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Pessoa cita 'traição' de técnico americano e estará nos Jogos como espectador

Único brasileiro campeão olímpico no hipismo, Rodrigo Pessoa, 43, deixa escapar nos termos que escolhe para se expressar o tamanho da frustração por não participar da Olimpíada do Rio. Nesta quarta-feira (3), ele abriu mão de sua vaga de reserva da equipe de salto, deixando-a a Felipe Amaral, 26.

Falta de confiança, ironia, traição e decepção são alguns dos termos que Pessoa utiliza para falar da decisão do técnico norte-americano George Morris, 78, de colocá-lo na reserva. Em entrevista à Folha, ele diz que viajará ao Rio para acompanhar os Jogos; que disputar a Olimpíada em seu país era a única coisa que faltava em sua carreira de 25 anos; e que no passado Morris o convidou a fazer parte da equipe norte-americana de hipismo.

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Folha - Onde você está hoje?
Rodrigo Pessoa - Na Bélgica [país onde reside]. Estou terminando de arrumar as malas e vou para o Rio ainda hoje. Tenho vários compromissos no Brasil, vou participar de uma das últimas etapas do revezamento da tocha amanhã.

Você vai acompanhar as provas do hipismo na Olimpíada?
Alguns dias, sim. Vou assistir a prova por equipe de salto [da qual ele faria parte], talvez o concurso completo, que também é interessante.

Como você se sente um dia depois de ter decidido não participar da Olimpíada?
Não foi fácil, foi uma decisão bem amadurecida, pensamos bastante e chegamos à conclusão de que não teria como ajudar a equipe como reserva. Já que o técnico decidiu que eu não estaria entre os titulares, não queria impedir um jovem cavaleiro [Felipe Amaral] de participar de sua primeira Olimpíada. Realmente, foi isso também que me fez abrir mão de participar. Já participei seis vezes como titular. Assim que a comissão disse que seria reserva, disse que não me interessava.

Por que você não aceitou ir aos Jogos na condição de reserva? Você acha que seria uma posição indigna para um atleta com o seu currículo?
Não, de jeito nenhum. Nunca utilizei essa palavra. Fui reserva no Pan-Americano, mas foi uma situação diferente: abri mão para colocar o Felipe e o Eduardo [Menezes] como titulares, para prepará-los para a Olimpíada. Além disso, antes eu estava competindo no Canadá e um dos meus cavalos se lesionou no embarque.
A questão é que só eu posso dizer o que sinto do cavalo [Morris argumentou à Folha que Pessoa foi colocado como reserva porque sua égua, Cadjanine, não estava pronta]. Eu julguei que estava pronta e falei para a comissão. Não tinha mais clima: tenho 25 anos de carreira, sou bicampeão mundial, ganhei Pan-Americanos. Quando falo que estou pronto, é porque eu estou. Provei pelo passado, sempre tive bons resultados. Se não tiveram mais confiança, não tinha mais clima.

Como foram as suas conversas com George Morris sobre o tema? Ele disse à Folha que você ficou agitado.
Estava defendendo meu interesse e o que achava justo com os meus argumentos. E ele depois tomou a decisão dele. Em nenhum momento faltei com respeito, apenas coloquei meu ponto de vista e ele não concordou. Eles da comissão técnica tomaram a decisão e não tem mais o que falar. Não falei nem mais alto nem mais baixo com ele do que estou falando com você.

Você se tornaria o atleta que representou o país mais vezes (7) se disputasse esta Olimpíada.
É uma pena, sempre tive muita honra de representar o Brasil, sempre fiz com a maior dedicação, levar nossa casaca, ouvir hino e subir a bandeira. Teria sido uma grande honra chegar a essa grande meta no Brasil. A vida é assim, haverá outras Olimpíadas.
Os recordes não me motivam, mas a possibilidade de fazer algo grande em casa é diferente. O que acho... Esquisito não é a palavra... O próprio George Morris me pediu por anos para tirar o passaporte americano para montar na equipe deles. Agora é essa mesma pessoa que me impede de participar de uma Olimpíada no meu país. A ironia, essa é a palavra. Fui casado com uma norte-americana, foi minha primeira esposa, e hoje sou casado também com uma norte-americana. A vida toda ele me implorou [para ir para os Estados Unidos], ao longo de 15 anos, que foi meu tempo de casado.
Ele era amigo do meu pai [o cavaleiro Nelson Pessoa] de longa data, sempre tiveram um ótimo relacionamento. Mas não quero amargura, nem raiva, nem nada. É água debaixo da ponte e vamos em frente.

