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A
DIETA DO AÇÚCAR
Negros trouxeram gosto por novos temperos e habilidade
de improvisar receitas, misturando ingredientes europeus
e indígenas
Africanos foram forçados
a reinventar sua culinária
SYLVIA
COLOMBO
Editora interina de Especiais
A escravidão deixou marcas indeléveis, em sua grande maioria negativas,
na trajetória socioeconômica do Brasil. No que diz respeito ao legado
cultural, porém, uma das heranças mais importantes da inserção dos
negros na sociedade está na gastronomia.
A influência africana na dieta do brasileiro possui dois aspectos.
O primeiro diz respeito ao modo de preparar e temperar os alimentos.
O segundo, à introdução de ingredientes na culinária brasileira.
A condição de escravo foi determinante para explicar como a técnica
culinária dos africanos desenvolveu-se no Brasil. Tendo sido aprisionados
na África e viajado em péssimas condições, os negros não traziam consigo
nenhuma bagagem, muito menos ingredientes culinários.
Isso reforçou a necessidade da improvisação para alimentarem-se no
novo território, que, por sua vez, tinha uma estrutura ainda pouco
eficaz. A própria elite tinha de importar vários gêneros.
Nos engenhos de açúcar, para onde foram levados, as cozinhas eram
entregues às negras, pois, no começo, os colonizadores vieram sem
suas mulheres. Responsáveis pela alimentação dos senhores brancos
e com a necessidade de suprir sua própria demanda, os negros passaram
a adaptar seus hábitos culinários aos ingredientes da colônia.
Na falta do inhame, usaram a mandioca; carentes das pimentas africanas,
usaram e abusaram do azeite-de-dendê, que já conheciam da África (as
primeiras árvores vieram no começo do século 16). Adeptos da caça,
incorporaram à sua dieta os animais a que tinham acesso: tatus, lagartos,
cutias, capivaras, preás e caranguejos, preparados nas senzalas.
A cozinha africana privilegia os assados em detrimento das frituras.
O caldo é um item importante, proveniente do alimento assado ou simplesmente
preparado com água e sal. É utilizado na mistura com a farinha obtida
de diversos elementos.
No Brasil, essa prática popularizou o pirão _já conhecido pelos índios_,
mistura do caldo com farinha de mandioca e o angu (caldo com farinha
de milho).
O modo africano de cozinhar e temperar incorporou elementos culinários
e pratos típicos portugueses e indígenas, transformando as receitas
originais e dando forma à cozinha brasileira.
Da dieta portuguesa vieram, por exemplo, as galinhas e os ovos. Em
princípio, eram dados apenas a negros doentes, pois acreditava-se
que fossem alimentos revigorantes. Aos poucos, a galinha passou a
ser incluída nas receitas afro-brasileiras que nasciam, como o vatapá
e o xinxim, e que resistem até hoje, principalmente nos cardápios
regionais.
Da dieta indígena, a culinária afro-brasileira incorporou, além da
essencial mandioca, frutas e ervas. O prato afro-indígena brasileiro
mais famoso é o caruru. Originalmente feito apenas de ervas socadas
ao pilão, com o tempo ganhou outros ingredientes, como peixe e legumes
cozidos.
O acarajé, hit da cozinha afro-brasileira, mistura feijão-fradinho,
azeite-de-dendê, sal, cebola, camarões e pimenta. A popular pamonha
de milho, por sua vez, origina-se de um prato africano, o acaçá.
A vinda dos africanos não significou somente a inclusão de formas
de preparo e ingredientes na dieta colonial. Representou também a
transformação da sua própria culinária. Muitos pratos afro-brasileiros
habitam até hoje o continente africano, assim como vários pratos africanos
reinventados com o uso de ingredientes do Brasil, como a mandioca,
também fizeram o caminho de volta.
No que se refere aos ingredientes africanos que vieram para o Brasil
durante a colonização, trazidos pelos traficantes de escravos e comerciantes,
esses constituem hoje importantes elementos da cultura brasileira.
Seu consumo é popular e sua imagem constitui parcela importante dos
ícones do imaginário do país.
Vieram da África, entre outros, o coco, a banana, o café, a pimenta
malagueta e o azeite-de-dendê. Sobre este, dizia Camara Cascudo: “O
azeite-de-dendê acompanhou o negro como o arroz ao asiático e o doce
ao árabe”. No Nordeste, são também populares o inhame, o quiabo, o
gengibre, o amendoim, a melancia e o jiló.
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do senhor era o "mata-fome" do escravo
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