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Para refugiados, 45º lugar de nadadora síria vale por medalha de ouro

Seis torcedores se reúnem em São Paulo para assistir à Olimpíada. Eles vêm de quatro países diferentes, Síria, Congo, Cuba e Haiti, mas torcem pela mesma delegação: a dos refugiados.

Essa é a primeira vez que atletas refugiados competem como equipe em Olimpíadas. Entre os jogos de Londres e os do Rio, o número de refugiados e asilados pelo mundo aumentou de 11 milhões para cerca de 19 milhões. A pequena delegação de dez atletas que representa a enorme crise acabou virando a queridinha das torcidas no Rio.

"Os refugiados viveram em situações de guerra, de sobrevivência, ultrapassando seus limites. O esporte também tem a ver com isso. Acho que podemos conseguir bons resultados", diz o sírio Mohamad Alsaheb, numa sala de TV improvisada na ONG Abraço Cultural, em Pinheiros, onde ele e os outros imigrantes dão cursos de línguas para brasileiros. Alsaheb é professor de inglês, diretor de arte e faz tatuagens árabes com henna.

Pela TV, pipoca em mãos, eles assistem à luta do judoca Popole Misenga. O congolês refugiado no Rio perde sua segunda disputa contra um sul-coreano. Mais cedo, outra atleta do Congo que vive no Rio, Yolanda Bukasa, também foi eliminada, já na primeira luta. Os dois judocas desertaram sua delegação em 2013, quando vieram disputar um mundial no Brasil. Ninguém ali parece ligar para as duas derrotas. "Dá para ver a animação, a força. Eles estão animados a ir longe", diz a também congolesa, Joly Françoise, há cinco meses em São Paulo.

"Esses atletas podem passar uma visão mais positiva dos refugiados. E também representam a possibilidade de sonho para muita gente. Mostram que, além de batalhar para comer, aprender outra língua, se adaptar, a gente pode sonhar com outras coisas", diz o sírio Ali Jeratli, que já foi campeão de taekwondo do em seu país e torce para três delegações: a dos refugiados, a síria e a brasileira.

"É um jeito de comemorar o país que quis receber a gente", diz Jeratli. "O único", ri o também sírio Wessam Alkourdi.

O grupo quer assistir à bateria dos 100 metros livres da nadadora síria Yusra Mardini, que virou símbolo dos refugiados. Na travessia de sua família da Turquia para a Grécia, o barco pifou e a atleta precisou nadar empurrando o barco por mais de três horas. Enquanto esperam a transmissão da natação, vão torcendo por qualquer brasileiro que apareça na tela.

ESTRELAS

A haitiana Geneviève Cherubin diz que, assim como os atletas refugiados, vem sido tratada como estrela no Brasil. "Mas ser estrela sem dinheiro não é tão bom." Ela propõe para os colegas montar uma Olimpíada entre associações que trabalham com refugiados. "Podia ter corrida do saco!"

Nenhum deles espera que a presença da equipe na Olimpíada vá abrir as portas de mais países para os refugiados. "Se mudar a mentalidade das pessoas normais, já está bom", diz Alkourdi, que está montando um catering de comida árabe.

Para a cubana Maria Ileana Faguaga, a visibilidade dada à causa pode não trazer apenas consequências positivas. "A Olimpíada é uma oportunidade única para nós, mas é preciso cuidado para que ela não passe a ideia de que está tudo bem com os refugiados no Brasil, que eles estão totalmente integrados à sociedade", diz ela que está há três anos no país.

"A integração da Olimpíada é cenográfica. As pessoas têm memória curta. Quando a Olimpíada passar, elas já se esqueceram [dos refugiados]." Maria acredita que a principal consequência dos Jogos não vai ser coletiva, mas individual, na vida e na carreira de cada atleta.

O tempo passa e nada de Yusra aparecer na tevê. Quando a natação enfim surge, já corre a terceira bateria. Yusra estava na primeira, que não foi televisada. O canal esportivo estendeu a transmissão do judô e, pelo visto, já se esqueceu da queridinha dos Jogos.

Frustrados, os torcedores da seleção refugiada checam os resultados. Yusra ficou em sétimo em sua bateria. E em 45º (o penúltimo lugar) no resultado geral.

"Pra gente, ela é medalha de ouro", diz Alkourdi, abandonando as transmissões olímpicas rumo a um restaurante árabe na vizinhança. "As outras nadadoras estão treinando há anos. Ela fugiu da guerra, não teve tempo", argumenta Jeratli. "Se não ganhou agora, ela ganha na próxima." Mas será que os Jogos de 2020 também terão uma equipe de refugiados? Jeratli acredita que melhor seria se não houvesse mais refugiados, e a equipe também não precisasse mais existir.

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