O que falta estudar na história brasileira

Os documentos coloniais


Laura de Mello e Souza
especial para a Folha

O período colonial foi e tem sido objeto de algumas das análises mais brilhantes da historiografia brasileira. Mesmo "Casa-Grande & Senzala", de Gilberto Freyre, que é um ensaio quase atemporal (os tempos históricos se confundem e se misturam no livro), elege problemas referentes à colonização como pontos de referência. "Formação do Brasil Contemporâneo", de Caio Prado Jr., obra que originalmente deveria avançar pelo século 19, ateve-se à Colônia, criando para ela uma explicação poderosa.

Nos últimos 20 anos, o estudo de nossos três primeiros séculos tem passado por uma renovação considerável, dentro e fora da academia. Este é o caso da obra do embaixador Evaldo Cabral de Mello, uma das mais impressionantes da historiografia brasileira atual.

Mas há ainda muitos problemas a resolver, como o da publicação de documentos em maior escala. Depois de Capistrano e Rodolfo Garcia, notáveis estudiosos que prepararam edições críticas de porte e descobriram a identidade de autores até então desconhecidos, pouca coisa foi feita.

Documentos dos tempos coloniais são manuscritos difíceis de ler, requerendo treino específico em paleografia. Muitos dos mais importantes ainda estão nos arquivos. O Códice Costa Matoso, imprescindível para a compreensão dos primeiros tempos das Minas, acha-se agora prestes a sair de um deles e ganhar o público por meio de uma edição patrocinada pela Fundação João Pinheiro e realizada por uma equipe grande e competente.

Parte dos livros que indiquei nesta edição do Mais! são explicações do Brasil: querem captar nosso "sentido", as linhas mestras de nossa história, desvendar nossa identidade nacional.

Outros, como o trabalho pioneiro de Alcântara Machado, debruçam-se sobre um determinado objeto e privilegiam análises mais particularizadas.

Uma lista de dez é pequena e, contemplando as preferências de quem a faz, comete eventuais injustiças. Como Alcântara Machado, o pernambucano José Antonio Gonsalves de Mello também escreveu uma linda monografia, ainda hoje atual: "Tempo dos Flamengos" (1947). A obra historiográfica deste autor, pouco conhecida no Sul, é das mais completas que temos, indo dos estudos recortados à edição criteriosa de documentos.

O mais importante historiador brasileiro de todos os tempos foi também o maior historiador da Colônia, tendo escrito trabalhos marcantes sobre outros períodos e que não menciono por fugir aos objetivos aqui propostos. Falo de Sérgio Buarque de Holanda.

Se publicado na Alemanha ou na Itália, talvez "Visão do Paraíso" fosse apenas um grande livro de história. No Brasil, é o maior de todos: nosso atestado de maioridade intelectual, a prova de que também podemos inovar sendo clássicos e evitando o perigosíssimo ranço do exotismo, que sempre nos garante a popularidade fácil no exterior.

Leia mais: Império: 5 datas


Leia mais:

Colônia
-5 datas
-Boris Fausto
-Evaldo Cabral de Mello
-Laura de Mello e Souza
-Manolo Florentino
-Ronaldo Vainfas
O que falta estudar
-As religiosidades e africanidades, por Ronado Vainfas
-Os documentos colonias,
por Laura de Mello e Souza


Império
-5 datas
-Boris Fausto
-Evaldo Cabral de Mello
-Manolo Florentino
-João José Reis
-Ronaldo Vainfas
O que falta estudar
-A Independência e a Regência, por Evaldo Cabral de Mello
-A unidade nacional, por João José Reis

República
-5 datas

-Boris Fausto
-Angela de Castro Gomes
-Evaldo Cabral de Mello
-Manolo Florentino
-Ronaldo Vainfas
O que falta estudar
-A velha elite paulista, por Boris Fausto
-O pós-Segunda Guerra, por Angela de Castro Gomes
-A herança africana, por Manolo Florentino