José Gonçalves

(10/4/2000)

Angolano relembra
domínio brasileiro

Nome: José Gonçalves

Idade: 50 Cargo: é pesquisador do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Cândido Mendes. É formado em Economia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris. Ele fez mestrado em Economia na mesma escola
Livros: participação em "O Estado em África" (ed. Khartala, Paris, 1964) e "União Européia e os Países ACP (África, Caribe e Pacífico)" (ed. Khartala, Paris, 1968). Autor de "Angola, Fogo Intenso" (ed. Cotovia, Lisboa, 1992).

CRISTINA GRILLO
da Sucursal do Rio

Durante um século -entre 1648 e fim dos anos 1740-, o Brasil dominou Angola, ocupando as funções de Portugal no controle da colônia e do tráfico de escravos. O domínio começou com o envio de uma armada financiada por comerciantes brasileiros para reconquistar Angola, então sob o domínio dos holandeses.

De acordo com o angolano José Gonçalves, 50, pesquisador do Centro de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Cândido Mendes, no Rio, a ocupação brasileira em Angola foi o início de uma relação que, até hoje, alterna momentos de aproximação e rejeição. "Houve muita repressão em Angola, após a expulsão dos holandeses. Os brasileiros estavam lá para garantir o tráfico de escravos", diz Gonçalves. Leia entrevista do pesquisador à Folha.

Folha - Como era a relação entre Brasil, Portugal e Angola nos séculos 16 e 17?
José Gonçalves - Portugal tinha o mesmo projeto, de expansão mercantilista, para os dois países. Como os portugueses haviam perdido as colônias da Ásia, tiveram de se concentrar no Brasil, como produtor, e em Angola, como fornecedor de mão-de-obra. Luanda é a primeira grande cidade africana fundada pelos europeus, em 1575. Quando os portugueses perdem a independência para a Espanha (1580-1640), só têm Angola e Brasil. O comércio de escravos e de açúcar dava um lucro fenomenal, o que desperta o interesse da Holanda, que toma o que pode de Portugal (a invasão holandesa durou de 1624 a 1654). Em 1637, instala-se em Pernambuco o conde Maurício de Nassau. Ele percebe que faltava mão-de-obra na região e que essa mão-de-obra estava em Angola.
Folha - O que acontece então?
Gonçalves - Nassau diz a Amsterdã que, para segurar Pernambuco, precisa de Angola. E os holandeses a tomam em 1641.
Folha - Durou muito tempo o domínio holandês em Angola?
Gonçalves - Não. Em 1648, as coisas já estão mudando no Nordeste e os portugueses já têm Pernambuco praticamente de volta. O rei de Portugal autoriza a retomada de Angola, mas não manda tropas. Quem o faz são os comerciantes do Rio, que se juntam para pagar uma armada e tomam Angola dos holandeses em 1648.
Folha - Houve resistência dos holandeses?
Gonçalves - Não. Como eles já estavam perdendo o Nordeste, Angola já não interessava. Em um dia, a armada brasileira tomou Luanda. A partir daí, todos os cargos importantes do governo eram ocupados por pessoas vindas do Brasil -governador-geral, bispo e comandante militar. E isso por quase um século.
Folha - Os governantes de Angola após a retomada eram brasileiros ou portugueses que moravam no Brasil?
Gonçalves - Havia as duas coisas. O que se pode dizer é que eram figuras muito repressoras. A escravatura, para eles, era um valor absoluto e a presença deles em Angola era para garantir o tráfico de escravos para o Brasil.
Folha - Como terminou o domínio brasileiro em Angola?
Gonçalves - Ao fim de quase um século de domínio brasileiro, Lisboa se assusta. O Brasil estava ganhando força. Por volta de 1750, Portugal tira de Angola todos os funcionários ligados ao Brasil e coloca partidários da Metrópole. Na Inconfidência Mineira, Portugal já retomara o controle, tanto que alguns dos conspiradores são degredados para lá. Quando começa a haver uma repressão política no Brasil, Angola passa a admirar o país. Mas isso muda novamente com a Independência. Alguns setores angolanos chegam a pensar em acompanhar o Brasil, mas os mais críticos, ou mais à esquerda, percebem que o Brasil queria a Independência de Angola para ampliar seu domínio e manter o fluxo de escravos.
Folha - A "antipatia" persiste por muito tempo?
Gonçalves - Ela desaparece no período da proclamação da República, porque também havia um movimento republicano em Angola. Como não havia mais escravatura, os angolanos percebem que o interesse brasileiro no país não tem mais relação com a importação de mão-de-obra. A partir do início do século 20, todos os movimentos nacionalistas que surgiram em Angola têm alguma ligação com o Brasil. A ligação se intensifica depois da Segunda Guerra Mundial, quando intelectuais brasileiros e angolanos estreitam contatos. Há muitos intelectuais brasileiros citados em processos políticos em Angola, por incentivar a luta contra o domínio português. Nos anos 60, com Jânio Quadros, os contatos aumentam, mas a aproximação cessa com o golpe militar de 1964.
Folha - Qual foi o impacto de 1964 nas questões angolanas?
Gonçalves - Naquele momento, Portugal estava isolado no mundo, mas os militares no poder voltam a apoiar as políticas colonialistas do salazarismo. Depois, os militares passam a se envergonhar. Quando há a Revolução de Abril de 1974 em Portugal, e logo depois ganham força os movimentos de Independência de Angola, o Brasil não os apóia. Isso causou atritos entre os dois países, mas o então chefe do departamento de África do Itamaraty, Ítalo Zappa, consegue fazer com que o Brasil fosse o primeiro país a reconhecer a Independência de Angola, em 1975.


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