A amizade de sua família com Morris fica abalada?
Fica, obviamente, abalada. Quando alguém toma uma decisão dessas contra você, claro que a amizade vai ficar abalada. Ele tirou a confiança que a gente merece. A vida é feita de decepções, a gente se sente um pouco traído por diversas pessoas, mas é assim, nada de mais, nada de menos

Você se arrepende de tê-lo encorajado a assumir o cargo de técnico da seleção?
O nome dele apareceu em janeiro, quando todas as pessoas de categoria estavam em outros países, já empregadas. Sempre tivemos bom relacionamento, não achava que seria um problema.
Ele podia ter tido mais claro em relação ao que ele queria, ou seja, mais resultados.
A estratégia que a equipe decidiu era de esperar o momento certo. Não estamos na França ou na Alemanha, onde a concorrência é muito forte para poucas vagas.
No Brasil é um grupo bem menor, então optei por uma política de mais espera junto com os outros cavaleiros. No início do ano, tinha quatro cavalos com índices olímpicos. O Ferro Chin se lesionou, eu afastei o Status a pedido da equipe, por conta dos resultados dele, e estava preparando a Cadjanine há um mês. Ele [Morris] não enxergou a estratégia de grupo.

Por que você esperou até ontem [quarta] para tomar a decisão de não ir?
É uma decisão muito grave, você não pode fazer isso de cabeça quente. Estava desapontado, então quis amadurecer o pensamento. Já que não tinha pressa de anunciar imediatamente, dado que iríamos fazer duas semanas de quarentena, aproveitei para amadurecer o pensamento. Nesse período, sempre tive contato com o Felipe Amaral, para ele não perder o sono de ansiedade. Gosto muito dele, é excelente elemento, esteve dois anos na minha cocheira.

À revista "Stud for life", você se disse surpreso com a escolha do cavaleiro Stephan Barcha para a equipe. Ainda te surpreende?
Tanto faz. Se ele [Morris] acha que essa é a melhor equipe, o que importa agora é o resultado. Se a ele foi dado o cargo, ele tem que aguentar o peso das decisões. Se for bem, muito bem. Infelizmente, ele errou na escolha. Uma coisa é certa: eu estaria pronto para contribuir depois de 25 anos de carreira. Acho que eu tinha direito à confiança da comissão

Você já tinha mentalizado algo de sua participação no Rio e que agora não vai se concretizar?
Tive a oportunidade de ter momentos olímpicos fantásticos, vivi todas as emoções olímpicas. A primeira participação com 19 anos; depois uma primeira medalha inédita para o país; depois uma segunda conquista, segundo bronze; depois a eliminação, o pior que pode te acontecer; depois, mais uma medalha, que se torna de ouro; fui porta bandeira; agora, seria a última emoção olímpica, participar em casa. É um desapontamento, certamente não estarei em atividade se a Olimpíada voltar para o Brasil um dia.
Existe aquela ideia de sentir as pessoas atrás de você, de te levarem a triunfo por equipe. Pensamos na Rio-2016 há sete anos. Claro que vai acumulando tudo isso na sua cabeça, é um motor tremendo de determinação, de força, de passar por bons e maus momentos, visualizando isso aí. Cada esportista brasileiro visualiza isso, o calor da torcida, a intensidade do momento esportivo. Agora vou viver essa Olimpíada como espectador, oportunidade que nunca tive.

Quando vai voltar a disputar competições?
Em agosto, vamos dar uma parada. Para todos que trabalham comigo foi uma pancada forte, então vamos voltar em outubro, quando teremos uma competição cinco estrelas em Bruxelas e a Copa das Nações, em Barcelona.

Em Barcelona você reencontraria Morris na seleção?
Vamos ver quem estará em qual posição. As coisas certamente vão mudar depois da Olimpíada, vamos ver o que acontece. Será uma prova por equipes, então a Confederação Brasileira de Hipismo que vai convocar. Não vamos antecipar qualquer coisa, vamos aguardar.

Que esporte é esse? - Olimpíada - Folha de S.Paulo

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