NORTE Belém e Mosqueira (PA)

Meninos e meninas do Pará namoram de faz-de-conta em jogos como o caí-no-poço, vendam os olhos para brincar de pata-cega; garotas riem com as rimas do bate-mãos Adoletas


Beijo, abraço, aperto de mão ou açaí?

Fábio Correa/Folha Imagem
Fernanda Maria Trindade, 7, pula elástico com suas amigas, em Belém
da enviada ao Pará

Às margens do rio Pará, no município de Mosqueiro (a 80 km de Belém), Izaque da Silva Sá, 10, é uma pata-cega, os olhos
vendados, tateando em busca de um dos companheiros que fogem.

A pata-cega do Pará,
mais comumente chamada de cabra-cega, chama-se cobra-cega em Mato Grosso do Sul. Enquanto Izaque prossegue na sua tentativa de captura, toca um sinal indicando o horário de saída da escola, do outro lado da rua.

Um grupo de meninos deixa a escola na correria, aproxima-se da margem do rio, tira os uniformes, acomoda-os ao pé das árvores junto com o material escolar e se atira, de cuecas, nas águas barrentas do rio Pará.

Ali praticam saltos e piruetas, pulando dos barrancos na margem. Já tinha caído a chuva cotidiana das cidades do Norte, toda tarde. O céu estava limpo, a tarde, abafada como sempre.

No grupo de Izaque, a brincadeira foi aos poucos ganhando ares eróticos, de namoro de faz-de-conta, de ligeira safadeza sob a sombra protetora de grandes mangueiras.

Tudo começou com a intimidade do passa-anel, meninos e meninas sentados num canto da rua, em silêncio, na expectativa de re ceber o anel da mão fechada que ia se insinuando pelas mãos de cada um deles.

A brincadeira seguinte é protagonizada pelas amigas Loslene Campos Barbosa, 7, e Jessica Correia, 9, que terminam numa sonora gargalhada os versos do bate-mãos Adoleta, Borboleta:

Adoleta
Le peti, peti, petá
É café com chocolate
toma o suco do abacate
Eu puxei o rabo do tatu
Eu passei a mão no teu cu

Depois é a vez de Mariele Prata da Silva, 11, cochichar ao ouvido de Rômulo Vieira, 11, a fruta secreta do jogo caí-no-poço, uma versão de beijo-abraço-aperto-de-mão, como se conhece em São Paulo.

Terminado o diálogo inicial, se acertar a fruta escolhida previamente, a criança que caiu no poço tem direito de escolher se ganhará da outra um beijo, um abraço, um passeio etc.

“Pode ser até beijo na boca”, Mariele ressalta.

Menino: Ai!
Menina: O que foi?
Menino: Caí no poço.
Menina: A água bateu até onde?
Menino: Pelo pescoço.
Menina: O que se tira disso?
Menino: Um abraço ou um beijo.
Menina: Qual é a fruta?
Menino: Açaí...

Mosqueiro foi a única das cidades visitadas onde a reportagem encontrou crianças que brincam de boca-de-forno. Os versos são um pouco diferentes da versão mais tradicional, mas a estrutura é idêntica:

_ Boca de forno!
_ Forno!
_ Carandá!
_ Dá!
_ Onde eu mandar!
_ Vou!
_ Se não for!
_ Pega um boi!

Então o cantador, ou rei, que dá as ordens, distribui tarefas para as crianças. Manda que lhe tragam folhas, pedras, flores. Quem chegar primeiro ganha e vai ser o cantador. Quem não cumprir as tarefas leva bolos, ou tapas, nas mãos.

Fabio Correa/Folha Imagem
Izaque da Silva Sá, 10, é a pata-cega, na cidade de Mosqueiro
Apesar de distantes
menos de cem quilômetros, osqueiro e Belém
registram versões diferentes de passarás, ambas diversas das duas letras encontradas em Pernambuco, por exemplo. Numa favela de palafitas em
Riacho Doce, periferia
de Belém, o jogo
se chama garfo-ou-faca
e pede licença a um “bombardeiro”:

Bombardeiro, bombardeiro
Dê licença de passar
Carregado de filhinhos
Para casa vamos já.
Se não for o da frente
Tem que ser o de atrás
_ Garfo ou faca?

Em Mosqueiro, pede-se licença a um “bom barqueiro” e introduz-se a figura de uma “sinhá”:

Bom barqueiro
Bom barqueiro
Dá licença de passar
Carregado de filhinhos
Para a casa de sinhá
Passarás, passarás
Dê licença de passar
Se não for o da frente
Tem de ser o de atrás.
_ Garfo ou faca?

(MF)

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