fala para milhões. Por que a japonesa conseguiu fazer pergunta e ela não?, questiona ao final de uma entrevista.

Kiyomi Nakamura, veterana na cobertura da seleção, é talvez a única (quase) unanimidade naquele mundo competitivo, para muito além da bola. Experiente, sim, e tão fofa quanto o Bambi. Os olhinhos dos jogadores e de "Felipón" fazem ola quando ela pergunta, em português e com aquele sotaque irresistível das japonesas, que parecem soar sempre como meninas que precisam ser protegidas com a máxima urgência.

Eduardo Knapp/Folhapress
O lateral Daniel Alves durante entrevista coletiva na Granja Comary
O lateral Daniel Alves durante entrevista coletiva na Granja Comary

"Wagner, já testou seu equipamento?", pergunta Cleto. Conhece cada um ali. Quando a coletiva começa, ele se posta na lateral. Bota as mãos na cintura. Depois bota para trás. E de novo na cintura. Daniel Alves não entende a tradução, reclama, faz ironia. Não é culpa de Cleto. A tradução é outro departamento. No de Cleto, Daniel Alves é o que dá mais trabalho. Fala muito perto do microfone. Cleto fica aflito porque, quando ele fala, faz "puf, puf". Dicção de primeira tem Fred. Mas o mais gentil com Cleto é David Luiz. Quando Cleto lhe deseja sorte, ele até lhe responde. Fala "muito obrigado".

Cleto apura os ouvidos. Um jornalista sueco quer saber por que os jogadores brasileiros falam tanto em Deus. Henrique responde: "(Tem de lembrar) de Deus não só na hora de pedir, mas na de agradecer". Respondido. Quem tem prioridade para fazer perguntas são os jornalistas dos veículos "detentores de direitos". Esse é o primeiro critério, segundo o assessor de imprensa da CBF, Rodrigo Paiva, que decide quem pode ou não perguntar. O segundo é o da "convivência". Quem acompanha a seleção tem preferência diante dos que desembarcaram só agora. Um repórter comenta, amargurado: "Um pergunta cenoura, o outro abacate, um terceiro melancia. Isso não é jornalismo".

Quando os entrevistados se retiram, Cleto está contente. O Brasil, o planeta, sabem agora o que os jogadores têm na cabeça, ainda que deles só se possa exigir maestria no pé. É hora de outra coletiva, extraoficial, mas oficialíssima. Um grupo rodeia Rodrigo Paiva. Uns querem fazer um pedido, outros devaneiam com uma informação exclusiva. Dadá Maravilha, tricampeão do mundo, hoje comentarista de TV, pede uma entrevista com Felipão. Há quem só queira fazer um selfie. "Eu não sou viado, mas quero fazer um selfie com você", diz um.

A aparência de intimidade com Rodrigo é produto valorizado naquele mercado. "O maior gol desse cara foi ter sido casado com Maitê Proença", diz o mesmo da foto, já no estágio avançado do abraço amigo. Rodrigo, sempre sedutor com as mulheres, responde a todos com educação, sem nem sempre responder. Mesmo quando não ajuda parece ajudar. É um tipo solar. E controverso, personagem de matérias de todo o tipo, de denúncia a coluna social. Um velho observador das relações da imprensa com a CBF balança a cabeça, olhando a corte de fora: "Não dá para ficar amigo do rei na hora da coroação".

A sala se esvazia. Cleto continua lá. No dia seguinte, tudo se repetirá. Ele voltará ao microfone. Mas o espetáculo, de fato, só começa quando o homem comum deixa o palco.

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