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NOITES
NA TAVERNA
Florescimento das cidades tornou popular o hábito de comer fora
de casa, em lugares que cumprem função de templos
de lazer
Restaurantes surgem para
matar fome de convívio
JOSIMAR MELO
especial para a Folha
O hábito arraigado entre os paulistanos, mas típico de todas
as metrópoles _de comer fora não para se alimentar, mas também como
lazer_ é, na verdade, um fenômeno recente.
A própria instituição do restaurante é relativamente nova. No berço
das grandes casas gastronômicas, a França, ela data da virada do
século 18 para o 19, e no Brasil acontece a partir dos anos 1900.
O surgimento dos restaurantes no país acompanha o fenômeno da urbanização,
época em que o ato de alimentar-se ao longo do dia foi se tornando
cada vez mais difícil de ser exercido em casa.
As jornadas de trabalho carregadas, as distâncias maiores entre
o local de trabalho e a residência, o tráfego intenso das cidades
obrigam a refeição fora do lar. É a mesma necessidade prática que
fazia, no passado, com que os restaurantes fossem construídos à
beira das estradas, nos entroncamentos de rotas, em postos de correio.
Eram casas de pouso, locais onde viajantes e passantes paravam para
restaurar as forças.
Nas cidades, as tavernas cumpriam a mesma função em relação aos
forasteiros. Isso não é de hoje _resquícios de potes de cerveja
e espinhas de peixe encontrados na cidade de Ur (Iraque) sugerem
que os sumérios, há 5.000 anos, já tinham locais onde comida e bebida
eram servidos aos passantes. As tavernas eram também conhecidas
ao longo do Império Romano, e onde quer que o homem se locomovesse.
Mas o grande fenômeno diferenciador da época atual em relação aos
restaurantes é sua constituição em templos de lazer estético e hedonístico.
Com a Revolução Francesa (1789), os chefs viram seus patrões aristocratas
serem decapitados ou exilados. Quando não acompanharam a sorte deles,
os cozinheiros se transferiram para estabelecimentos comerciais
onde seu talento ficaria ao alcance da burguesia urbana. O prazer
da mesa passava a ser uma escolha mais democrática na França.
A chegada da família real ao Brasil, em 1808, deu impulso ao florescimento
dos restaurantes no país. Para isso contribuiu a chegada da Corte
formada nos hábitos europeus, com novas exigências de paladar, seus
chefs de cozinha, e mesmo a abertura dos portos (com a possibilidade
de entrada de novos ingredientes).
Os banquetes do Império eram fartos e variados, influenciados pelo
gosto francês em sincretismo com ingredientes brasileiros. Esse
caldo de cultura gastronômico tornou-se a herança que transbordaria
para os nascentes restaurantes da cidade, ganhando maior impulso
no final do século.
Foi na Corte, o Rio de Janeiro, que apareceram os mais importantes,
inicialmente instalados em hotéis, mas também como estabelecimentos
independentes, chamados de leiterias ou confeitarias.
O mais antigo restaurante do Rio ainda em funcionamento é o Bar
Luiz, de 1887, na rua da Carioca. Outro ícone da cidade em atividade
fica na rua Gonçalves Dias. É a Confeitaria Colombo, de 1894, que
abrigou pacíficas reuniões de senhoras elegantes em torno de chávenas
de chá, bem como inflamadas tertúlias intelectuais de escritores
como Olavo Bilac.
A cidade de São Paulo é a que tem o registro mais antigo _de 1599_
de um restaurante para viajantes, o do português Marcos Lopes. Na
virada do século, a imigração italiana dá impulso aos restaurantes
paulistanos com suas cantinas familiares, onde massas, pizza e vinho
são motivos de agregação da comunidade. Entre os restaurantes mais
tradicionais da cidade figuram italianos como o Carlino, da rua
Vieira de Carvalho, no centro (mas fundado em outro endereço, na
avenida São João, em 1881); e a cantina Castelões, de 1924, no Brás.
As levas migratórias vão marcar o cenário dos restaurantes. Os melhores
e mais variados portugueses estão no Rio. Os japoneses, que em São
Paulo ganharam notoriedade a partir dos anos 80, já estavam há muito
estabelecidos no bairro da Liberdade.
Os restaurantes franceses nasceram e se popularizaram não para corresponder
à expectativa de uma base populacional que sente falta da sua cozinha
de origem, mas por força da atração que a tradição da gastronomia
francesa, realçada pela vinda da Corte portuguesa, notória francófila,
exercia sobre essa nova camada de consumidores que vai ao restaurante
em busca de lazer.
A existência de bistrôs tradicionais corresponde ao mesmo movimento
que, no cenário atual, explica a existência de restaurantes de cozinha
contemporânea, fusion ou de bases étnicas inexistentes no Brasil.
Um movimento que reflete a existência de uma clientela que não busca
só comida, mas também prazer e cultura.
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