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'Se não tivesse a opção da eutanásia, teria cometido suicídio', diz para-atleta belga

A para-atleta belga Marieke Vervoort, 37, reacendeu, em meio à Paraolimpíada do Rio, a discussão sobre a eutanásia.

Ela concedeu uma entrevista no Parque Olímpico a fim de desmentir os rumores de que, encerrado o evento no Brasil, passaria pelo procedimento, que consiste no ato de proporcionar a morte rápida e indolor a alguém com uma doença incurável, a fim de pôr fim a seu sofrimento.

Vervoort sofre desde os 14 anos de uma doença degenerativa.

De acordo com ela, uma tetraplegia progressiva aliada a uma distrofia miopática lhe causam dores horríveis, que têm aumentado com o passar dos anos. "Não havia, e não há, um diagnóstico preciso", afirmou.

Al Tielemans/AFP
Handout image supplied by OIS/IOC of Belgium's Marieke Vervoort on the medal podium after winning the Silver Medal in the Women's 400m - T52 Final at the Olympic Stadium, during the Paralympic Games, in Rio de Janeiro, Brazil, on September 10, 2016. Photo by Al Tielemans for OIS/IOC via AFP. RESTRICTED TO EDITORIAL USE / AFP PHOTO / Al Tielemans for OIS/IOC
A para-atleta belga Marieke Vervoort, 37, após conquistar a prata no atletismo da Rio-16

Vervoort, uma loira de cabelos curtos e arrepiados, desistiu de descobrir o que tinha e passou a se dedicar ao esporte, onde achou motivação para viver. Praticou triatlo, porém o avanço da doença a impediu de prosseguir na modalidade que engloba três esportes (natação, ciclismo e corrida).

Sobre a cadeira de rodas, sua companheira desde 2000, ganhou no atletismo um ouro (100 m) e uma prata (200 m), na categoria T52, na Paraolimpíada de Londres.

"Quero que fique bem claro: depois destes Jogos, eu não me sentarei mais em uma cadeira de corrida, mas eu não vou passar pela eutanásia", declarou, com ênfase na palavra "não". "Vou me aposentar [do esporte paraolímpico] e aproveitar cada minuto da minha vida com minha família e com meus bons amigos. Entenderam?"

O recado foi dado, e Vervoort aproveitou a ocasião —havia cerca de 60 jornalistas presentes— para defender que mais países tornem legal o procedimento. Ela afirmou que, se não lhe tivessem permitido essa possibilidade, teria se matado anos atrás.

No Brasil, a eutanásia é proibida, considerada crime. Quem tirar a vida de alguém, mesmo que por razões supostamente dignas e com métodos considerados indolores, fica sujeito a ser julgado, e preso, por homicídio.

De acordo com o Código Penal, a pena pode chegar a 20 anos, porém pode ser reduzida se houver atenuantes —como agir impelido "por motivo de relevante valor social ou moral".

Vervoort é contra esse tipo de condenação.

"Países como o Brasil devem conduzir um debate para que esse assunto não seja mais um tabu. A eutanásia não deve ser considerada um crime, mas algo que possa passar tranquilidade. Se não tivesse essa opção, eu não estaria aqui. Já teria cometido o suicídio."

Yasuyoshi Chiba/AFP
Belgium's Marieke Vervoort runs during the final of the women's 400 m (T52) of the Rio 2016 Paralympic Games at the Olympic Stadium in Rio de Janeiro on September 10, 2016. / AFP PHOTO / YASUYOSHI CHIBA
A para-atleta belga Marieke Vervoort durante final na Rio-2016

Na Bélgica, a prática é permitida. Mas a atleta conta que a autorização é muito difícil de ser obtida. "Não é como ir a uma loja e comprar algo", esclareceu ela.

É necessário o aval de três médicos, responsáveis por avaliar a gravidade da patologia, e de um psiquiatra, que analisa a condição mental do paciente.

"Os médicos precisam atestar que você tem uma doença progressiva, irreversível, incurável. E um psiquiatra comprovar que o sofrimento é insuportável. É o meu caso", afirmou Vervoort. "Piora a cada ano. Antes, por exemplo, eu conseguia desenhar. Hoje, não consigo mais."

A atleta, que no sábado (10) ganhou no Engenhão a medalha de prata nos 400 m (categoria T52), disse ter obtido a autorização para decidir seu futuro (viver ou morrer) em 2008 e que, desde então, vive em paz de espírito. "Tenho tranquilidade mental."

A explicação de Vervoort sobre ter "tranquilidade" relaciona-se não apenas com o que sente, que pode ser repentino ("Agora estou bem, vocês estão me vendo em um bom dia, mas daqui a meia hora posso desmaiar de dor ou ter uma crise epiléptica"), mas com os cuidados cada vez maiores de que necessita ("Cada vez eu demando mais assistência, para comer, tomar banho...").

Três enfermeiras se revezam a cada dia para cuidar da belga. "Não é nada fácil depender dos outros", afirmou.

Diante do avanço da doença, Vervoort disse contar com o apoio de pessoas próximas para se fortalecer ("Quando está muito difícil eu choro e grito, e o que me dá ânimo é um abraço, o aconchego"), além da religião: é adepta do budismo e tem uma cachorra chamada Zen.

Pratica ainda uma atividade que chama de "concertos de sonhos" (ouve música indiana para ajudar a relaxar). Alterna a prática com rock pesado, ouvido durante os treinamentos.

"Gosto de coisas que vão de um extremo ao outro. Do relaxamento ao mergulho ou ao bungee jumping. Já toquei guitarra, mas tive de desistir por causa de limitações."

Depois da Paraolimpíada carioca, Vervoort pretende continuar a dar palestras motivacionais, inclusive conhecendo países nos quais não esteve e admira, caso do Japão.

E defenderá sua posição.

"Com minha história quero inspirar os países a tentar deixar as pessoas mais felizes. Eu acho que haveria menos suicídios [no mundo] caso a eutanásia fosse permitida. Com a eutanásia eu deixei de pensar em suicídio. Não é assassinato, é uma coisa positiva. Ela ajuda a pessoa a viver mais tempo."

A belga encerra sua participação na Rio-2016 no sábado (17), na prova dos 100 m (T52), na qual é campeã mundial e tentará o bicampeonato na Paraolimpíada.

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