Publicidade
Publicidade

Comitê Rio-2016 faz manobra para encobrir perda de R$ 129 milhões

O Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos do Rio realizou uma manobra em seu balanço de 2015 para encobrir um rombo de R$ 129 milhões.

Por meio de um ajuste contábil, a entidade atrasou repasse em dinheiro que tinha de fazer ao COB (Comitê Olímpico do Brasil) para melhorar suas contas, impedindo que registrasse a perda no ano.

Com isso, o comitê organizador terminou 2015 com um superávit de R$ 17 milhões.

O presidente das duas entidades é o mesmo: Carlos Arthur Nuzman. O fato de uma só pessoa conciliar a direção dos dois órgãos é inédito na história dos Jogos.

A Folha apurou que há setores do COB insatisfeitos com o não recebimento do dinheiro, que poderia ser destinado à preparação de atletas para os Jogos, em agosto.

A prática se assemelha, com diferentes componentes, às "pedaladas fiscais" que serviram de argumento no processo de impeachment que culminou no afastamento de Dilma Rousseff da presidência, no mês passado.

No caso federal, o Tesouro Nacional atrasava o repasse de verbas para autarquias e bancos (públicos e privados), como o INSS, por exemplo. Ao fazê-lo, o governo apresentava despesas menores do que deveriam ser de fato, maquiando as contas públicas.

No caso da Olimpíada, não há ilegalidade, como observa o economista Luis Paulo Rosenberg. "O artifício utilizado é usual no setor privado para fechar as contas", afirma. Seria ilegal, avalia ele, no setor público. No entanto, a manobra pode ser questionada pelas confederações.

COMPENSAÇÃO

O artifício envolve um acordo feito em 2009, logo depois que o Rio foi escolhido como cidade-sede. Seguia o mesmo padrão de edições anteriores.

O combinado funciona assim: COB e CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro) abrem mão de assinar contratos de patrocínio com marcas concorrentes às que já apoiam o movimento olímpico, para evitar eventuais conflitos.

Por isso, o comitê organizador faz uma compensação, ou seja, é obrigado contratualmente a repassar às entidades valor percentual do que arrecadar com marketing -o COI (Comitê Olímpico Internacional) também recebe.

No caso do COB, o acordado era destinar 12% do faturamento até que se atingisse a cifra de US$ 60 milhões de captação em patrocínios. Depois disso, a fatia do repasse cairia para 8% –a ser repassada semestralmente.

Em 2015, o valor da remessa ao COB, reconhecida (e não paga) no próprio balanço do comitê Rio-2016, era de R$ 146,3 milhões. Porém, ela não foi enviada. Essa mesma verba aparece no resultado do comitê organizador como receita. Essa entrada levou o resultado da entidade no ano a atingir R$ 17 milhões de superávit, e não R$ 129 milhões de perda.

A manobra foi restrita ao acordo com o COB, o qual Nuzman também comanda.

Houve alteração na forma de pagamento dos royalties ao COB, que passou a ter como base um valor fixo a ser atualizado a cada 12 meses pelo IPCA -os organizadores da Rio-2016 não alteraram a forma de pagamento nem com o CPB nem com o COI.

Essa renegociação, que no balanço está datada do dia 31 de dezembro de 2015, já incidiu sobre o que era devido: se devia repassar R$ 146,3 milhões, os organizadores agora devem só R$ 56 milhões.

O COB não apontou o não pagamento como perda, o que deveria ter sido feito.

Não há nota explicativa de evento posterior que explique a contabilidade realizada.

O montante de R$ 56 milhões tem de ser quitado até o próximo dia 31 de dezembro em "repasses de serviços e produtos", não necessariamente em espécie.

Se houver saldo a apurar na mesma data, ele será pago em parcelas a partir de janeiro do próximo ano.

Houve entrada de somente R$ 13 milhões via Rio-2016 em um ano pré-olímpico, muito abaixo do que deveria.

'PERDA PARA O ESPORTE'

"Não tem algo irregular do ponto de vista técnico. A preocupação é o que o esporte brasileiro está perdendo", disse Pedro Daniel, consultor de gestão esportiva.

Para o professor de contabilidade Jorge Eduardo Scarpin, da Universidade Federal do Paraná, a manobra parece "gerenciada". "Parece que os R$ 146 milhões caíram do além na conta do comitê."

Segundo ele, "é, no mínimo, estranho, pelo fato de Nuzman ter assinado pelos dois lados como por ter sido assinado no dia 31 de dezembro. E também pelo valor. Dá a sensação de que fizeram a renegociação para que não apresentasse deficit".

Em relatório publicado em 2015, o TCU (Tribunal de Contas da União) questionou a dupla atribuição de Nuzman: "Anote-se que a equipe de auditoria deste Tribunal já ventilava a inconveniência na acumulação dos mencionados cargos (...)."

OUTRO LADO

O Comitê Organizador dos Jogos do Rio afirmou, em nota, que "está cumprindo com o aporte ao Comitê Olímpico do Brasil previsto no dossiê de candidatura".

A entidade também disse que as movimentações financeiras são aprovadas pelo Conselho de Diretores e pelo Conselho Fiscal.

"[As movimentações] São diariamente monitoradas por uma equipe de 'compliance' e submetidas a auditorias externas. O [comitê] Rio-2016 segue com o objetivo de garantir que os Jogos sejam organizados sem o aporte de recursos públicos e, portanto, sem onerar a sociedade."

A entidade disse que "o esporte brasileiro vive em 2016 o maior ano de sua história".

O COB, por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que os pagamentos devidos pelo comitê Rio-2016 vêm sendo efetuados e são contabilizados nos balanços patrimoniais das entidades.

O comitê olímpico, porém, não fez comentários sobre a renegociação de 2015 que diminuiu o percentual dos repasses. Nem falou sobre os R$ 146 milhões que foram reconhecidos e não pagos pela Rio-2016 em 2015.

"O COB e o Rio 2016 possuem órgãos deliberativos e de administração autônomos e independentes, e os negócios jurídicos celebrados por eles obedecem a regras de aprovação próprias e distintas, previstas em seus respectivos estatutos sociais e regulamentos internos."

A entidade também defendeu que o fato de Carlos Arthur Nuzman presidir os dois órgãos não exclui uma regulamentação rígida para acordos entre ambos.

"O fato de o COB e a Rio -2016 serem presididos pela mesma pessoa (o que, aliás, é prática comum no universo empresarial) não afasta ou mitiga a necessidade de deliberações sociais, no que se refere à celebração de negócios jurídicos."

Editoria de arte/Folhapress
Editoria de arte/Folhapress
Publicidade
Publicidade
Publicidade
Publicidade